quarta-feira, 17 de março de 2010

PERSPECTIVAS DO CULTO AFRO-BRASILEIRO


Não é nosso interesse comentar toda riqueza cultural do culto Afro-Brasileiro, uma vez que, seria praticamente impossível. Mas, como temos recebido dicas para escrever sobre o assunto, resolvemos tratar de pelo menos uma única “nação tribal”, por entendermos, que é a etnia que mais contribuiu, dentre as várias que se somaram, para formação do culto afro tal como o conhecemos nos dias de hoje. Por causa de sua imensidão e tendo em vista a pobre divisão do continente africano baseada (apenas no papel) em “raças” e “áreas culturais”, as quais são deveras insuficientes (como os conflitos tem demonstrado), achamos por bem nos determos numa única região geopolítica, a chamada África Ocidental, e nesta, trataremos do maior tronco tribal do continente, os Yorubas. Foram justamente os Yorubas que mais contribuíram, tendo em vista suas características, para formação do rito afro-brasileiro como o temos hoje.

Os cultos de origem afro surgiram no Brasil por volta de 1850. As origens federativas destes cultos são diversas, não se podendo detectar tamanha profusão sincrética. Para os historiadores da religião, este apêndice não possui maiores relevâncias, uma vez que, independentemente de seus países de origem, tais cultos apresentam em sua multiformidade nuances autenticamente “africanas”, as quais variam desde as exóticas possessões pelos orixás até as famosas danças extáticas dos terreiros. Por causa de tamanha elasticidade cultural, a cada nova região política, levando-se em consideração as proporções continentais que compreendem o Brasil, o culto afro recebe uma nomenclatura diferente. No Nordeste, por exemplo, o culto é chamado de Candomblé. Este rito tem por base a anima (alma) da natureza, sendo portanto chamada de anímica, fora desenvolvida no Brasil com o conhecimento dos sacerdotes africanos que foram escravizados e trazidos da África para o Brasil, juntamente com seus Orixás, sua cultura, e seu idioma. No Sudeste temos a Macumba. E por fim, sendo a mais popular, a Umbanda oriunda do Rio de Janeiro, a partir de meados de 1925 á 1930.

Estas práticas religiosas, a princípio veementemente proibidas no Brasil, hoje representam uma fatia considerável da vida religiosa do nosso povo. Isso se deve principalmente ao fato de que com a abolição dos escravos, os negros (seres humanos duramente humilhados pelo seu semelhante) obtiveram uma maior liberdade (há controvérsias) para aperfeiçoarem a adoração laica que até então era peremptoriamente secreta (esta oriunda de seus respectivos países de origem), tendo em vista a iminência de possíveis (sempre presentes) maus-tratos por parte de seus “senhores cristãos”. Por causa desta pseudo-liberade a proliferação do culto-afro ganhou as raias do país há uma velocidade vertiginosa e em menos de um século já despontava fulgurante como uma das religiões que mais cresciam nas terras de Santa Cruz. Some-se a isso, o fato da religião ter se tornado semi-independente em regiões diferentes do país. Esta parcela de liberade foi fundamental para o fortalecimento étnico do culto-afro, uma vez que, os escravizados do Brasil pertenciam a diversos grupos étnicos diferentes, como os yoruba, os ewe, os fon, e os bantu. Entre esses grupos étnicos diferentes evoluíram diversas "divisões" ou nações, as quais se distinguiam entre si principalmente pelo conjunto de divindades veneradas. Fato que não só multiplicou a presença afro no Brasil, como também contribuiu indelevelmente para disseminação de sua cultura religiosa, se bem que, em algumas regiões (tendo em vista as distâncias), com características bastante diferentes, todavia, não deixando de serem siamesas culturalmente.

Étnicamente um grupo em especial se destacou quando da proliferação do culto-afro no Brasil, o grupo dos yorubas. Foram estes que mais contribuiram para a religião em destaque (afro-brasileira) conforme a conhecemos. O rito dos yorubas entre os africanos é provavelmente o que possui maior número de adeptos (cerca de 15 milhões). Dai um dos motivos para sua épica propagação no Brasil (a quantidade de seguidores). Uma vez conhecedores do grupo étnico que mais contribui para propagação deste rito, passaremos, então, ao estudo de suas práticas, pois, elas nos esclareceram o desenrolar destes ritos. Segundo Mircea Eliade, ainda neste século, a coletividade yoruba era dominada por uma confraria secreta que nomeava o mais alto representante do poder público, “o rei”. Antes de sua nomeação, o rei de nada sabia, pois não era membro da confraria dos Ogbonis.

