sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A RELEVÂNCIA CULTURAL DO CALVINISMO HOLANDÊS NA AMÉRICA

Indubitável a indelével participação de João Calvino para formação dos estados americanos e para o conseqüente surgimento do estado de direito, diga-se, Neo-Liberal que encontramos hodiernamente por estas paragens. Nesta perspectiva estaremos analisando uma variação do calvinismo que teve gérmen na mais perfeita escola de Cristo – para utilizar um termo do John Knox – mais que possui sua gênese também neste. Trata-se, portanto, do calvinismo produzido nos países baixos, mas precisamente na Holanda.
Os escritos de Calvino chegaram a Amsterdã e demais cidades holandesas por vezes do contrabando que, a revelia das auspiciosas barreiras impostas pela inquisição, não conseguiram parar seu fluxo para esta região do globo. O maior número de escritos e da conseqüente teologia esboçada por Calvino desembocava nesta região nas malas e nas mentes de estudantes de teologia hávidos por uma transformação que viesse a colmatar os espaços hora deixados pela então esquálida religião católica.
Alhures a falta de estrutura que tais estudantes possuíam, em bem pouco tempo o calvinismo se espalhou por toda Holanda como que um rastro de pólvora. Se podia ver sermões de orientação calvinista em praticamente todas as igrejas sérias da Holanda, algo que naquela época traria como rastro conseqüências peculiares tendo em vista tamanha perseguição por parte da igreja católica que, inconformada com o espaço perdido em tais regiões e, tendo em vista a questão estratégica que a Holanda possuía para expansão de seus interesses, procurava combater de todas as formas tal propagação. Todavia, sem produzir, in loquo, tal atuação.
Eram comuns em centros públicos holandeses o encontrar de huguenotes – reformados franceses – e de homens da estirpe do compositor Datheus e de teólogos como Bogerman, este último famoso por sua atuação no Sínodo de Dort. Mesmo sendo precedido por luteranismo, zwinglinismo e anabatismo fora o calvinismo quem ditou as regras do pensamento teológico holandês dos idos de 1500, isto por conta de seu espírito organizado e de sua notória devoção a liberdade política e espiritual, os quais o levaram inevitavelmente a uma posição de primazia.
O calvinismo propiciou o tipo de religião evangélica capaz de robustecer os nervos de um povo perseguido e caçado. Sua ênfase a soberania absoluta de Deus e a realização de sua vontade a todo custo, era exatamente o que esta terrível hora dos países baixos requeria.
Por conta de sua maciça atuação no combate por igualdade racial, a “Hervormed Kerk” se tornou a igreja estatal. E o calvinismo a região oficial dos países baixos. Como se sabe, este crescimento espiritual fora acompanhado por não menos proeminência material. No campo político este fora o apogeu dos países baixos, mas precisamente da Holanda. Após herdar um vasto império colonial outrora pertencente a portugueses e espanhóis, a Holanda veio a ser reconhecida como uma potência econômica e política.
Culturalmente falando a situação era excelente. No campo das artes tínhamos homens tais como Hals, Vermeer, Van Leeuwenhoek, Boerhaave e Swammerdam. Na filosofia, Espinoza; e no direito Hugo Grotius, conhecido como o pai do direito internacional. Foi justamente na primeira fase desta época dourada que o calvinismo holandês despontou fulgurante em solo americano.

