domingo, 7 de novembro de 2010

SITUAÇÕES INEVITÁVEIS


Após algum tempo sem escrever... venho com palavras que, em muito, divergem das que estou acostumado a compartilhar. Entretanto, como sempre, escrevo sobre o que tenho.

Consoada

Quando a Indesejada as gentes chegar
(não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:

- Alô, iniludível!

O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta, com cada coisa em seu lugar.



Ah, querido Bandeira...
Você sabe o que sentimos agora. De fato não é bom escrever sobre nossos receios. Já dizia Pessoa:

Num desolado alvoroço
Mais que triste não me ignoro.
Hoje em dia apenas choro
Porque já chorar não posso.


Os pensamentos destes baluartes da poesia denotam algo interessante – As pessoas possuem as mais diversas maneiras de reagir ao inevitável. Estes dias algo parecido aconteceu. Uma irmã. Amiga. Aluna. Por estar saudável, adoeceu. Inevitavelmente. Uma das veias que oxigenam seu cérebro veio a se romper. Neste momento ela está inerte em uma cama de hospital, inconsciente. O coma não permite maiores detalhes.

Como iniciei, foi, de fato, como reagi. Diante de inditosa notícia, pensei – Há de ser, mais uma vez, a “Indesejada de todas as gentes”. Esta inditosa credora, “iniludível”. Mas, ela não foi feliz. Há vida. Há esperança. Tudo acontecerá conforme a vontade absoluta de Deus, inexoravelmente. Entretanto – graças há Deus! Em poucos segundos, outra verdade me ocorreu.
- A iniludível encontrou,

[...]lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta, com cada coisa em seu lugar.


Tudo estava em seu devido lugar! Ah, certeza maravilhosa! As reações foram as mais variadas. Cada um de nós reagiu à nova de maneira diversa. Contudo, cessado o rubor do inesperado, uma certeza. Tudo estava em seu devido lugar. Foi o que ouvi do meu querido aluno, que por sinal é marido, e, também, companheiro de seminário da pessoa em tela.

- Está tudo bem, Deus está no controle.
- Está tudo bem.

Minha reação instantaneamente mudou... Glória a Deus!
É bem verdade que a forma de sentir continua lúdica, contudo a motivação é outra. Nada de armaduras, estereótipo dos insensíveis. Mas, sensatez. Aprendi a chorar com os que choram, se bem que minhas reações não me furtaram a sobriedade do momento. Todavia,

Hoje em dia apenas choro
Porque já chorar não posso.


Obrigado, meu Deus querido, por me permitir amigos tão caros. Dá-nos forças...


1 - BANDEIRA, Manoel, 1886-1968. Manuel bandeira: uma antologia poética.

2 - PESSOA, Fernando,Fernando Pessoa: Mensagem.

domingo, 18 de julho de 2010

SHUTRUK-NAHUNTE, QUEM?


Shutruk-Nahunte I foi um líder elamita. Em meados de 1158 a.C. colocou a região de Elam (atualmente no sudeste do Irã) em seu apogeu.

Pouco se conhece da história de Shutruk-Nahunte. Filho de Hubannumena (Haludusinsusinak), pai de Kutir Nahunte II e o iniciador da dinastia Shutrukkides ou Shutrukida (Haludusinsusinak, Shutruknahunte I, Kutirnahunte II, Silhakinsusinak I, Huteludusinsusinak, Silhinahamrulagamar, Humbannumena II, Shutruknahunte II, Shuturnahunte I, Aksirnahunte Aksirsimut). Sabe-se também que ele foi rei da Anshand e Susa, sendo assim soberano da região de Elam durante 1180-1155a.C. Destruiu a cidade de Sippan (Sippar) com o "comando" do seu Deus Inshushinak. Acreditava também na deusa Napirisa (Kiririsha) tendo levantado um templo à ela em Liyan. Capturou muitos itens e levou para Susa, dentre eles as estelas de Hamurabi da Assíria e a estela de Naram Sin (Nirah-Sin) da Acádia, esta última foi levantada em homenagem ao seu Deus Inshushinak.

Shutruk-Nahunte é citado no filme "The Emperor's Club" (O Clube do Imperador, Universal, 2002), onde um professor de história o cita justamente por ser alguém que fez grandes conquistas por puro egoísmo, de forma que foi esquecido pela história. Shutruk-Nahunte também é citado no filme "Dead Poets Society" (Sociedade dos Poetas Mortos, drama estrelado por Robin Williams). Também, graças a sua qualidade de conquistar territórios sem porpósito algum [1]

Sucintamente, esta é a história de Shutruk-Nahunte. Um rei que em sua geração sobrepujava a todos. Por falta de notoriedade em seus feitos, o fato que melhor tem concorrido para posteridade é uma antiga citação que, segundo consta, foi proferida pelo mesmo.

Eu sou Shutruk-Nahunte, Rei de Anshand e Susa, Soberano da Terra de Elam. Sob o comando de Inshushinak, eu destruí Sippar, capturei a estrela de Nirah-Sin e a levei de volta a Elam onde eu a plantei como uma oferenda a meu Deus Inshushinak”. Shutruk Nahunte - 1158 A.C[2]

Diante deste arroubo de relevância, o mundo grita – e daí? O fato é que Shutruk-Nahunte, quando lembrado, é sempre sinônimo de egoísmo, de irrelevância. Tudo porque, enquanto governante, ele jamais se preocupou com os outros, mas, apenas consigo próprio, e, no afã de conseguir sempre mais, acabou por construir um grande império, só que erigido sobre um monturo de trivialidades. O que prova que, quando nossas atitudes não vislumbram um bem maior, elas são sempre fulgazes, efêmeras.

Nossa geração está repleta de homens à semelhança de Shutruk-Nahunte. Homens que andam as voltas com seu poderoso “umbigo”, e que vivem aquém da realidade que os cerca. Pessoas deste tipo estão sempre a procura de auréolas, de projeção celestial. Com suas vidas procuram a todo custo ofuscar a Glória sempterna do Todo Poderoso. Enrredam-se pelo pior de todos os erros. A paixão pela glória.

O fato é que Deus não compartilha de sua Glória com ninguém. Aqueles que escolhem este caminho, averão de encontrar-se com Caim, Balaão e Corá (Jd 11). Ai deles, pois, este caminho é caminho de morte.

Todavia, aqueles que em sua vida ambicionaram a projeção de outrem, sempre serão lembrados. Não como vassalos, mas, como idealizadores de um novo mundo. A história sempre é benévola com os coadjuvantes.

No campo espiritual, não é diferente. Nós temos aprendido assim – a quem honra, honra. Não se trata de retribuição, mas, de uma circunstância natural – somos aperfeiçoados para as boas obras. Todo aquele que vive, enquanto servo de Deus, não vive mais de maneira amorfa. Ele agora passa a ser uma pessoa de mente transformada, que possui a única missão de transformar todo o espaço em que vive, de modo a impactar e beneficiar a vida dos demais, não para deleite próprio, mas, para alegria dos demais e, inevitavelmente, para Glória de Deus.

