quinta-feira, 28 de julho de 2011

MORRE O PASTOR JOHN STOTT, UM SERVO DE DEUS

Um dos maiores expositores bíblicos do século XX. Assim definiria John Robert Walmsley Stott (27 de Abril de 1921 - 27 de Julho de 2011), este corifeu da fé  morreu aos 90 anos, vítima de complicações de saúde se agravaram nas últimas semanas de sua vida.

Com uma mente hábil e uma pena que poucas vezes ao ano não espalhava letras poderosas sobre nossas mentes, John Stott, ao longo de sua vida profícua, escreveu nada menos que cerca de 50 livros, dos quais, Cristianismo Básico foi o mais conhecido; vindo a ser traduzido para mais de 60 países, chegando a vender pelo menos 2 milhões de cópias.

Stott era o pastor emérito da All Souls Church, desde 1945, mesmo ano de sua ordenação, vindo a aposentar-se com todo o vigor intelectual em meados de 2007 - pastoreando a mesma igreja por toda a sua vida.

Símbolo de dileta erudição e estimada humildade, Stott era um daqueles "Homens de Deus" que encantava com sua singeleza e ousadia. Não é a toa que homens como Mauro Meister, ao discorrer sobre o mesmo, asseverou "Lembro-me de ter vertido lágrimas diante da clareza, simplicidade e autoridade com que (Stott) expôs a Escritura". Sobre seu grande amigo, Billy Graham, dicorreu "Eu perdi um de meus amigos pessoais e assessores. Estou ansioso para vê-lo novamente quando eu for para o céu" Da mesma forma, o reverendo Renato Vargens, ao pronunciar-se sobre a morte de Stott, nos descreveu nitidamente o que sentia pelo emérito escritor, "Particularmente eu devo muito a este grande homem de Deus. Seus livros contribuiram significativamente para a minha formação teológica". Um dos seus maiores amigos no Brasil, o Bispo Anglicando Dom Robinson Cavalcante (ose), ao referir-se a Stott no sítio da Igreja Anglicana do Brasil disse: "Como expositor bíblico ele era fantástico". 

Particularmente, fui providencialmente influenciado por John Stott, lembro-me de quão importante foi para minha vida a leitura de Ouça o Espírito, ouça o mundo e a Cruz de Cristo. Dias bons, em que me sentava preguiçosamente e "gastava tempo" com estes escritos, virando sua páginas sem muita pressa - isto foi no ano que antecedeu minha ida ao seminário.

O Pr. John, desde então, tornou-se, naturalmente, um referencial para mim! Dessarte, foi com alegria que tomei conhecimento que este homem de Deus morreu em tenra idade, cercado por seus melhores amigos, lendo as Sagradas Escrituras e ouvindo O Messias, de Handel. 

Portanto, pela doce contribuição de Stott para manifestação do conhecimento de Cristo sobre a face da terra, e pelo  legado alvissareiro com que este servo de Deus será lembrado[...] faço minhas as palavras de Davi, "não sabeis que, hoje, caiu em Israel um príncipe e um grande homem?" II Sm 3.38b.

Para glória de Deus, sinto-me honrado, por ter pertencido a geração de homens como o Pr. John Stott.

Que possamos nos encontrar no céu, amém!

terça-feira, 19 de julho de 2011

A MEDIAÇÃO CULTURAL COMO LOCUS METODOLÓGICO

Há algum tempo (eu) não era, de fato, persuadido por um livro que trata-se de teologia (pura). Não que os escritos não fossem excelentes, eles eram. No entanto, sempre me via entrementes a uma leitura, no mínimo, redundante. Todos sabemos que diuturnamente livros de "teologia sistemática" fluem aos borbotões nos prelos das editoras. Não obstante, os mesmos brotarem maiêuticos, regados a idéias originais e temas "relevantes", a tônica, sinceramente, é repetitiva.

Dias atrás, revirando alguns escritos que constavam na minha "insistente" lista de leitura, deparei-me, não euforicamente, com mais uma sistemática. Como o alfarrábio tinha surgido como presente de um amigo por demais estimado, resolvi, folheá-lo. Tratava-se da "Teologia Sistemática no Horizonte Pós-Moderno", um novo lugar para a linguagem teológica. O autor, Alessandro Rocha, o meio Editora Vida.

Sendo assim, amiúde tantos "só menos", imaginem qual não foi minha surpresa ao me deparar, ainda na introdução, com um pensamento desta natureza, "... a teologia sistemática manualística vive um momento de esgotamento de sentido, em que a fé cristã se restringe a repetição dogmática de reflexões histórico-sociais do passado, vimos a necessidade de abordar criticamente a "gestação" dos métodos e situá-los como construtos sociais". Resultado, enfim uma leitura sitemático/teológica sobejamente original - que benção, havia ganhado um livro genial!