FASE EXPANSIONISTA
            O veiculo utilizado pelos holandeses para dar vazão a sua saga expansionista fora a então conhecida Companhia Holandesa das Índias Orientais a qual fora criada para servir como uma espécie de concorrência para a Companhia das Índias de foro espanhol. Já em meados de 1609 holandeses eram vistos pontilhando solo americano por via dos rios, tais como o Hudson. O centro desta maciça atividade econômica era a então conhecida Nova Amsterdã que após a ocupação inglesa ficou conhecida como Nova Iorque, 1664. Embora a ambição dos holandeses fosse eminentemente comercial, inevitável era a participação da teologia calvinista em suas empreitadas, tendo em vista a grande proporção de adeptos que nesse período era suma maioria em terreno holandês.
            Para tanto, em 1623 era possível encontrar artigos nestes termos:
Dentro de seu território só será permitido cultuar segundo a verdadeira Religião Reformada... e através de uma boa vida cristã devem tentar atrair os índios e outras pessoas de coração obscurecido ao Reino de Deus e à sua Palavra, sem, contudo, cometer qualquer perseguição religiosa...”  
            O que se extrai de afirmações como estas é que os cultos eram produzidos e levados a termo por vezes reformadas, no entanto, na intimidade de suas casas, os americanos possuíam liberdade para seguiram outras facções teológicas tais como luteranos, católicos, anabatistas e puritanos ingleses.
            Após uma total participação leiga no ministério. O primeiro pregador ordenado na América fora Dominie Jonas Michaelius, da Universidade de Leiden, o qual já possuía experiência missionária e de capelania. O mesmo fundou a Igreja Reformada Holandesa e estabeleceu uma forma presbiteriana de governo eclesiástico.
            Como regras de condutas básicas o grupo adotou ipsis literis os três padrões doutrinários dos Cânones de Dort – a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Decretos de Dort. As igrejas holandesas americanas eram ligadas ao Presbitério de Amsterdã, um dos presbitérios do sínodo da Holanda do Norte.
            Ao contrário do ocorrido com os puritanos em sua colônia, que experimentaram um vasto crescimento populacional, provavelmente por conta da ênfase dada a pregação da Palavra, uma vez que os mesmos respiravam ares eminentemente espirituais. A colônia da Nova Holanda cresceu vagarosamente. Um dos problemas era a tensão existente entre a igreja e o estado. Por causa de sua orientação calvinista os holandeses procuravam fazer com que a igreja servisse como consciência do estado, enquanto que o estado deveria promover a verdadeira religião. Desta forma fora tamanha a intromissão da igreja nos negócios do estado.
            Um segundo problema fora a má distribuição dos colonos. Em meados de 1626 Nova Amsterdã contava apenas com 200 habitantes e, em 1628 com apenas 270. A população total de colonos americanos, os quais não ofereceram qualquer resistência aos holandeses, era de aproximadamente 8000 pessoas espalhadas por cerca de 33 cidades  e vilas. Tão pequeno crescimento demográfico era atribuído ao total comprometimento da colônia com o comércio e o contínuo medo de represálias por parte da maciça população indígena que, diga-se, era poderosamente hostil naquele período.
            Um terceiro problema para expansão da igreja reformada holandesa na America fora a crônica falta de pregadores. Do período compreendido entre 1631 e 1645 houve tão somente um único pregador residente, Dominie Bogardus. Em 1664 com a tomada da colônia pelos ingleses, havia treze igrejas com seis pastores, mas logo que tal fato ocorreu três destes retornaram para a Holanda, restando apenas três pregadores idosos com idades entre – 62, 70 e 72 anos – os quais ficaram responsáveis pelo cuidado espiritual das igrejas holandesas. Umas das principais razões desta carência era a dependência da Holanda para prover pastores e para treinar e ordenar candidatos ao ministério. Os ministros holandeses, com raríssimas exceções, não estavam muito desejosos de servirem em colônias americanas.
            Uma solução plausível para esta celeuma seria a criação de um presbitério americano. Como a prorposição política de tal empreitada mostrava-se difícil, a solução encontrada para tentar remediar aquela situação fora criar um Coetus (assembléia ou união) de anciãos e ministros que se reunisse periodicamente.
Para considerar, determinar, dar sentença e estabelecer todos os assuntos e dissensões que possam ocorrer, ou que sejam trazidos diante de nós para ação, pois estando (aqui) no país estamos em melhor posição para julgá-los e para detectá-los e suprimi-los logo no seu início
