quarta-feira, 18 de maio de 2011

RESSOCIALIZE

O BICHO

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.



O bicho, meu Deus, era um homem.


Não me deterei em elogios a peculiar percepção de Bandeira porque tenho falado sobre ele há algum tempo nesse espaço - Se bem que é pacífico a todos o apreço que tenho por este corifeu do pensamento modernista brasileiro. Entrementes, levando em consideração a poesia que, grosso modo, é um de meus mais diletos prazeres, confesso, a revelia do que caracteriza o homem médio que; imiscuído em minhas leituras (das mais variadas) e, acima de tudo, em minha vida devocional com Deus, encontro um conforto que dificilmente poderia definir em palavras. Conforto esse que sobrepuja qualquer prazer hodierno.

Desta forma, se estivesse em mim escolher - e graças a Deus que não está - com certeza não sairia de meu escritório. Continuaria por horas a fio naquela comunhão íntima com Deus e, como de costume, me deleitando nas páginas que demoradamente ouso virar sempre que posso.

Não me culpo por isso, essa era a vida que muitos de meus referencias queriam para si, vide Lutero, Calvino, Edwards e outros. O fato é que o conhecimento de Deus e toda a sua ternura que emerge dos escritos dos seus servos, deixam qualquer dos mortais inexoravelmente absorto.

No entanto, se consseguíssemos sorte neste mister, seríamos, preponderantemente, os mais mesquinhos de todos os homens. Isto porque roubaríamos esta mesma alegria - que flui de Deus - dos demais seres humanos. Algo que com certeza Ele jamais permitiria. Assim, plenamente convencido desta verdade, a qual é o âmago do evangelho, tenho lutado contra meus próprios interesses e tenho tentado viver não para mim mesmo, mas para a Glória d'Ele (Gl 5.20).

Destarte, resolvi me dedicar academicamente a maneiras plausíveis de comunicar estas "Boas Novas de grande alegria" de maneira que todos pudessem compreende-la, não importando o contexto em que se encontrassem. Me entreguei completamente a esta causa e mergulhei, tanto quanto pude, nas literaturas que me ajudassem neste sentido.

Ato contínuo, sempre sob a égide de que precisava comunicar o "Reino de Deus conforme o Evangelho de Cristo" (integralmente), e amalgamando esta premissa a paixão que nutro pela antropologia e pela fenomenologia, parti numa viagem maravilhosa pelo campo apaixonante da contextualização, me dedicando, quase que exclusivamente, a culturas alheias e a perspectivas mitológicas. E isto por um tempo considerável.

Ademais, não penso ter errado, absolutamente. Entretanto, creio que amealhado a esta paixão por fenômenos e histórias épicas, eu poderia ter apinçado um pouco da cultura e do momento histórico que me cerca. Digo isto, porque mesmo envolvido em projetos de cunho social e sendo um dos defensores do adimplamento da missão integral no contexto local, me vi surpreendido com o fato de que a realidade que hora vivo, em certa medida, suplanta as dificuldades de muitas das narrativas que aprendi a amar.

Meu ponto é que a reflexão teológica e/ou missiológica, deve ser regada a horizontalidade. Não a teórica, a qual estou acostumado, mas a prática. Sem querer me esconder sobre um verniz de "bom samaritano", me encontro numa espécie de contraproducência no que tange a relação: produção teórica x resposta prática. Talvez, alguém mais próximo de mim, pense ser esta reflexão um tanto dura, contudo, temo que mesmo numa jornada singela, iniciada a muito tempo, não tenha saído ainda de minha "zona de conforto".

Desta forma, resolvi - para usar um termo de Edwards - aplainar verticalidade e horizontalidade, não porduzir uma em detrimento da outra. Resolvi ser "relevante" de fato, como creio serem relevantes as pessoas que buscam esta postura. Quero produzir uma teologia ortodoxa que tenha o aroma de minha geração, a originalidade que requer o momento. Tal postura sempre esteve em meu coração, e, de fato, eu pensava vivê-la, mas, se a vivi, não foi com a intesidade com a qual quero ser lembrado.

Portanto, enquanto estiver em mim, quero me instrumentalizar na ambição de produzir e/ou executar uma teologia que dirima a quantidade de "bichos" a semelhança do percebido por Bandeira no texto supra. Quero ser uma resposta "real" a necessidade aguda de uma sociedade materialista que não sabe a diferença entre dignidade e miserabilidade, ou que se sabe, simplesmente não se importa.

Quero lutar para não sentir esta mesma morbidez da próxima vez que vir uma foto como a que estampa este texto. Quero ser de fato sal e luz. Quero ser uma resposta. Quero ser relevante. Quero contribuir com tudo o que sou para o fim de tanto sofrimento.

Oh Senhor! Ajuda-me, ele não é um bicho, é um homem!!! Que mundo é esse? 

 

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