Por isso, Shutruk-Nahunte não têm parte nesta extirpe, uma vez que, ele vivia para sua própria glória e, apesar dos reveses da vida, conseguiu. Só que como a luz que ele produzia só brilhava em si mesmo, com a sua morte, sua luz também se foi, apagou-se, nada mais restou, apenas vaidade. Em seu vexame, Shutruk-Nahunte me faz lembrar um pensamento de José Ingenieros[3]:

A popularidade ou a fama costumam dar, transitoriamente, a ilusão da glória. São suas formas expúrias e subalternas, externas porém, não profundas, esplendorosas mas fugazes. São mais que o simples êxito, acessível ao comum dos mortais, porém são menos que a glória(...) São ouropel, pedra falsa, luz de artifício. Manifestações diretas do entusiasmo gregário e, por isso mesmo, inferiores: aplauso de multidão, com algo de frenesi inconsciente e comunicativo. (...) tais aspectos caricaturescos da celebridade dependem de uma aptidão secundária (...), ou de um estado acidental da mentalidade coletiva. Amenizada a aptidão, ou transposta a circunstância, voltam a sombra e assistem am vida seus próprios funerais. Então pagam caro sua notoriedade; viver em perpétua nostalgia é o seu martírio”.

Diante da bela explanação de Ingenieros, reflita. Vale mesmo a pena afadigar-se em busca da própria glória? Como você será lembrado? De que forma será julgado?

A bíblia está repleta de testemunhos de homens que lutaram a todo custo para se perderem em Deus, para tributarem a Ele toda a glória por seus feitos. Homens que fizeram tudo o possível para passarem disapercebidos pela história, e que até acharam que haviam conseguido, todavia, aprouve a Deus conseder-lhes lugar de honra e, na cruciante batalha em prol da manifestação da glória de Deus, jamais serão esquecidos, porque “Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus” Hb 11.16.

Todos nós vivemos por um único motivo, a manifestação da Glória de Deus, nunca a nossa. Não caia no erro de Shutruk-Nahunte. O tempo urge. Aproxima-se o dia em que você ouvirá – “Vinde benditos de meu pai!” (Mt 25.34) ou – “Shutruk-Nahunte! Chegaram os que faltavam!”.

A partir de agora é com você! Seja utilizável, abençoe, sirva, viva! Em ti serão benditas todas as famílias da terra!

[1] Enciclopédia Livre.

[2] Encontrando todos os deuses.

[3] INGENIEROS, José O homem medíocre/ 1ª Ed. Curitiba: Juruá, 2009.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

LIBERDADE, PARA QUE?


Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo” (II Co 2.14a). Não existe nada melhor que ser conquistado por Cristo, vencido por Ele, subjugado pelo seu poderoso poder, agrilhoado pelas correntes do Evangelho. Pode soar estranho, pois, diante das minhas afirmações, prontamente nos vem à mente o poderoso texto de Gálatas 5.1Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”. Então pensamos, se Cristo nos conquistou para gozarmos de inteira liberdade n’Ele, como agora podemos dizer que temos prazer em nos encontrar cativos de seu imenso poder, este mesmo que nos libertou? A resposta a esta pergunta é o ápice do cristianismo como estilo de vida.

Se não vejamos. Para que haveremos de querer ser livres? De que nos adianta reivindicarmos liberdade? Não é esta a premissa de nossa geração? Liberdade. Mas, liberdade para que? Meditando sobre estas questões cheguei inevitavelmente a uma conclusão. Não quero ser livre. Eu não agüento nem ao menos pensar em ser livre. De fato, odeio tão somente a possibilidade de poder escolher por qualquer coisa.

Mas, de onde me vem tanto receio? É simples. Ao fazer uma breve reflexão, descobri que, todas as vezes que procurei (se é que é possível) viver de acordo com minhas convicções, apenas me decepcionei, e invariavelmente consegui mais problemas com que me preocupar. Descobri que neste mundo funesto, não existe nada mais aprazível, mais sublime, mais apaixonante que viver sobre a poderosa intervenção de Deus. De modo que, toda minha vontade fosse perdida em sua vontade absoluta, sem que ao menos eu tivesse um simples vislumbre de como poderia ser se, ao menos, eu pudesse opinar.

Vivendo sobre minhas convicções, eu acordava pela manhã e, às vezes, sentia-me feliz. Mas, bastava o dia timidamente começar e lá estava eu perdido em meus afazeres, alheio a centelha de felicidade outrora experimentada. Prontamente perguntava-me: Como a felicidade passou por mim sem que a agarrasse, sem que me deleitasse mais efusivamente nela? Por que cargas d’água não me sinto mais absorto em Deus, meu único deleite? Simplesmente, o dia, naturalmente, o absorveu. Inconscientemente eu apenas vivia, sem culpa alguma, eu apenas vivia. E inexoravelmente, em minha vida, bem vivida, alheia ao pecado e sujeita a ele em termos acidentais, as tarefas me roubavam d’Ele, simplesmente.

Quando, pois, percebia o terrível abismo que me espreitava, resolutamente procurava me recompor, lembrar-me de onde inexplicavelmente eu havia caído e, como um corifeu da fé, recomeçava a minha jornada épica em busca de plena satisfação em Deus. Ato contínuo, momentos depois, recomeçava tudo de novo. “Esmurrava o meu corpo” em busca dos paladinos que me serviam de exemplo, e para meu total desgosto, sempre encontrava-me aquém de suas mais tímidas empreitadas.

Diante desta situação, mais parecia com um discípulo de Sísifo, que de Cristo. Achava que estava em mim o querer, o buscar, o entender – esforçava-me. Que ingênuo fui. A partir de então, em meio a angústia de não encontrar a plena satisfação que perseguia, resolvi entregar-me, completamente, nas mãos de Deus. Sábia decisão! Iniciava-se minha saga por compreensão, sempre regada a mais tenra espiritualidade e a mais singela dependência. No meio do caminho encontrei-me com o Pr. Hernandes Dias Lopes e com o Pr. John Piper, já quase convencido de que algo novo poderia encontrar-me, encontrei-me com Paulo, e, a partir dele, com Cristo. Só que agora, em fim, e porque não finalmente, com uma nova compreensão.

Descobri, com estes homens experimentados, que Deus encontra-se mais glorificado quando estamos mais satisfeitos n’Ele. Que inevitavelmente viveremos plenamente satisfeitos se buscarmos a duras penas a satisfação de Deus, a manifestação sempiterna de sua glória; e não a nossa própria alegria e deleite. Percebi que ingenuamente eu freqüentava a igreja na iminência de fazer-me feliz, de me satisfazer, de viver mais um culto cheio de vida e sair dali alimentado com sólido alimento espiritual – Esquecia-me de minha única utilidade, o motivo que da razão a minha existência e a tudo o mais, a glória de Deus. Nesta perspectiva, descobri um novo sentido para o termo liberdade, a saber.