            A função precípua desse Coetius era a manutenção da ordem na igreja, muito embora a igreja da holandesa americana se mantivesse plenamente fiel ao presbitério da Holanda. Ao longo de sua história, o Coetus chegou a ordenar de 9 a 10 ministros e manteve a postura de lhes propiciar um treinamento doméstico com vistas ao ministério, através de cadeiras dispostas no King’s College ou Princeton, ou num seminário próprio.
            Os que não concordaram com o Coetus formaram o Conferentie – composto de elementos altamente conservadores e doutrinariamente orientados, homens que insistiam no uso exclusivo da língua holandesa para preservar a ortodoxia e que desejavam manter fortes laços com a igreja mãe. Com isso, a igreja veio a dividir-se em 1755 e só veio a reunificar-se em 1772.
            Um quarto problema fora a ameaça do estabelecimento do episcopado na colônia. Após a assunção inglesa em 1664, fato que fez com que Nova Amsterdã se torna-se Nova Iorque, os ingleses, conforme a Lei dos Duques, permitiram que os holandeses continuassem com sua própria religião,uma vez que os mesmos eram maioria na colônia. Contudo, após um lapso de pequena reconquista holandesa, os ingleses tornaram-se mais hostis a referida causa. Ademais, em 1686, a igreja episcopal propôs o Test Act, o qual exigia que toda pessoa da colônia fizesse menção juramental a coroa inglesa e recebesse conseqüentemente os sacramentos conforme os ritos da Igreja Anglicana, fato que suscitou a suspeita de se estar querendo estabelecer a Igreja Anglicana na colônia, motivo pelo qual os holandeses protestaram veementemente. Por isso receberam publicamente, com vistas a menos conflitos, liberdade para o funcionamento de sua religião, diga-se calvinista.
              Um quinto, e sem sombra de dúvida, mais poderoso problema era a ortodoxia morta e um declínio do fervor religioso. Além da avassaladora influencia da ciência e da filosofia, um intelectualismo formalista invadiu a igreja no final do século XVII e início do XVIII. O que fora sanado graças a uma onda de avivamento que balançol as estruturas da igreja nos idos de 1700. Tal avivamento acabou de vez com o sequitarismo imposto pela univocização da língua holandesa e atraiu um grande número de jovens de fala inglesa ao seio da igreja. Por causa do reavivamento, a igreja experimentou um crescimento que chegou a pelo menos um terço, desta forma, por volta da irrupção da revolução, as igrejas reformadas holandesas contavam com cem igrejas, quarenta e um ministros e setenta mil membros. Ela era a sétima maior denominação da America.
            Ainda assim, a postura outrora assumida pela igreja holandesa, e seu caráter isolacionista em muito contribui para um crescimento aquém do esperado, tanto no caráter religioso como na produção de um meio melhor para seus adeptos. A situação poderia ser resumida da seguinte forma:
Deve-se esperar que o longo período de isolamento étnico promovido pela manutenção da língua holandesa e pela dependência eclesiástica da Holanda tenha ajudado muito pouco a capacitar os holandeses reformados a progredirem na realização do ideal calvinista de Cristo transformando a cultura.
            Desta forma, por cerca de cento e oitenta anos a imigração de holandeses para a Inglaterra esteve paralisada, vindo e ser super aquecida no século XX, quando ocorreu o que passou a ser conhecida nos anais da história como Grande Migração. Entre os idos de 1840 e a irrupção da Guerra Civil, cerca de 20.000 novos holandeses chegaram a America. E após a guerra este número subiu para 55.000.
            Tempo depois, os reflexos da revolução francesa alardearam duramente, bem como o racionalismo, o humanismo e o misticismo; os quais abalaram fortemente a igreja em sua fé ortodoxa. Os calvinistas foram paulatinamente reduzidos ao que chamamos de “remanescente fiel” – que influenciados por pregadores que não se venderam no altar da crítica – encontravam-se em pequenos grupos de oração, num esforça colossal para manterem sua fé incólume.
            O principal acontecimento após este período negro da Igreja Reformada Holandesa da America só veio ocorrer nos idos de 1816. O Rei William I, recebido de volta do exílio, reorganizou a igreja estatal holandesa. Os sínodos, presbitérios e consistórios foram colocados sob a jurisdição do Ministério de Assuntos Internos. A igreja passara a ser dominada pelo estado. A reação a esta tomada de poder e a teologia liberal que a esta altura já colocava suas garras de fora foi a premente manifestação dos pregadores calvinistas sérios que se mantiveram fieis ao ditames da reforma e, acima de tudo, do próprio evangelho. A conseqüência foi a triste separação entre as igrejas calvinistas estatais e as calvinistas dissidentes. Após esta separação, a imigração holandesa a America experimentou mais um boom.