Desta forma, em se considerando a proposta deste espaço, compartilho um trecho do livro, em que o Reverendo Alessandro discorre sobre "A mediação cultural como locus metodológico". Mas, o que vem a ser isto?

Alessandro pressupõe que em se tratando de cognoscibilidade a fórmula que sobresta experimentalmente nossa apreensão mística seria: Experiência de Fé --> Mediação Cultural --> Discurso Sistemático. Destarte, uma vez dirimida a fórmula, a "Mediação Cultural" - que é a parte que nos interessa - seria o meio inteligível em que aquilo que está no campo das idéias (metafísico/lógico) a "Experiência de Fé" seria posto de maneira cognoscível, através de símbolos conhecidos (sistema linguístico), fazendo com que tal experiência - sendo depreendida pelo receptor e posteriormente repassada - se tornasse um "Discurso Sistemático" (oragnizado culturalmente).

Ademais, sem a mediação cultural seria inevitável uma "polarização entre experiência de fé e discurso sistemático, uma incomunicabilidade que inviabilizaria qualquer discurso minimamente relevante. Sem mediação cultural, a experiência da fé não transmitiria nenhum sentido existencial, e o discurso sistemático não passaria de peça literária cristalizada". Sendo esta, portanto, a relevância contextual da mediação cultural.

Indubitável a importância da elaboração de um método de acesso a experiência da fé, para apropriação do discurso sitemático/teológico. Seria este o zênite do pensamento de Alessandro Rocha. Em sua palavras, "a mediação cultural é a parteira que arranca das entranhas da experiência da fé aquilo que virá a ser discurso sistemático". Percebam, que tal mediação não pode ser outra, se não, nossa própria língua local. Em nosso caso, a "última flor do lácio". Ademais, a língua, com toda sua relevância cultural, fulcrada na imarcessível característica supracultural do evangelho; funciona como uma espécie de chave hermenêutica para compreensão da experiência da fé, ou seja, para comunicação do evangelho de maneira contextualizada.

O autor, chama atenção para o fato de que a comunicação não pode ser relegada a segundo plano, uma vez que a mesma resume o que seria compreendido inteligivelmente por pessoa - homem/mulher - apontando para sua concretude, enquanto ser (figura epistemológica). Segundo Alessandro, "o grande desafio que se propoẽ à teologia e ao discurso que a quer comunicar é o de anunciar a homens e mulheres concretos, não à humanidade como categoria universal e genérica, aquilo que se mostra de forma hierofânica e indizível". Ainda segundo Rocha, no que tange ao discurso teológico, "o desafio não consiste apenas em comunicar esse fato (incogniscível), o que já seria complexo, mas comunicá-lo na dimensão do horizonte existencial daquele e daquela que constituem sujeitos históricos desse processo, dos que habitam um mundo particular".

Por tudo isso, a contextualização é de fundamental importância, uma vez que ela coloca em termos perceptíveis e concretos - culturalmente falando - uma verdade até então completamente desconhecida. Nas palavras de Libânio, "a comunidade na pessoa do teólogo (comunicador) cria a teologia, e a teologia, por sua vez, cria a comunidade com sua linguagem".

Portanto, conforme o autor, "pode-se afirmar que é no espaço da mediação cultural que os métodos são criados - andaimes ou pontes que possibilitam falar o indizível da experiência da fé para atender ao imperativo da necessidade/desafio que dela se deriva". Assim, é pacífico o entendimento que estabelece a contextualização bíblica como fundamental para perfeita comunicação do evangelho. No caso em questão, a sentença utilizada para rememorar a conotação da mesma foi "Meio Cultural", contudo, nada que desabone as caracteríticas fundamentais do ditame - absolutamente.

Finalmente, como mencionei à princípio, me encontrei felizmente surpreendido com a relevância da pena do Reverendo Alessandro Rocha. Se bem que o âmago do texto é uma crítica a maneira cristalizada com que pensamos/fazemos teologia com arrimo na cultura helênica clássica - fato que nos impede aprioristicamente de pensarmos nossa própria teologia pelos motivos exposados no texto - recomendo a leitura do mesmo como farol que nos ilumina a uma crítica sóbria no que tange a necessidade premente de "um novo lugar para a linguagem teológica".

Em se tratando da relevância dos aspectos contextuais e fenomenológicos para comunicação do evangelho, diria:

Enfim um "grande livro", fundado numa bela tese, relevante. Recomendo!