Ser livre é ser feliz, e felicidade é encontrar satisfação, e satisfação só encontramos em Deus. Após esta humilde e talvez óbvia observação, resolvi usar minha tão cara liberdade para tornar-me um escravo. Deliberei em meu coração usar todas as minhas forças para conseguir ser aceito na lida de Cristo, em sua “senzala” (permitam-me o termo, a pesar de sua inditosa conotação). Tenho buscado para mim, ser um escravo a semelhança daquele que culturalmente conhecemos, entretanto, não pelos mesmos motivos. Os escravos que conhecemos, e que penosamente foram injustiçados pelos prazeres avaros dos homens ignóbeis e vis em seus projetos ardilosos, serviam contra sua vontade e, a todo custo (mesmo com o da própria vida), procuravam fugir e encontrar guarida noutras paragens (Quilombos), sonhavam em ser livres, em voltar ao seio da bendita e amada liberdade. Eram homens e mulheres de valor, guerreiros de denodo pungente, humanos a mais sensível semelhança que qualquer outro. Entretanto, eu, “quero” ser um escravo. Não quero ter vontade própria, escolher quais serão minhas atividades, o que terei de comer ou mesmo o que terei que vestir – Quero a penas depender, obedecer, perder-me inteiramente na vontade de meu Senhor, escravizar-me.

Tudo isto, para ter a certeza que jamais me imiscuirei em meus próprios desejos, em meus próprios projetos. Para poder ouvir a tenra voz de meu Senhor a me ordenar nas coisas mais simples. Pois, ao contrário do sempre vil senhor de escravos que clivou os anais da história com suas práticas vexosas, o meu Senhor, vitorioso em me dominar, “sempre me conduz em triunfo”. Ou seja, meu Senhor tem prazer em me conduzir perante todos os homens como seu escravo (cativo pela batalha travada na cruz) e na mesma proporção eu tenho sublime deleite em me ver agrilhoado pelas garras da graça (que tanto me orgulham), acompanhando a pouca distância meu amado amo em vista de todos. Pois, para glória de Deus, percebi que, quando em fim perdi minha vida em Cristo (Mt 10.39), a encontrei. Percebi que deixando de viver para mim mesmo, e tornando-me cativo a vontade de Cristo, a felicidade não mais me abandonou, tornou-se eterna.

Pois o meu Senhor é a maior dádiva a que se pode ter, a maior alegria que se pode achar, o maior dom do Evangelho. Ele, sendo suserano, de que terei falta?(Sl 23.1) Oh, prefiro perder-me a vontade n’Ele, pois, “Ele me fará ver os caminhos da vida; na sua presença a plenitude de alegria, na sua destra, delícias perpetuamente” (Sl 16.11).

Concluo – Se Cristo sempre nos conduz em triunfo, vos indago: Liberdade, para que?






terça-feira, 6 de julho de 2010

CARGO CULTS.


O Cargo Cults ou Culto de Carga é um tipo de prática religiosa que pode aparecer em sociedades tribais tradicionais. Os cultos estão centrados na ostentação da riqueza material da “cultura avançada”, através de pensamentos mágicos, rituais religiosos e práticas místicas. Os nativos que cultuam desta maneira acreditam que as riquezas pertencentes aos “brancos” eram destinadas a eles por seus “deuses e ancestrais” [1].

Na região do Congo, pode-se observar um exemplo clássico desta prática. Por estas cercanias, existe um mito que diz que por ocasião da independência do país (em suas lutas étnicas), em algumas aldeias os indígenas retirarão os tetos das casas, a fim de dar passagem as moedas de ouro que seus ancestrais farão chover (...) Em meio ao abandono geral (por parte das autoridades e dos próprios nativos que deixam suas habitações sem qualquer manutenção), apenas os caminhos que levam aos cemitérios são conservados, a fim de permitir que os ancestrais cheguem a aldeia. Percebemos neste mito ainda outra prática comum, pois, os recorrentes excessos orgiáticos significam, segundo o mito, que ao despontar desta nova era fundada com o Cargo Cults, todas as mulheres pertencerão a todos os homens [2].

Em meados do século XX, uma idéia melhor burilada deste mito passou a figurar em meio aos círculos acadêmicos. Os eruditos procuravam uma explicação mais plausível a manifestação cultural em tela. A partir desta premissa, novas teorias a respeito do surgimento deste rito foram surgindo, dentre elas destacamos a que diz que com a aproximação do homem branco (usamos esta nomenclatura apenas como uma forma de diferenciar o nativo do visitante) em território nativo, este último percebeu que os visitantes recebiam suas “encomendas” (cargas) através de navios ou aviões. Assim, os nativos, por não compreenderem a origem destas cargas, mais reconhecendo seu valor pecuniário, acabavam por atribuir estas remessas a entidades espirituais, o que inevitavelmente fomentou o tipo de culto que ora analisamos.

A maneira que os eruditos encontraram para substanciar suas conjecturas lhes foram advindas dos próprios nativos que em seu zelo pela acolhida da “carga sagrada” abriam clareiras nas selvas numa espécie de imitação dos aeroportos onde as “canoas voadoras” poderiam pousar com suas cargas sagradas; além destes pseudoaeroportos encontraram ainda a elaboração fictícia de rádios, equipamentos de comunicação, roupas características dos pilotos e marinheiros, e até réplicas de aviões talhadas em madeira. Tudo isso, servindo para provar que este mito não tinha origem “in ilo tempore”, mas, na chegada do visitante que deveras avançado exercia forte influência em meio à cultura nativa invariavelmente menos desenvolvida. Todas estas manifestações culturais serviram como prova do gérmem do Cargo Cults.

O fato que nos chama atenção e que nos impulsiona à escrita deste artigo é a premissa de que este mito pode servir como uma ponte para comunicação do Evangelho. Esta exótica manifestação cultural, mesmo em meio a este aparato “fantástico” pode ser revertida em Glória a Deus. Se não vejamos, diz o mito que no tempo da libertação, quando o deus tribal local enfim triunfar sobre todos os seus adversários, então, a “Carga Sagrada” será o coroamento da vitória e apontará para o triunfo final de todos os que esperaram esta dádiva advinda do céu. Esta crença corrobora o que foi idealizado a muito por Mircea Eliade, que mesmo não pensando numa perspectiva cristã, muito tem contribuído para o estudo das culturas religiosas. Segundo ele, em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado no mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que ele é. É em razão das intervenções dos seres sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural [3].

Diante desta profícua explanação, o que nós compreendemos é que existe uma forma de se comunicar o evangelho a estas culturas sem, no entanto, destruí-las. Ora, é o sentimento de pertencer a algo que faz com que o homem consiga viver em sociedade [4]. Muitas empreitadas missionárias tem falhado ao longo dos anos porque não levam em conta a identidade cultural dos povos e ao invés de enlevar o que de bom existe e reparar as arestas que não louvam a Deus, mutilam completamente toda uma cultura, que por sua vez era acreditada como verdade absoluta, às vezes por milênios, criando não um convívio propício a comunicação do evangelho, mas, uma barreira quase que intransponível. A forma como nós podemos preservar a identidade cultural dos povos e faze-los adoradores do único Deus Verdadeiro é pregando o evangelho de maneira contextualizada.