A IMIGRAÇÃO DEPOIS DA SEPARAÇÃO
            A secessão ou separação experimentada em 1834, fora seguida de um forte avivamento experimentado em Genebra. Reavivamento este que graças a estudantes e escritos reformados espalhou-se até a Holanda. Tal momento foi um período de fortalecimento da igreja da Holanda e de seus ideais. Em 1836 a igreja reformada da “velha Holanda” celebrou seu primeiro sínodo. Vindo a adotar os padrões doutrinários dos Cânones de Dort. Aqui, mais uma vez, houve uma grande migração.
            O movimento de migração era necessariamente uma recuperação do calvinismo teológico ou doutrinário. Conforme indicam um sem número de sermões oriundos desse período da história. Foi nesse momento que surgiu na historia da Holanda aquele que talvez tenha sido se maior teólogo, Abraham Kuyper.
            A maioria dos colonos da America, mais precisamente os de Michigan, filiou-se ao partido dos Democratas, um vez que, por estes era bem mais fácil de se conseguir a cidadania americana.
            Neste período as duas principais questões sociais que agitavam a America eram a proibição e a escravidão. No entanto, os holandeses da America, salvo raríssimas exceções, eram anti-proibicionistas. Com relação a escravidão, os reformados holandeses eram unânimes em que era um mal absoluto.
            Enquanto isso na Holanda a igreja havia se tornado terrivelmente liberal. Havia uma negação aberta da divindade de Cristo, de seus milagres, de sua expiação substitutiva, de sua ressurreição física e de sua morte. A igreja estatal perdera completamente o seu caráter doutrinário e ainda assim os interessados no ministério tinham de prometer “promover os interesses do Reindo de Deus”. Figurava indelével neste momento fora Abraham Kuyper, um verdadeiro gigante espiritual. Ele fora um excelente teólogo e um jornalista talentoso, vindo a ser Primeiro Ministro da Holanda, de 1901 a 1905. O ideal de Cristo como revitalizador da cultura o dominou e ele empreendeu a tarefa árdua de revitalizar o calvinismo. Como Kuyper não viu seus apelos de retorno a verdadeira fé reformada atendidos, deixou a igreja estatal e fundou a Doleantie, fato que ocasionou a segunda secessão da igreja reformada da Holanda.  A nova igreja dissidente passaria a se chamar De Nederduits Gereformeerds Kerken.