Rocha, Alessandro Rodrigues
Teologia Sistemática no horizonte pós-moderno: um novo lugar para a linguagem teológica - São Paulo: Editora Vida, 2007.   

domingo, 10 de julho de 2011

MINHAS IMPRESSÕES SOBRE JAMES O. FRASER

Acabei de ler o livro "Chuva na Montanha, uma nova biografia de James O. Fraser", cujo estilo desenvolto se atribui a pena de Eileen Crossman - filha de James -, o texto foi impresso no Brasil sob a égide da Missões Horizontes, 1999.

James O. Fraser é sem sombra de dúvida um marco indelével na história de missões. De compleição física forte e gentil presença, o jovem James aparentava ser apenas mais um jovem inglês que o mundo haveria de ver numa geração conhecida por somenos apatia espiritual. Ademais, em sua abastada infância de gérmen pós-aristocrática, James jamais cogitara a possibilidade de fazer de sua vida um farol que fulguraria a glória de Deus de maneira tão premente. Entretanto, após um profundo processo de entrega total a Deus, James, com apenas vinte e dois anos, deixou os regalados concertos de piano que tanto admiravam seus compatriotas ingleses e partiu numa missão além mar para o sudoeste da China.

Profundamente influenciado pelo brilhante missionário Hudson Taylor (Uma Vida pela China), James assentou em seu coração o desejo de desbravar a China até então intocada - mais precisamente a parte oeste. Quando chegou a China, o país que tanto queria ganhar para Cristo, o jovem missionário logo percebeu um povo que se destacava dentre os demais - os lisus do oeste, habitantes da luxuriosa província do Yunnan. Ato contínuo, com o coração hávido por subir as inóspitas e exóticas montanhas habitadas pelos lisus, James se comunicou com o então diretor da CIM (Missão para o Interior da China), o austero Sr. Hoste; pedindo ao mesmo permissão para iniciar sua intentona, pelo que recebeu tão gloriosa permissão.

Logo em uma de suas primeiras viagens, Fraser teve uma das mais traumáticas experiências de sua vida. Um Kachi, nativo que vive nas imediações do território dos lisus, de posse de um facão, tentou furtivamente matar o inexperiente desbravador inglês, vindo a persegui-lo por quase uma hora por entre as trilhas emperdenidas das montanhas sombrias do Yunnan. Se o Kachin tivesse logrado êxito em seu intento funesto, uma das empreitadas missionárias mais bem sucedidas de todos os tempos teria se frustrado ainda em gérmen. Contudo, por uma intervenção miraculosa de Deus este "contra-tempo" não veio a consumar-se; de modo que se iniciou um trabalho árduo que perduraria pelo restante da vida de James Fraser.

No que se refere a evangelização propriamente dita, o povo lisu era de difícil contextualização. Situações normais de pano de fundo ocidental eram inconsebíveis em território lisu, diga-se o "simples" uso de medicamentos de primeira necessidade, saneamento básico, noções de higiene pessoal etc. Tais medidas simples, na ótica de James, não se tratava de uma ocidentalização dos Lisus, mas, de um conjunto de melhorias que, grosso modo, acabaria com um índice terrível de mortalidade que grassava principalmente as crianças. Destarte, mesmo estas necessidades sendo prementes, não foram de pronto aventadas por James - era a vida eterna dos lisus que o preocupava.

Desta forma, de posse de um coração hávido por almas, se iniciou o trabalho próprio de desbravamento evangelístico da província de Yunnam. Todavia, não demorou muito para que as primeiras dificuldades viessem a acontecer. O povo lisu, absorto por séculos de engodo satânico - para usar as palavras de Fraser - pouco se importou com as novas do evangelho, vindo até a desdenhá-lo. Só com uma insistência quase que sobrenatural por parte do jovem missionário é que alguns nativos lisus vieram a dar ouvidos a mensagem da cruz. Entretanto, tão logo James viajava a outra vila, os jovens convertidos se viam, mais uma vez, envoltos nas trevas do engano. A inconsistência, a princípio, era a maior adversária de James.

Destarte, uma fato que chama atenção nesta profícua história de missões, foi a capacidade de contextualizar-se que james herdou de Hudson. O jovem se vestia, comia e vivia como um típico nativo lisu - em nada deixando a desejar. Outro ponto de suma importância, era o fato de que James jamais pagava por qualquer ajuda que recebia, visando, desde cedo, fomentar no neófito coração dos lisus uma perfeita motivação em relação a obra. Desta forma, regado a alguns legumes amargos, arroz cozido e uma vista exuberante, James percorria centenas de quilômetros por montanhas e vales inóspitos munido apenas de uma mochila e literatura para distribuir entre os lisus. Por pelos menos 9 anos, James se encontrou (quase) sozinho num dos locais mais ostis ao evangelho de então, sendo ajudado esporadicamente por missionários que cruzavam (providencialmente) seu caminho e por um grupo de oração que o mesmo incitou sua mãe a levantar na Inglaterra, justo por conta da tamanha solidão que o assaltava no campo.