Segundo Don Richardson, em cada cultura, seja ela qual for, existem parâmetros (os quais ele chama de pontes) que se bem trabalhados serviram para esclarecer as pessoas para a singularidade do Evangelho. Estas pontes estão inseridas na própria cultura evangelizada e funcionaram como um “abridor de olhos” que fará com que a verdade parcial que eles conhecem se transforme na verdade absoluta do evangelho de Jesus Cristo. No caso em questão, a ponte seria o próprio mito do Cargo Cults, que diz que na vitória do deus tribal a recompensa virá do céu. Este pensamento aponta de uma maneira maravilhosa para promessa que nos feita em Apocalipse 21.2Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo”. Ora, observem que ponte maravilhosa, se bem utilizada a promessa de Apocalipse pode eclipsar o falso pensamento das culturas do Cargo Cults. Eles, enfim, poderão compreender a perspectiva verdadeira daquilo que eles acreditam ser a verdade. Tudo através de um parâmetro cultural encontrado na própria sociedade e que aponta para uma verdade que fará com que estes povos deixem a penumbra nefasta das trevas e passem a viver sobre uma fulgurante luz, a qual emana unicamente do Evangelho.

Por isso o Senhor Deus nos abençoou com um Evangelho Supracultural, pois, uma vez que ele se encontra a cima das culturas, elas precisam conforme a comunicação dos santos, se amoldar ao evangelho, e nunca o contrário. Todavia, a pesar da total depravação tanto da humanidade quanto da criação, apenas os aspectos da própria cultura que não se encontram moldados à semelhança do Evangelho é que precisaram sofrer alterações, não apenas para o bem da cultura, mas, sobretudo, para Glória de Deus. Por isso, quando se fala em comunicação do Evangelho, o que se está em jogo não é à vontade daquele que comunica a mensagem, tão pouco a supremacia de sua cultura em detrimento da que está sendo evangelizada, e sim a manifestação da Glória de Deus. Nós não comunicamos o aniquilar da cultura receptora para manifestação a Glória de Deus, absolutamente! Nós comunicamos a supremacia de Cristo sobre todas as coisas, para Glória de Deus, e para alegria de todos os povos [5].

[1][2][3] ELIADE, Mircea 1907-1986
Mito e Realidade/Mircea Eliade; [Tradução Pola Civelli]. -- São Paulo:Perspectiva, 2007. -- (Coleção Debates; 52/dirigida por J. Guinsburg)

[4] Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial. O Evangelho e a Cultura. Série Lausanne 3.

[5] PIPER, John
God is the Gospel Deus é o Evangelho/ John Piper; [Tradução Marilene Paschoal, Ana Paulo Eusébio Pereira] -- São José dos Campos: Fiel, Missão Evangélica Literária.

terça-feira, 15 de junho de 2010

DEUS NÃO NOS DESTINOU PARA IRA.


Deus não nos destinou para ira. Esta verdade tem retumbado ultimamente em meu sofrível coração. É interessante notar a fragilidade de nossa vida; num momento tudo está bem, mas, bastam alguns poucos minutos e “boom”, mas um momento difícil se inicia. Não há nada de novo nisso, momentos assim foram perenes nas vidas dos grandes homens de Deus. Quem não lembra da escolha de Abraão diante do corpo inerte de seu único filho já deitado sobre o altar? Da angústia que avassalou o coração de Moisés quando do ferimento da rocha? Do triste arroubo de arrependimento que grassou o coração de Davi após o revelar de seu pecado pelo profeta, pecado este que o fez amargar uma vida de sofrimentos pelo resto dos seus dias? Estes são uns poucos exemplos dos milhares de que dispomos.

A verdade é que nossa vida não está imune a adversidades, elas existem, e são sempre recorrentes, seja em maior ou menor intensidade, elas sempre estão lá. O que invariavelmente acontece, salvo raríssimas exceções, é que quando elas surgem nós agimos como se o fim do mundo nos espreitasse, como se não existisse mais solução para nós, como se não servíssemos ao Deus Todo Poderoso. Esquecemos que Deus não nos destinou para ira! Há pouco tempo eu andava em voltas com algo que me atormentava, que insistia em tirar-me a paz tão cara que em Cristo eu havia conquistado. Como de praxe eu achava que estava tudo acabado, que para mim não existia mais solução. Creio que o sentimento que tanto me afligia era semelhante ao sentido pelo Apóstolo Paulo quando este declarou: “Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortosII Co 1.8-9. Não sei a natureza do problema enfrentado por Paulo nesta situação, mas, conforme nos informa I Co 15.32, na Ásia ele “lutou com feras”.

Percebam que o fato de estarmos em plena comunhão com Deus necessariamente não nos exime de passarmos por momentos difíceis, ora, o próprio Senhor Jesus Cristo nos advertiu que no mundo teríamos aflições. Sendo assim, a pergunta que não quer calar é: O que fazer quando a adversidade se levantar?

Primeiro, creio que devemos dar tempo ao tempo. Explico – seria simplório se (eu) dissesse que no momento em que a adversidade se levanta nós não nos incomodamos, não sentimos nenhum tipo de abalo. Pois, na verdade, só é o que sentimos. Lembro-me bem de quando recebi a notícia de que minha filhinha recém nascida teria que ser internada na UTI Néo-Natal do hospital em que nasceu. Meu Deus, que sentimento terrível, ainda hoje insisto para que esta terrível lembrança aquiesça em meu coração. Que dia tenebroso! Todavia, dissipadas as primeiras nuvens cinzas que pairavam sobre a minha cabeça, a poderosa voz de Deus mais uma vez se fez ouvir retumbante pelos corredores sombrios daquele gélido hospital, através do tatalar singelo de uma humilde enfermeira que se deixou levar pela impetuosidade da Glória de Deus, meu coração descansou, e desde aquele instante eu descobri que aquela “prova” não era para morte, mas, para Glória de Deus. De fato, toda adversidade é para Glória de Deus.