Ainda segundo Eliade, particiapr deste círculo fechado (confraria) significava falar uma língua inteligível aos profanos e praticar formas de arte hierática e monumental inacessíveis aos demais yorubas. O culto dos yorubas até hoje continua um mistério. Sabe-se, porém, que no centro encontra-se Onila, deusa mãe do ile, que é o “mundo no estado caótico”, antes de organiza-se. O ile opõe-se, por um lado, ao orum, que é o céu enquanto princípio organizado, e, por outro, ao aye o mundo habitado proveniente da ação do orum no ile. Enquanto todos conhecem os aspectos assumidos pelos habitantes do orum, dos orixás que são objeto de cultos exotéricos, e do deus otiosus Olorum, que não é cultuado, a presença do ile na vida dos yorubas é sempre misteriosa e carregada do inquietante subterfúgio da ambivalência feminina. Desta ambiguidade temos, a princípio a deusa Yemanjá que é fecundada pelo próprio filho Orungã, e cujos produtos do incesto constituem grande número de deuses e espíritos. Yemanjá é a mestra das feiticeiras yorubas, que a tomaram por modelo dado o desenrolar excepcional e atormentado de sua vida.

Há ainda uma outra situação, cuja feiticeira chama-se Vênus Yoruba, Oshum, protagonista de todos os divórcios e escândalos. Nesse corolário temos ainda Obatalá, o deus criador para os yorubas, é justamente com ele que Orum enviou para o aiyê o deus dos oráculos, ou seja, a capacidade de se adivinhar, conforme vemos praticamente em todos os ritos afros. Ato contínuo, outro orixá importante nesta cadeia yoruba é o Exu. Este têm por função provocar o riso, e por outro, a trapaça. E por fim, tem-se o padroeiro dos ferreiros yorubas, o deus guerreiro Ogum.

Para os yorubas, ancestrais diretos de boa parte dos ritos afro-brasileiros, na morte do homem as partes componentes do seu corpo retornam para os orixás que as redistribuem pelos “recém-nascidos” (fato que explica a crença das manifestações singulares, “em nome de”). Há, porém, componentes imortais, pois os espíritos podem voltar para terra e tomar posse, conforme sua vontade, de um dançarino Egungum (fato que explica a manifestação de entidades em terreiros e mesas), e estes, têm como função, transmitir as mensagens dos mortos para os vivos.

Uma vez compreendido o aparato histórico, não me deterei nas diversas relações entre a cultura afro e o culto brasileiro. Tão pouco vou procurar pontes culturais para uma possível comunicação. Mas, discorrerei por uma humilde e por hora única perspectiva.

Sendo assim, através desta premissa, temos um vislumbre de como é grande a necessidade espiritual por parte das pessoas que abraçam estas doutrinas, estes ritos. Observe, que para os adeptos destas religiões de reminiscências afro, Obatalá seu deus criador, não itervém de maneira pessoal na vida de seus adoradores (deus otiosus), mas, apenas lhes envia um “espírito de adivinhação” o qual lhes capacita a burlarem as situações difíceis da vida. Enquanto que sua esposa Onila, deusa mãe do caos, da desorganização e do amorfo, que na cultura supra é conhecido como o ile, o mundo em seu estado caótico, luta contra o Orum, o princípio organizado, o céu. E trava batalha também contra o aiyê, o mundo habitado pelos vivos. Desta batalha espiritual concebida desde o topo da pirâmide dos seres espirituais que compõem a cúpula do panteão yoruba, cuja líder é Onila, surge através de incesto, duas peças principais não só na cultura nativa, mas, também na brasileira, em parte fruto desta cultura, são elas Yemanjá e Oshum. A primeira mestra das feiticeiras e a segunda rainha de todos os divórcios e escândalos.

Há! se ao menos nossos queridos irmãos yorubas ouvissem falar a respeito de um Criador Pessoal, Onipotente, Onipresente e Onisciente. Que não se retira de nossas vidas em momento algum, que se compadesse de nossas falhas e angústias e que está conosco todos os dias até que os céus se restaurem. Que diferença enorme faria para nossos corajosos yorubas, se eles soubessem que não existe nenhum tipo de contenda no caráter inabalável deste Deus que é perfeito em tudo que faz. Que nos enviou seu Filho Unigênito não para ser Rei sobre a discóridia, a intriga ou a confusão. Mas, para instaurar um tempo de paz e alegria, fundamentado no mais perfeito de todo os solos, o do coração. Que grande abismo existe entre um caráter inabalável e um declaradamente dúbio? Como pode-se viver nos abismos quando devería-se estar nos píncaros verdejantes?