A IMIGRAÇÃO PÓS-DOLEANTIE
            “Não existe uma polegada da realidade da qual Cristo não diga: é minha”. Frase dita por Kuyper ao tomar posse como reitor da Universidade Livre de Amsterdã, a qual ela havia ajudado a fundar em 1882. Para Kuyper o cristão tinha a responsabilidade de entrar em todas as áreas da vida e reivindicar o senhorio de Cristo sobre elas. Ele procurava julgar o princípio que achava ser central nas Escrituras – a soberania de Deus.
            Sob a égide Abraham Kuyper na produção de teologia, após 1870 a imigração para America começou a renovar-se. A perseguição religiosa já não possuía tamanhos tentáculos, fato com que fez que o novo fator surgisse de causas eminentemente econômicas. Por conta da crise cerca de 53.000 pessoas deixaram a Holanda em direção a America. Fato que só foi mais uma vez experimentado após a Segunda Grande Guerra.
            Estas novas ondas de imigração trouxeram uma nova abordagem ao cristianismo, diga-se bastante salutar, propiciando ao mesmo não apenas um olhar soteriológico sobre o mundo, mas também um cosmológico. Um calvinismo mais integral que buscava reivindicar o Senhorio de Cristo sobre todas as áreas da vida. O calvinismo voltava a ser de fato uma força religiosa.
            O que se seguiu após este ressurgir do calvinismo foi um embate poderoso entre a antiga Igreja Reformada Holandesa e a nova Igreja Reformada Holandesa, ambas caldeando-se para formar a una Igreja Reformada Holandesa. A questão em volta desta aglutinação gerou novos embates teológicos e a questão ao que parece jamais se resolveu.
            Entretanto, deve ficar bastante claro, que a influência da última onda de calvinismo histórico oriunda da Holanda sob a égide de Abraham Kuyper sem sombra de dúvida ainda perdura sob os auspiciosos olhos intelectuais do evangelicalismo de então. Todo o denodo de devoção de Kuyper estão impressos nas mais sólidas instituições americanas e sem sombra de dúvida contribuíram para forjar o estado democrático americano de que temos ciência. Indubitável a participação das demais alas, contudo, seria ingenuidade de nossa parte colmatar a contribuição das duas igrejas holandesas reformadas anteriores e a última a ser trabalhada como faces idênticas da mesma moeda. A história esta ai para nos mostrar claramente que a America, bem como suas fortes e solidas instituições, devem muito a pena de João Calvino e a devoção de homens como Abraham Kuyper.
            Finalmente, é verdade dizer que a influência da Igreja Reformada Holandesa não se restringiu apenas ao solo norte americano. Absolutamente! É notório a poderosa influência que o calvinista de orientação alemã e cidadania holandesa João Maurício, Conde de Nassau, impingiu as Terras de Santa Cruz, mas precisamente a Capitania Real de Pernambuco.
            Tal assunto não é objeto de nossa atual pesquisa, conquanto, não poderíamos deixar de frisar a poderosa administração que este visionário implantou a este amado estado. Não há que se discutir o Pernambuco de antes e de depois da administração dos portugueses, e isto se levarmos em consideração apenas as benesses materiais, as quais, não hão que se comparar as espirituais. Algumas destas obras matérias, imbricadas a história do Recife, seriam:
Convocação da primeira assembléia para decretação da liberdade de culto.                                                                                                                                        Produção da primeira documentação das terras brasileiras. O mesmo documentou toda a paisagem, que retratavam animais, frutas da região.                       
Fez um jardim botânico, um zoológico e ainda ergueu um observatório astronômico.                                                                                                            
Drenou os pântanos, transformando-os em jardins à moda holandesa.           Construiu não um, mas dois palácios na cidade.                               
Construiu a primeira ponte das Américas. Foi feita em madeira e media 318 metros de comprimento. Um prodígio para engenharia do Século XII.  Abriu os portos, construiu um teatro, construiu escolas.                          
Foi ele que inventou a ecologia. Foi decretado por ele que era proibido derrubar cajueiros.                                                                                               
Remodelou e organizou Recife.
Sendo estas apena algumas das contribuições deste Conde reformado ao solo brasileiro. Destarte, é indubitável o caráter mercantilístico da empreitada holandesa no Brasil. Entretanto, é verdade dizer que aquele momento da história era comum, infelizmente, a exploração de terras erroneamente tidas como dominadas – desapropriadas –, contudo, mesmo quase cinco séculos depois, não tem sido essa a política das grandes potências mundiais de orientação reformada/evangélica?