Segundo, precisamos nos agarrar ao Evangelho, já dizia o Reverendo Piper, “as Boas Novas não são algo que simplesmente nos livram da justa ira de Deus, algo que nos salva, mas, algo que devemos nos agarrar todos os dias”. Nós precisamos desesperadamente do Evangelho todos os dias, ele é nosso sumo lenitivo, nosso amigo fiel, inabalável. É deveras difícil sobreviver a qualquer intempérie sem um abrigo apropriado, é praticamente impossível. E é justo quando se levantam as provas que nós enfim lembramos de nos abrigar, de nos proteger próximo a algo que nos ofereça “escudo e broquel”. Por isso, insisto que a adversidade, como tudo o mais que existe neste teatro maravilhoso chamado criação, serve apenas para supremacia do Nosso Deus, para glorificá-lo como tudo o mais. Agora, você deve estar se perguntando, como algo tão terrível como o sofrimento de um servo pode glorificar ao Deus ao qual serve? É simples, invariavelmente, o único abrigo deveras pertinente que encontramos durante as lutas é o nosso Deus. É na luta que corremos e recorremos a Ele, que descobrimos sua poderosa singularidade, seu amor constrangedor, seu fardo suave, sua poderosa voz, seu agir aterrador, e sua vontade sempre absoluta e soberana, enfim o “abrigo” de que tanto precisamos. No momento em que a adversidade chega é apenas o Evangelho da Glória de Deus que pode nos ajudar. É justamente o descobrir, ou melhor, o redescobrir (em alguns casos)deste abrigo, que glorifica a Deus

Terceiro, precisamos exercer a fé que nos foi outorgada pelo ouvir desta Palavra ora buscada. Mais uma vez, gostaria de recorrer ao amado Reverendo Piper. Foi num momento de profunda comoção que o Evangelho serviu-lhe como abrigo desejável, como uma bóia que lhe flutuava próximo em meio a um triste naufrágio no assaz profundo oceano Índico. No turbilhão de dor e insegurança que lhe afligia a alma, uma doce voz soou ao seu ansioso coração: “Porque Deus não nos destinou para ira, mas para alcançar salvação mediante nosso Senhor Jesus CristoI Ts 5.9. Após esta sentença, diz ele: “Paz como um rio”. É disto que falo, do que descobri com o ministério deste pastor amado, algo que ele chama em referência a Santo Agostinho de “O Legado da Alegria Soberana”. A alegria que não vê circunstâncias, que desdenha do impossível, que nos faz descansar mesmo em meio a mais cruciante batalha, que nos faz vislumbrar que após as nuvens espessas o sol fulgurante jamais deixou de brilhar, que nos impulsiona a levantarmos todos os dias na certeza de que a prova não frustra os planos de Deus, que ela não possui o poder de anular as promessas outrora feitas a cada um de nós, que ela é uma mera serva dos propósitos absolutos de Deus. Ó poderosa alegria!

Só quando esta alegria verdadeiramente inundar os nossos corações, é que entenderemos o que significa vivermos unicamente pela supremacia de Deus, pois, este legado triunfante nos fará compreender que as provas são parte da criação, e que neste circuito fechado, todas as coisas glorificam ao Deus que por tudo que criou glorifica a si mesmo. Tudo o que foi criado, mesmo que com funções diferentes, possui um mesmo fim – A Glória de Deus!

É por causa disso que me agarro ao Evangelho, para que junto com tudo mais venha eu também apontar para supremacia de Deus, através do sacrifício de Cristo, para alegria de todos os povos. Culminando com a alegria que só encontramos neste mister, quiçá a propagação do Evangelho.

Concluo...

Deus não nos destinou para ira, pois, conforme cremos, a prova não é um fim em si mesmo, mas, é, como tudo o mais, para a Glória de Deus! Para a Glória de Deus!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA OBRA MISSIONÁRIA

Palestra proferida na IEC da Liberdade, Campina Grande, PB.


Hoje, estarei me baseando no texto de Jó 1.1-3. Jó, sem sombra de dúvida é um legado sólido de alguém que em sua vida comunicava verdades extraordinárias, verdades estas, que até hoje contribuem consubstancialmente para o fortalecimento de muitas vidas e ministérios. Por pensar em fortalecimento, tendo como epígrafe o tema “A Importância da Família para Obra Missionária”, resolvi, para discorrer sobre o tema, destacar, dentre as várias características insofismáveis que emanam da vida deste homem “íntegro, reto, temente a Deus e que se desviava do mal”, pelo menos três, que ao meu ver, seriam uma resposta plausível a todo este atabalhoamento teológico que temos visto em nosso amado meio evangélico.

Como primeira característica eu destacaria a “Motivação”. Ora, não há que se reprisar a indubitável tragédia a que se incorreu o nobre Jó, por causa das ardilosas armadilhas de Satanás. Conforme nos assevera o texto, sendo Satanás acusador como é, estando presente em dado momento diante do Deus todo Poderoso, foi indagado por Deus acerca da postura incomparável de Jó. Por causa disso, numa simplória tentativa de macular os poderosos propósitos de Deus na vida do mesmo (como se fosse possível), questiona a Deus a cerca de todo o legado possuído por Jó, e se não seria este o motivo para tanta abnegação e zelo. Para prová-lo que não era o caso, se bem que Deus não precisa provar nada a quem quer que seja, num ato muito mais propício à posteridade do que a esdrúxula indagação de Satanás, Deus o permite (a Satanás) tocar em todos os bens de Jó, não lhe permitindo, porém, tocar-lhe fisicamente. Uma vez com suas ordens, Satanás deixa a presença de Deus e com sua permissão destrói completamente não só todos os bens que Jó possuía, como também, a toda a sua família, com exceção de sua esposa. Mas, para Glória de Deus, como de fato sempre foi essa a tônica dos fatos, ao fim de toda esta tragédia a postura de Jó foi sem precedentes. Após um relato fatídico protagonizado por seus servos, os quais ainda em pânico o colocavam a par de tudo o que o acontecia, sem titubear, este prolífico homem de Deus “se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e lançou-se em terra e adorou”. E num ato de pura deferência a Deus, alçou voz num primeiro arroubo de fé que insiste em ecoar pelos séculos que se seguiram: “Nu sai do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor”. Diante de tamanha barbárie, Jó, com seus lábios, não pecou, tão pouco atribuiu a Deus falta alguma. Isto sim é o que podemos chamar de “caráter inabalável”. Errou Satanás ao achar que a motivação de Jó estava em seus bens, pois, conforme nos asseveram estas palavras tão impactantes, o coração de Jó não estava nos bens que possuía, mas em Deus.

A própria postura de Jó, faz coro a poderosa afirmação do Apóstolo Paulo e pode ter sido um dos motivos de sua reflexão: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mais Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo, na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus” Gl 2.20. O apóstolo com este texto belíssimo nos fala acerca da correta motivação de um servo; tudo quanto nós encontramos no caráter de Jó. Sendo assim, eu vos pergunto, qual tem sido a motivação de nossa geração? Infelizmente a Teologia da Prosperidade está aí para nos responder! Como primeiro ponto, assevero que se realmente quisermos ser uma resposta a tudo quanto estamos vendo em nosso evangelicalismo (falo daqueles que abandonaram o legado da reforma) precisamos fazer com que nossos jovens, que serão os futuros ministros da igreja, trabalhem impulsionados pela motivação correta. E que o Senhor nos proteja de ministros que prefiram receber o seu galardão por aqui. Por isso, fora com o pragmatismo que tem avassalado os púlpitos; fora com o hedonismo que gera vocacionados mais preocupados com suas auréolas do que com as almas dos homens; fora com a Teologia da Prosperidade e sua peçonha; fora com o Teísmo Aberto, com a Teologia Relacional, com a teoria da Evolução das Espécies; com o Liberalismo Teológico e tudo o mais que procure, conforme as mentes depravadas dos homens, deturpar o Glorioso Evangelho de Jesus Cristo. Que toda motivação que não almeje a Glória de Deus seja anátema! Para que a nossa família contribua para o fortalecimento da sociedade e para que os nossos jovens aspirem, como antes, as “Regiões Celestes”, precisamos da motivação correta!