Desta forma, após muitos anos de trabalho árduo e quase que sem frutos (aparentemente), quando já contava com 42 anos de idade, James conheceu aquela que dividiria com ele as benesses e as agrúrias do campo missionário - sua esposa Roxie. Foi ao seu lado que finalmente Fraser sentiu - que havia chovido na montanha - e que as moções advindas do céu, enfim, estavam chegando. Foi só após 20 anos que o Senhor permitiu que as redes fossem alçadas e o povo lisu fosse finalmente alcançado pela mensagem de Cristo. Nos conta a filha de Fraser que famílias inteiras se converteram naquilo que ficou marcado como um grande acontecimento na hitória de missões.

Não obstante, foram marcas indeléveis do ministério de James O. Fraser que até hoje influenciam poderosamente o trabalho de missões transculturais: trabalho auto-sustentado, aperfeiçoamento de liderança local, forte ensino teológico de base, pregação onde Cristo ainda não fora conhecido, e, acima de tudo, completa dependência da atuação do Espírito Santo. Como costumavam dizer seus amigos: James era 50 anos a frente de seu tempo.

James, que havia se tornado superintendente da CIM pouco antes de se casar com Roxie, veio a falecer de malária cerebral maligna a contar com cerca de 54 anos de idade; deixando mulher, duas filhas e um legado poderoso para todos quantos amam o Reino de Deus e sua justiça.

Recomendo a leitura de Chuva na Montanha.       

sábado, 2 de julho de 2011

AMY CARMICHAEL, UM EXEMPLO DE CONTEXTUALIZAÇÃO MISSIONÁRIA

Amy Carmichael (1868-1951), foi uma missionária de ascêndencia européia que marcou indelevelmente a história das missões cristãs em solo asiático. Nascida numa pequena vila na Irlanda no Norte, Amy era a filha mais velha do casal David e Catherine Carmichael, um casal de cristãos presbiterianos.

Em tenra infância a pequena Amy sonhava em ter "olhos azuis", assim como os demais membros de sua família. Ela não conseguia acreditar no fato de não possuir os tão desejados olhos azuis. Certo dia, em sua inocência de criança, Amy se recostou em sua cama e proferiu uma singela oração a Deus - "Senhor, quando eu acordar pela amanhã, faça com que tenha olhos azuis... amém!". Todavia, quando em fim o sol libertou os primeiros raios do dia que se avizinhava, a surpresa - Amy continuava com seus meigos olhinhos castanhos.

A menina, a princípio, não conseguiu conter a resignação que instava em sua mente juvenil. A pergunta que grassava seu coração era: Por que Deus não atendeu ao meu pedido, por que Ele não atendeu minha oração - eu pedi com tanta fé? A garotinha de olhos escuros compartilhou com sua mãe o sentimento que lhe combalia a alma e pesava a mente. Qual não foi sua supresa ao ouvir a resposta advinda de sua querida mãe: Minha filha, Deus também atua através de um não.

Alguns anos depois, Amy contraiu um sério problema de saúde. A enfermidade foi diagnosticada como neuralgia, segundo se sabe, tal enfermidade lhe impingia fortes dores pelo corpo a ponto de lhe fazer convalescer por semanas a fio. Destarte, por suas características físicas, Amy jamais seria aceita por qualquer agência missionária, as quais, no período em questão, possuíam um rígido programa de seleção de candidatos ao campo. Entretanto, mesmo que com uma compleição física tão frágil, Deus tinha grandes planos para vida de Amy.

Desta forma, o ano em que o Senhor começou a mudar as coisas foi o de 1887. O grande desbravador do "interior da China", Hudson Taylor, se recuperava fisicamente na europa para retornar ao seu amado campo missionário; quando fora convidado para falar sobre "Como é a vida missionária" no programa que ficou onhecido nos anais da história como  a Convenção de Keswick (1887). A palestra deixou a jovem Amy sensilvelmente impactada, de modo que a partir dali, ela resolveu se entregar completamente nos braços de Cristo e servir como missionária.