sábado, 19 de novembro de 2011

O SIGNIFICADO DE ALIANÇA E SUA RELEVÂNCIA FENOMENOLÓGICA

Em todas as culturas se tem um entendimento, ainda que tácito, do que venha a significar uma aliança. In illo tempore povos de ascendência nômade demarcavam sua linha de circunscrição a partir de elementos que acreditavam sagrados e apercebidos da realidade advinda destas hierofanias organizavam um espaço que até bem pouco tempo era desprovido de sentido, amorfo.


Com vistas ao aperfeiçoamento deste espaço agora organizado – cosmos – os povos que viveram esta experiência no illud tempus, na iminência de aplacar a ira de possíveis espíritos anteriores a esta organização, os quais se mostravam irados com o novo status quo alcançado pela presença do item sagrado – um totem, um poste sagrado, uma tenda mística, um altar de holocaustos – impingiam as mais variadas formas de castigo aos povos que abitavam seus respectivos “domínios”. Destarte, fora a tentativa de apaziguar estes espíritos que dominavam o espaço habitado por estas tribos que fomentaram a necessidade de “alianças”.

A questão era basicamente esta. Os seres míticos acreditavam que momentos de escassez, mortes por doenças diversas, supremacia de povos/tribos inimigas, catástrofes naturais e coisas do tipo eram produtos da excentricidade dos deuses. Por vezes, na falta de uma maior devoção por parte destes povos (?) os deuses permitiam tais coisas na iminência de fazer com que tais povos lhes conferissem a atenção devida outrora negligenciada – fato típico da mitologia grega.

Com base no exposto é que entendemos ter surgido no seio da humanidade o conceito de alianças conforme depreendemos hoje. Com vistas a dirimir o máximo possível a sempre instável “longanimidade” dos deuses, os povos comumente antecipavam os momentos de calamidades com ritos de adoração que ambicionavam antecipar a sempre presente “cólera” dos mesmos. Desta forma, periodicamente estes povos – na pessoa de seus respectivos xamãs – firmavam compromissos de antecipada devoção – alianças – com seus respectivos deuses. A tônica de tais ritos de adoração era basicamente esta: eles se comprometiam a não negligenciar suas responsabilidades enquanto dominados, desde que os deuses cumprissem com suas responsabilidades de mantenedores da ordem necessária a vida da comunidade na qualidade de dominadores. A questão era simples; os povos faziam compromisso de manterem tenra devoção aos deuses que supostamente os dominavam e com isso se eximiam de amargar as intempéries provocadas pelos mesmos.

Tal tentativa de convívio mútuo envolvendo adoradores e adorados seria uma fórmula certa para o sucesso. Contudo, não é assim que percebemos tal convívio. São inúmeros os casos de catástrofes naturais e massacres de povos inteiros ao longo da história das civilizações. Fatos que nos impõem a obrigação intelectual de nos perguntarmos: em que sentido estes povos que se fizerem tão subservientes em relação aos seus deuses erraram? Porque estes deuses sendo tão apetecidos de adoração não cumpriram com sua parte no acordo firmado por meio das alianças? Simples!

A aliança só possui valor metafísico se partir dos deuses em relação aos homens e nunca se partir dos homens em relação aos deuses.

Sendo assim, onde encontrarmos uma aliança que tenha valor verdadeiramente sagrado? Onde encontrar em meio à história da humanidade uma aliança que possua de fato e de direito a aquiescência de um ser superior?

Ora, o único exemplo de uma aliança com estas características encontramos tão somente no que conhecemos por CRISTIANISMO.