Em segundo lugar, destaco como uma poderosa qualidade inerente à personalidade de Jó a “Disposição”. É certo que nosso Deus é tardio em irar-se, mas grande em poder e jamais inocenta o culpado (Na 1.3). O fato de se encontrar na qualidade de culpado na presença de Deus é algo terrível, todavia, o contrário também é deveras interessante, pois, conforme percebemos no testemunho de Jó, ele sabia que nada tinha feito para se encontrar em meio à tão intensa tempestade, por isso, ousadamente ele aspirava por uma oportunidade de indagar a Deus o porque de tanto sofrimento (não que exista alguém auto justificado, mas quando o pecado é tido como algo vexoso, tudo o possível é feito para evitá-lo, eis o porque da surpresa de uma conseqüência não produzida). Dizia Jó: “Ah se eu soubesse que o poderia achar! Então me chegaria ao seu tribunal” Jó 23.3. Saber o que procurar diminui em muito o nosso esforço em busca de algo. Neste ponto, encontramos um problema delicado, o qual tem contribuído indelevelmente para apatia espiritual de nossa época, a falta de referênciais. Nossos jovens estão morrendo de inanição teológica. A má disposição de muitos homens que se auto intitulam “Servos de Deus” têm fomentado terríveis referenciais teológicos. Tais homens com sua vida e teologia parecem fazer coro à famosa frase de Nietzsche: “Deus está morto”.

Não é preciso muito esforço para se refutar esta afirmação estapafúrdia. O problema não está em Deus, mas nos homens. “Homens mortos tiram de si sermões mortos e sermões mortos matam”. Referencial de nada serve se o desejo de dispor-se não brotar do coração. As famílias precisam urgentemente fazer com que os jovens voltem a se apaixonar pela vida ministerial, precisam reabrir a velha fábrica de missionários chamada “Lar Doce Lar”, precisam reacender a chama fulgurante que a muito aquiesce no coração de nossos jovens e que os consumia de desejo para entregar-se completamente a “Excelente Obra”. O fato é que nós temos desafeiçoado a mais plena de todas as vocações, que é a ministerial. Nossa resposta a esta geração têm sido paupérrima. A verdade é que nós temos produzido jovens que perderam o idealismo, a paixão e o fulgor. E este mal não tem sido produzido em laboratórios sofisticados custeados pelos demônios, não. Tem sido produzido nos lares. Que se retire da mente de nossos jovens que missão é sinônimo de miséria. Que se retire da mente de nossos jovens que missão é sinônimo de frustração. E que se pregue mais uma vez nos esquecidos cultos domésticos à “Glória” que é servir a Deus como poderosos Embaixadores do Céu. Que nossas mentes mais dinâmicas sejam tributadas a Deus, que nossos jovens mais zelosos sejam consagrados ao resgate dos perdidos, que as mentes mais promissoras funcionem para a Glória de Deus, que haja incentivo em meio às famílias e que estas não descansem enquanto a seara perecer por falta de seifeiros. Precisamos restaurar em nossa geração uma disposição que os inflame por almas.

Para que isto aconteça, creio que a única saída é restaurarmos no seio das famílias uma poderosa paixão pelas Sagradas Escrituras. Lembremo-nos do conselho do decano dos apóstolos “Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a Palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno” I Jo 2.14b. Para sermos uma família forte precisamos voltar a Palavra de Deus. Jó era um homem disponível porque conhecia o motivo de sua força: “nas suas pisadas, os meus pés se afirmaram; guardei o seu caminho, e não me desviei dele. Do preceito dos seus lábios nunca me apartei, e as palavras de sua boca prezei mais do que meu alimento” Jó 23.11-12. Jó sabia que só existia para servir a Deus. A semelhança de nosso Senhor Jesus Cristo que disse: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” Jo 4.34. Que belíssima afirmação. Cristo asseverava que a única coisa que o mantinha firme e lhe restaurava as forças (propriedade dos alimentos) era cumprir o pleno desígnio que lhe fora outorgado por seu Pai. A única coisa que Ele tinha a fazer era dispor-se. Nossa família precisa dispor o que possui de melhor a Deus.

Por fim, outra característica poderosa deste corifeu da fé é sem dúvida alguma a “Perseverança”. “Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos” Sl 126.6. Após a perca de todos os seus bens e de todos os seus filhos; este homem de Deus ainda teve que atravessar o tenebroso “vale da sombra da morte”. Diz o livro que leva o seu nome que diante de mais uma derrota, Satanás sugestiona a Deus que se tocado na “pele” Jó blasfemaria abertamente. Conhecendo seu servo, e na eminência de mais uma vez Glorificar o seu nome, Deus o permite. Ato contínuo, outra vez de posse de suas ordens, Satanás fere a pessoa de Jó com tumores malignos que o acometiam desde a planta do pé, até o alto da cabeça. Jó, tendo em vista seu estado, sentado em cinzas raspava-se com um caco. O que nos chama a atenção é que sua mulher, que tivera perdido todos os seus bens além de todos os seus filhos e todos os seus criados, ao ver o seu amado marido naquele estado caótico, não resiste a tamanho sofrimento e num ato muito forte assevera: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre” Jó 2.9. Por causa do terrível mal lhes afligido, a mulher de Jó, que não tinha sua estrutura, não resistiu e sucumbiu. Entretanto, Jó não se deixou levar e mais uma vez prorrompeu num segundo discurso que a semelhança do primeiro tem servido de estímulo e refrigério para milhares de pessoas ao longo dos séculos: “Falas como qualquer doida; temos recebido o bem e não receberíamos o mal?” Jó 2.10. Jó possuía uma Perseverança belíssima.

Precisamos fazer com que as famílias instruam-se sob a égide deste tipo de testemunho, angariando forças de exemplos como este. Pois, a batalha que nos espreita é terrível e só um soldado bem preparado prevalecerá. Gostaria, a título de exemplo, de citar um livro escrito pelo Pastor John Pipper, “O Sorriso Escondido de Deus”, neste livro ela fala circunspecticamente acerca de três compenetrados homens de Deus. Mas, tendo em vista o espaço, gostaria de citar-lhes ao menos um, nosso amado irmão John Bunnyan. Este homem, apaixonado pelo Senhor como era, não acolheu a ordem que lhe impingia a obrigação de comunicar a Cristo tão somente de sobre o púlpito, e saindo pelos campos e montes propagava a Cristo com um ímpeto tão contagiante que as pessoas rendiam-se a Cristo em converções tão singulares que chamaram a atenção dos clérigos. Estes, enciumados pela presença de Deus na vida de Bunnyan, acharam por bem manietar-lhe no cárcere da prisão. Todavia, o que mais o afligia não era a prisão em si, mas, ter que ver pelas grades gélidas de sua fétida cela, a sua amada filha, que cega, mendigava à rua que ficava em frente à torre. Que visão lastimosa! Talvez qualquer um de nós tivesse se recolhido a um sentimento de auto comiseração que desaguaria numa profundíssima depressão. Mas, Bunnyan não. Este buscou forças em Deus, e, de posse de uma pena, um cadinho de tinta e algumas poucas folhas clivadas, escreveu o livro que excetuando-se a Bíblia é o mais lido do mundo, o aclamado “O Peregrino”. Que exemplo de uma poderosa perseverança.