Há cruciantes questionamentos! Não sois válidos em vós mesmos, porque, se estes fossem esclarecidos outrora, “não precisariam de pau-oco”, e eles mesmos, hoje, seriam preenchidos!

Louvo ao Senhor pelo fato de que mais e mais irmãos afrodescendentes têm descortinado diante de si o triste véu da ignorância espiritual e concorrido para o esclarecimento e libertação dos demais através do Evangelho Supracultural. Concordo com o amado Bispo Nordestino, “Nem toda manifestação cultural africana é tida como demoníaca, ou intressecamente relacionada a macumba. O preconceito etnocêntrico, a ignorância antropológica e a deplorável falta de intercâmbio com as igrejas concorrem para o fortalecimento desse erro de visão”.

A cada dia mais e mais afrodescendentes tornam-se cristãos, todavia, oro para que eles não tornem repugnante sua belíssima cultura, mas que apenas, como todos os demais, façam uma assepsia naquilo que não louva a Deus. Pois, ser cristocêntrico não impede a beleza das roupas, dos gostos, da alegria e da musicalidade. Em meu orgulho inflamado, vou até mais longe, e creio veementemente que se evangelizados por africanos, com certeza, os bombos e atabaques por aqui tocariam para Jesus.

Mas uma vez, citando o amado Bispo, se é estado laico, então, que sejam bem vindos os genuínos e apostólicos “Terreiros de Jesus”.

terça-feira, 2 de março de 2010

A RELEVÂNCIA DO CONTEXTO.


O contexto é importantíssimo para perfeita comunicação do Evangelho, pois, conforme oficializou o Relatório da Reunião de Consulta para Evangelização Mundial, ocorrido em 1978, na Cidade de Somerset Bridge, Bermudas, patrocinado pelo grupo de Teologia e Educação de Lausanne, se retirarmos o homem de seu meio cultural abruptamente, uma ruptura ocorrerá em seu meio social, fato que para os eruditos que elaboraram o relatório seria uma catástrofe, pois, conforme afirmam, homens e mulheres precisam de uma existência unificada. Sua participação em uma cultura é um dos fatores que lhes proporciona pertencer a algo. A cultura da um sentido de segurança, de identidade, de dignidade, de ser parte de um todo maior e de partilhar a vida de gerações anteriores e também das expectativas da sociedade com respeito ao seu próprio futuro. Se privarmos o homem desta experiência prática, nem todo conhecimento do mundo o fará pertencer a algo novamente, pois, segundo uma das mais confiáveis teorias sobre a inteligência humana de que se tem notícia (inteligência multifocal), o conhecimento humano jamais é deletado e reescrito, e sim, reeditado.

Esta premissa aponta para a questão de que não funciona comunicar o “erro” (pecado em nosso caso) a partir da perspectiva cultural do comunicador da mensagem (missionário que se coloca numa posição de superioridade), mas, a partir da cultura do próprio indivíduo (através de parâmetros contextualizados), fato que fará com que o mesmo (nativo), compreenda a dimensão do que está ocorrendo com ele de maneira pertinente e significativa, recebendo, assim, uma mensagem estritamente fundamentada, sem, no entanto, ter que diluí-la para isso. Nesse processo, a ortodoxia é estritamente preservada, nenhum tipo de pressuposto sincrético, ou mesmo liberal, tem parte no processo evangelístico, antes, a sólida teologia apostólica é comunicada axiomáticamente. A contextualização consiste de um compromisso com a perfeita comunicação e não num desapego a genuína evangelização, este preceito, é sempre apodítico.

Com base nisso, um dos textos sagrados que fundamentam muito bem esta premissa é encontrado no Evangelho de João, capítulo 7, versículos de 37 a 44.

Trata-se, resumidamente, da passagem de Jesus em Jerusalém por volta da comemoração de uma das três festas mais importantes para todo judeu, A Festa dos Tabernáculos. Conforme lemos, decorria-se o último dia da festa, deveras, o mais importante, pois, necessariamente neste dia, numa tradição que permeava as raias culturais em tela desde tempos outros, cada cidadão, num cortejo devidamente orquestrado, empunhava ramos de oliveira nas mãos, ao mesmo tempo em que orava por sete vezes ao redor do Altar das Ofertas Queimadas. Todavia, culturalmente falando, o fato que nos chama atenção é que durante os dias que antecediam este em questão, um sacerdote trazia um pouco de água em um vaso de ouro, água esta que, por sua vez, havia sido tirada do Tanque Siloé. Assim, sendo acompanhado pelo cortejo supra, o sacerdote seguia até o Templo, onde, diante do Altar, despejava a água, juntamente com vinho, ao mesmo tempo em que toda cerimônia era regada ao som da Halel (Salmos 113-118).