Apenas no cristianismo a aliança parte de Deus em relação ao homem e não do contrário. Aqui é Deus quem cria o homem e o estabelece em seus domínios, fomentando-lhe o essencial a preservação da vida e com Ele firmando uma aliança. Interessante notar que nesta aliança todo o interesse é de Deus em manter o homem na sua presença livrando-lhe com isso de todo o tipo de mal que por ventura lhe pudesse ocorrer. Não há na história da raça humana Deus qualquer que se submeta a satisfação de sua criação sem que com isso a dignidade da mesma venha a ser depreciada. Nesta economia Deus é glorificado por sua suficiência e o homem é preservado pela suprema misericórdia de Deus.

Interessante ainda é perceber que alhures a crassa rebeldia do homem em não reconhecer a misericórdia de Deus e contra ela romper com Ele os laços ora firmados por meio da desobediência (vide Gn 3.1-17), Deus ainda assim prova o seu amor despretensioso para com o homem punindo-lhe com justa medida sua insensatez, mais ao mesmo tempo firmando com Ele um compromisso de restauração que daria sentido ao que chamamos de história da humanidade (Gn 3.15).

Não é objeto “deste” discorrer sobre a sucessão de alianças que O Ser Todo Poderoso firmou com sua criatura. Entretanto, se faz necessário frisar que tal iniciativa da Pessoa Divina em tudo denota a verdade de que é Deus quem encontra o homem e transforma-lhe a vida. Apenas a aliança vindicada na perspectiva cristã produziu resultados positivos para humanidade. Dado seu caráter sagrado por ter origem imanente.

A verdadeira aliança é a que parte Deus.

“Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” Hb 8.10

O homem por suas próprias forças jamais conseguiria uma aliança com um Deus grandioso assim. Por isso coube ao mesmo agraciar ao homem com sua maravilhosa presença.

A relevância desta aliança aponta para o fato de que sendo Deus o autor e consumador do contato com o homem, este se vê livre pela palavra de um ser que não pode mentir da mais variadas agrúrias que um reles mortal estaria sujeito. Aqui não é o homem que se vê as voltas para livrar-se da excentricidade de um deus, e sim um Deus que promete para sua própria satisfação que protegeria o homem mesmo que esse não merecesse. Esta postura sui generis do Deus de Israel causa uma “dobra” no estudo da fenomenologia da religião por que rompe com o encontrado em todas as demais culturas e desta forma faz com o que o cristianismo seja um divisor de águas no que tange ao estudo das religiões.

O que se percebe a partir da leitura da Bíblia Sagrada – livro que vindica autoridade sobrenatural no cristianismo – é que Deus procura fazer com que o homem perceba que a finalidade precípua da aliança ora aventada não é necessariamente a proteção/satisfação do homem, e sim, a manifestação da Glória de Deus.

“Para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas”. Isaías 45:6-7

“Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade”. Isaías 46:9-10

Deus está fazendo a sua vontade, executando o seu projeto! Não há que se aventar submissão de IHWH ao homem que é sua criação, mas sim a completa misericórdia do mesmo em permitir a sobrevivência do homem em sua presença sem que a percepção do mesmo altere em nada a magnitude de seu Ser. Percebesse que o sucesso da aliança consiste na manutenção da glória de Deus que; sendo perfeito em todos os seus atributos confere ao homem a graça de permanecer em sua presença, sendo a sobrevivência e proteção do mesmo consequências acessórias ao projeto de Deus e nunca o seu fim.

Portanto, depreende-se que a aliança que Deus firmou com o homem consiste no fato de que a satisfação de Deus na glorificação do seu Ser empresta ao homem a prerrogativa de existir. Não há motivo para existência do homem a distrito da magnificação do ser absoluto de Deus. O que nos infere logicamente que a preservação da raça humana não é o fim último da aliança que Deus firmou com a mesma, e sim, condição mínima de execução de seu projeto que é a manifestação de sua glória sempiterna a seres que foram criados propositalmente com a capacidade de contemplá-la.

Em suma:

“Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” 2 Coríntios 4.6