O Senhor abençoou o desejo que fruía do coração de Amy e lhe deu forças para o programa missionário, de modo que ela veio a ser cosiderada apta. O primeiro campo em que Amy fora designada era asiático, embora não fosse especificamente a parte da Ásia em que Deus queria que ela estivesse - se tratava do Japão. Ela ficara cerca de quinze meses na terra do sol nascente, contudo, sentia que aquele ainda não era o "seu local", e, ao fim deste período, se transferiu para o que seria a terra em que lutaria e consumaria sua vida pela causa de Cristo - sua amada Índia.

Uma vez lá, ela se filiou a missão "Zenana da igreja da Inglaterra" e passou a trabalhar com crianças descendentes de pais pobres (miseráveis), os quais, tinham como costume, "vender" seus filhos (dálits) no local conhecido funestamente como "Mercado de Crianças". Em se chegando neste tosco mercado, as crianças tinham os mais variados destinos. As mesmas podiam ser vendidas como mercadoria para troca, para serviços forçados em lavouras ou comércios, para trabalhos domésticos, e, principalmente, em se tratando de meninas, para exploração sexual. Amy ficou profundamente tocada com esta terrível situação enfrentada pelas crianças, de modo que resolveu fundar a "Dohnavur Fellowship". O trabalho desta mulher virtuosa era notável; Amy "comprava" as crianças e as conduzia carinhosamente a seu orfanato (que também funcionava como hospital) transformando através da Palavra de Deus o triste destino dessas crianças, lhes propiciando uma chance de ter uma vida feliz.

Neste ponto, adentramos no assunto que deixou esta grande missionária tão conhecida. Para ter acesso as crianças e finalmente comprá-las, Amy tinha que contextualizar-se. A mesme era européia, tinha pele clara e o comportamento natural de seu país. Não obstante, para conseguir vencer as barreiras culturais que lhe separavam de suas amadas crianças, Amy se vestia como as demais mulheres indianas, se comportava como tal, e, pintava sua pele clara com "pó de café", o qual lhe garantia a cor que precisava para passar desapercebida como indiana no Mercado de Crianças. Segundo consta, Amy chegava a viajar centenas de quilômetros nas estradas inóspitas da Índia para comprar uma criança. O ponto é que se Deus tivesse lhe dado os olhos azuis que ela tanto desejava, Amy estaria completamente impedida de se passar por uma mulher local e finalmente salvar seus amados pequeninos. Ademais, como sua mãe bem lhe ensinou, Deus também trabalha através de um não.

Desta forma, gostaria de lhes chamar atenção para o comportamento de Amy. Como missionária, ela sabia que tinha de transmitir o evangelho de maneira pertinente e significativa, através de símbolos culturais que fossem próximos a realidade indiana, mas que não tivessem qualquer associação a parâmetros sincréticos, de modo que a mensagem do evangelho não viesse a ser comprometida nem diluída pelos mesmos. Talvez o contato que Amy teve com Hudson Taylor tenha contribuído muito para isso, uma vez que, ele ficou muito conhecido nos círculos da época por viver contextualizadamente como chinês (ficamos devendo algo mais específico sobre Hudson) revolucionando, por assim dizer, o comportamento evangelical de sua época.

Portanto, mesmo com seu caráter supracultural, o evangelho precisa ser apregoado através de ferramentas que lhe propiciem os meios necessários para sua compreensão. Boa parte das empreitadas missionárias que foram frustradas ao longo dos anos possuem forte tendência a má contextualização. A bem da verdade, sabemos que o maior incentivador e mantenedor de missões é o próprio Espírito de Deus, no entanto, o próprio Deus "não teve como usurpação o ser igual"; e a si mesmo se esvaziou para nos comunicar sua mensagem da maneira mais perceptível possível - contextualizada. Por esvaziar, entendemos a capacidade que Deus possui de se fazer compreendido e não diminuído. Sendo esta a bandeira que as missões modernas têm levantado.

Finalmente, louvo a Deus por exemplos como o de Amy Carmichael, uma mulher piedosa que fez de sua vida um farol que conduzia e protegia as crianças indefesas da Índia. Um legado poderoso e um exmplo formidável para nossa geração. Amy veio a falecer na Índia - o país que ela amava e pelo qual deu sua vida - com cerca de 83 anos de idade. Após complicações oriundas de uma queda sofrida. Ela chegou a escrever 35 livros cristãos, sendo uma escritora prolífica. Uma vez indagada por uma jovem sobre como era ser uma missionária, asseverou: "A vida missionária é simplesmente uma forma de morrer". Ainda em vida, Amy pediu a seus amigos para não colocarem nada em sua lápide, ao invés disso, suas crianças escreveram "Amma" que em dialeto Tamil significa mãe.

Por tudo isso, muito obrigado - olhos azuis.