Para o devoto judeu, esta metódica cerimônia simbolizava, ou melhor, comemorava a provisão de água, fomentada por Deus, quando outrora, a rocha fora ferida por Moisés. Ato contínuo, também tinha como alvo buscar a benesse de Deus em favor de um ano bem servido por chuvas caudalosas, que, providencialmente, contribuiriam para um ano de colheitas fartas.

Ora, não é de admirar que neste contexto um pouco de água detivesse tamanho poder sobe as atenções do povo, pois, em se tratando de reservas hídricas, estamos falando de uma das regiões mais áridas do mundo. Depreende-se, desta nuance geográfica, que a água possuía um valor importantíssimo na vida dos judeus, e que, a simples menção há um ano desprovido sequer de poucos milímetros desta dádiva celeste, fomentava, obviamente, uma altercação no zelo de qualquer destes.

Sabendo disto, conforme percebemos, Jesus, sempre poderoso em palavras, numa profícua demonstração da importância do contexto para comunicação do Evangelho,talvez, procurando uma posição que o destacasse da multidão, gritava : “Se alguém tem sede, venha a mim e beba!”. Que mensagem! Isto sim é o que chamo de comunicar na linguagem do povo! Ora, todo aquele rito girava em torno do aprovisionamento de água, pois, conforme o povo compreedia ela era a "Fonte da Vida". Assim, através desta ponte cultural, Jesus, categoricamente afirmava: Eu Sou a fonte da Vida!

Pertinência, significância, esclarecimento, que mais poderia eu acrescentar a tão breves palavras que até hoje ressoam tão poderosamente. A verdade é que as pessoas procuravam suprir suas necessidades através de uma adoração vazia, pelo viés de uma cerimônia que exalava tradição por seus poros, mas, que não as conduzia ao encontro daquele que controla não só a chuva, mas, o Rio da Vida. Jesus demonstrava ao povo que eles não precisavam se desesperar, rasgar as vestes, chorar as cargas, ao simples fato de um tropeço do sacerdote que, inevitavelmente, derramava um pouco daquela riqueza tão cara e rara em suas debilidades. Ele dizia, em palavras assimiláveis, quem tiver sede, venha a mim e beba! Eu posso, dizia, agora mesmo, lhes transmitir a vida que a água vos transmite, e não apenas isso, mas, lhes proporcionar um advento de vida tal, que de seus ventres, fluirão rios de água da vida (V38).

Perceba, toda aquela multidão, implorando a plenos pulmões, hosana, hosana, hosana, tão somente procurando o auxílio do Deus Todo Poderoso, dizendo: Ó Senhor ajuda-nos! E Jesus, em resposta ao clamor do povo, respondendo de maneira que todo judeu (literalmente, pois, se tratava de santa convocação) lhe compreenderia prontamente, salvíficamente. Pois, em maior medida, a mensagem de Cristo lhes impulsionava não apenas a um novo direcionamento hídrico, mas, sobretudo, a uma novidade de vida que extrapolava a da simples água mineral, e saciava-os pela espiritual.

A profusão de um único rio talvez já bastasse, entretanto, Ele usa rios (plural), o que subtende o abastecer não só de uma única vida em especial, mas, de quem estiver disposto a recebê-lo.

Logicamente, conforme citado no verso (39), Jesus falava-lhes simbolicamente em referência ao Espírito Santo que haveria de receber todo aquele que n’Ele cresse. Mas, que não poderia ainda ser concedido, uma vez que, o próprio Jesus ainda não tinha sido glorificado, fato que inegavelmente apontava para o “derramar” do Espírito Santo, que ocorrera, posteriormente, no Pentecostes. O fato, é que este derramar, outrora prometido, hoje, é uma realidade “perene”, e disponível a todo aquele que, com sede, luta por suprir a cruciante necessidade da manutenção da vida, e esta, física e espiritual.

Hodiernamente, conforme bem dizia Dostoievski, as pessoas estão sim preocupadas em suprir suas necessidades, todavia, a semelhança dos antigos judeus, através de práticas que jamais conseguirão, pois, nas palavras do célebre escritor russo:

DENTRO DE CADA HOMEM EXSITE UM VAZIO DO TAMANHO DE DEUS.

Enfim, o que jesus estava procurando dizer era:

Preencha-se!