Concluindo, oro para que o Senhor da seara nos impulsione a vencermos os desafios que nossa geração nos impõe. Que as características exaradas do testemunho de Jó nos impulsionem a vencermos a inércia que insiste em nos afastar do embate. Que o Senhor por seu irresistível poder nos torne mais uma vez visionários inflamados, ávidos por um mundo melhor, mais saudável e iluminado. As circunstâncias nos são contrárias, o inimigo tem se fortalecido, e às vezes até avançado. Entretanto, jamais será adversário a altura da “Igreja do Deus Vivo, Coluna e Baluarte da Verdade”. Que haja sempre em nossos catecúmenos motivação, disposição e perseverança, pois, “a esperança e a chama da fé não se apagarão, enquanto jovens idealistas houver, e de vasos de barro, o Senhor nos suscitar grandes exemplos. Eu também tenho um sonho!”.

A Família é importantíssima para obra missionária!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A CONTEXTUALIZAÇÃO NÃO NOS TORNA LIBERAIS.

Nunca tive dúvida alguma de que quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo é o Espírito Santo de Deus (Jo 16.8). Este convencimento, por sua vez, é produzido através da Pregação da Palavra de Deus de maneira pertinente e significativa. Com base nisso, ao contrário de muitos não me preocupo com resultados imediatos, com conversões em massa, ou mesmo com a forma com que a mudança regeneradora ocorrerá na vida do indivíduo que recebe a Palavra, seja em contexto transcultural ou não. Creio veementemente que minha única função é comunicar o Reino de Deus através do Evangelho de Cristo, e que os resultados, ficaram por parte de Deus. Minha única missão é me deter na comunicação. E para que ela tenha virtude em minha boca, procuro fazer com que o meu caráter preceda a minha habilidade de maneira que a minha vida se torne à vida de meu ministério. Ato contínuo, acredito que uma das maneiras de que dispomos para que esta comunicação se estabeleça de maneira genuína, seria através da pura e simples ortodoxia, a qual emana de uma vida de piedade e santidade.

Chamo atenção para o fato de que a premissa de se comunicar o Evangelho de maneira contextualizada não pressupõe de forma alguma um desapego à ortodoxia, absolutamente. É através da herança reformada de que dispomos que vislumbramos uma comunicação que conduza o receptor da mensagem a um Deus Soberano que nos encontra em estado de completa depravação, e que mesmo assim, conforme sua soberana vontade, se compadece de nós através do sacrifício perfeito de Nosso Senhor Jesus Cristo. Atentem para o fato de que é através da pregação do Evangelho que Deus transforma a vida do pecador.

Comunicar um evangelho dissociado das doutrinas inalienáveis da reforma é uma completa perca de tempo, pois, a ortodoxia está para o evangelho, assim como a contextualização está para aplicação da mensagem. Notem que é através de uma visão progressista que a perfeita comunicação se efetua. O evangelho precisa ser pregado levando-se em consideração a identidade cultural de cada povo, assim como o momento histórico vivido por ele. Todavia, não há que se confundir visão progressista com liberalismo teológico. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, muito pelo contrário. O fato de se comunicar o Evangelho de maneira compreensível não pressupõe que o mesmo precise ser “diluído” para que as pessoas o compreendam. Isto é uma visão equivocada do que propõe a contextualização.

Muitos povos que teoricamente constam como “alcançados” infelizmente não estão tão bem evangelizados assim. Quando digo alcançados, necessariamente não associo presença evangélica com presença do evangelho. Existem povos que foram alcançados por evangélicos, mas que infelizmente não foram alcançados pelo evangelho. A Teologia Liberal em toda sua peçonha tem feito com que muito esforço e determinação culminem numa empreitada missionária desacreditada de verdade e vida. A comunicação de um evangelho que não expressa pormenorizadamente todo o desígnio de Deus não pode ser considerada salvífica, muito pelo contrário, é na verdade mais uma comunicação de engodo que precisa ser suplantada o quanto antes. Os liberais, hávidos por uma missiologia relacional, que suplanta a soberania de Deus, mais provocam dúvidas do que vida, e sempre que comunicam verdades apodíticas do Evangelho, o fazem de maneira que boa parte dos dogmas da igreja sejam vexosamente deixados de lado, para que ao seu bel prazer, às pessoas concebam um deus que não é o Deus soberano das Escrituras Sagradas, mas outro.

Em defesa da verdadeira missiologia, o missionário Ronaldo Lidório, sabiamente assevera que a comunicação intercultural do evangelho que não leva em consideração a contextualização, não passa de um simples compartilhar de idéias. Concordo plenamente. Porém, na mesma proporção, ao contrário do que crêem os liberais, creio que um Evangelho que não leve em consideração as verdades promulgadas pela Palavra de Deus em toda sua extensão, também não passa de um simples compartilhar de idéias. Ou seja, o evangelho pregado através de um viés neoliberal, em nada somará a vida dos ouvintes.

O que me faz prorromper em defesa dos sólidos alicerces ortodoxos em que repousam a missiologia genuína, são os comentários que vez por outra ouvimos de pessoas que pensam ser a comunicação contextualizada um sinônimo de liberalismo teológico. As doutrinas reformadas que emanam dos livros que relatam a história de missionários verdadeiramente comprometidos com o evangelicalismo retumbam em favor da práxis axiomática da comunicação centrada única e exclusivamente na Bíblia e comprovam que estão redondamente enganados todos os que pensam o contrário. Orgulho-me do fato de compartilhar o interesse pela compreensão do evangelho supracultural em contexto cultural com homens como o Apóstolo Paulo, Santo Agostinho, João Calvino, Martinho Lutero, William Karey, Hudson Taylor, David Brainerd, David Livinsgton, Jim Elliot e tantos outros que não compõem esta lista sucinta, mais que sem sombra de dúvida repousam seguros numa lista deveras mais importante.

É fato provado na história belíssima das chamadas “Missões Modernas” que o parâmetro que fez com que atuação missionária atendesse as expectativas almejadas foi a pregação da genuína Palavra de Deus na língua do povo de maneira a atender suas mais intimas expectativas. E isso, só foi possível graças ao legado imprescindível que nos foi deixado pela reforma. Falem na linguagem do povo! Era o grito de ordem dos nossos amados reformadores e foi ele que se fez ouvir no despertar missionário em tela. A ortodoxia que remonta o parecer apostólico e endossa nossas confissões de fé, é que foi decisiva para o despertar que nos impulsiona e alegra até os dias de hoje.

Depreende-se, que a comunicação conforme o padrão gramático-histórico das Escrituras, colocado em prática através da abordagem crítica da contextualização, nos dará a paz de que precisamos para deitarmos a noite e dormirmos tranqüilos na certeza de que “Estamos proclamando o Reino de Deus e vivendo o Evangelho de Cristo”. Mas, ainda assim, existem sempre aqueles que não querem dar ouvidos a verdade, conforme foi assaz demonstrada e continuarão a nos atacar rotulando-nos injustamente de liberais. Perseveremos, pois, existem muitos lugares para homens corajosos no céu, conforme bem nos alertou Paul Tournier:

O medo de ser julgado mata a
espontaneidade; impede os homens de se
manifestar e de se exprimir livremente, tal
como são. É preciso muita coragem para
pintar um quadro, para escrever um livro,
para construir um edifício com linha
arquitetônica nova ou pra formular uma
opinião independente, uma idéia original.


Nossa práxis remonta aquele que assumiu a semelhança de homem, o ápice da contextualização...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

SOBRE O PODER DE DEUS.

Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra”. At 1.8

Aproveitamos este feriado, mais uma vez, para investirmos no fortalecimento do “Corpo de Cristo”. Ousamos, sobe a égide do Espírito Santo, obedecer a grande comissão e romper com nossa Jerusalém (igreja local) empreendendo vôo, num ônibus velho, até Samaria (uma favela próxima). E lá, em meio a córregos fétidos e pessoas desconfiadas, vislumbramos um pouco do Poder de Deus.

Para muitos, principalmente no momento que estamos vivendo, recheado com a teologia Neo-Pseudo-Pentecostail, com o Teísmo Aberto, com a Teologia Relacional e com a saga da Teologia da Prosperidade. Poder de Deus seria pular, correr, marchar... Filosofar sobre o metafísico... Duvidar da Soberania de Deus... Ou ganhar muito dinheiro... Porém, para alguns nobres soldados do Reino, poder de Deus foi ver alguns adolescentes alimentando um moribundo que mal podia ficar de pé degenerado por tanta fome. Foi ver um seminarista, inconformado com as páginas gélidas dos livros, colocá-lo (o moribundo) confortavelmente sobre um carrinho de mão e conduzi-lo serpenteante, morro a cima, até a igrejinha próxima, para com todo amor e carinho: banhá-lo, vesti-lo, alimentá-lo e piedosamente evangelizá-lo. Restaurando-lhe, mesmo a parcos recursos, num vislumbre de tempo, sua perdida e tão cara dignidade.

Poder de Deus foi prorromper em meio a uma terra inóspita com uma centelha de esperança. Foi ver uma pequena multidão de crianças carentes sorrindo, mesmo que por um pouquinho de tempo, com as afáveis brincadeiras de nossas professoras da Escola Bíblica, todas devidamente fantasiadas e quebrantadas. Foi observar em meio a um sol tórrido e causticante, um singelo voluntário percorrer corredores estreitos e hostis no intuito de fazer um simples teste glicêmico, num popular que por motivo outro, não podia deslocar-se até nossa base (devidamente montada com caibros e lonas). Foi me emocionar ao ver uma jovem recém convertida propalando um convite que até alguns dias atrás lhe parecia tão distante, esforçando-se por conseguir o maior número possível de pessoas para ouvir, na tímida igrejinha de favela, a impactante Palavra de Deus.

Poder de Deus foi ver um grupo de jovens com a Bíblia na mão e os pés nos esgotos. Foi perceber as lágrimas nos olhos de uma velhinha que não estava com a pressão arterial alterada. Foi ouvir um “muito obrigado minha filha, que Deus a abençoe!” Quando o simpático ancião concluía o seu corte de cabelo. Foi observar uma fila que insistia em não ter fim a espera de algumas poucas roupas doadas e surradas. Foi deixar aquela favela um pouquinho mais feliz ao final de mais um projeto evangelístico...

À tardinha, levantamos acampamento após um culto vivo, santo e agradável a Deus e dentro de nosso algoz transporte velho (que nos levava daquele amado lugar) vimos lacrimosos a igrejinha de favela se perder entre os barracos no limiar do horizonte distante. Reclinando-nos aos bancos, em silêncio, volvemos o pensamento ao longe... Valeu a pena! Valeu a pena!

Ao término desta épica empreitada missionária. Apenas o nosso Deus em sua Onisciência saberá discernir o impacto sentido por nossa comunidade ao conviver por algumas horas com aquela gente humilde e amável. Apenas Ele poderá aferir a mudança que experimentará aquela comunidade depois desta humilde, mas poderosa experiência de amor e operosidade.

Isto sim é Poder de Deus!

Por fim, no afago de minha família, após esta maravilhosa experiência, concluo corroborando o amado que poetizou nossa história...

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina


A morte até pode ser a mesma, mas a vida enquanto é vida, pode ser vivida.

Graças ao evangelho, Poder de Deus!

sábado, 10 de abril de 2010

O CONTEXTO E A COMUNICAÇÃO


Compartilhar a mensagem cristã de maneira pertinente e significativa tem sido o maior desejo dos servos de Deus ao longo de toda a história do cristianismo. A princípio isto era relativamente fácil, uma vez que, quando do início da igreja, as pessoas se comunicavam tão somente com indivíduos que faziam parte de uma mesma cultura – a israelense. Todavia, com a expansão do cristianismo, novas pessoas de culturas completamente diferentes se viram necessitadas de absorver essa nova realidade espiritual que possuía plenas condições de transformar suas vidas. Esta necessidade de transformação e salvação foi fomentada justamente pela exposição da mensagem cristã, fato que de antemão tinha sido ordenado pelo seu idealizador, o Senhor Jesus Cristo. Esta ordem de comunicar a mensagem (Evangelho), que foi sancionada quando da descida do Espírito Santo no princípio da igreja (pentecostes), unida ao sentimento de urgência que emanava daqueles que pereciam sob a égide de um mundo que jaz no maligno, foi o combustível que impulsionou a expansão do cristianismo.

É fato que os discípulos tinham sido comissionados a compartilhar a mensagem, não só em Jerusalém, mas em toda Judéia, Samaria e até os confins da Terra – “Mas recebereis poder, ao descer sobre voz o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda Judéia e Samaria e até os confins da Terra” (At 1.8). Jesus utilizou estes termos locais como exemplos para ilustrar o fato de que toda humanidade carecia concomitantemente da restauração que provinha do evangelho e que a igreja era o órgão responsável por essa divulgação das Boas Novas. Por causa destas premissas – a grande comissão de Jesus e a urgente necessidade do mundo que clamava e clama por reconciliação –, a igreja, enquanto detentora deste poder restaurador e reconciliador, se viu com um problema (enquanto pertencente a uma cultura) diante de si: como compartilhar o evangelho de Jesus Cristo de maneira pertinente e significativa numa cultura completamente diferente da que a mensagem foi concebida e da que os missionários faziam parte?

A solução, encontrada a princípio por Jesus, e posteriormente utilizada por seus apóstolos, atualmente é o que entendemos ser o método Contextualizado. Jesus demonstrou através de seu ministério e do legado que deixou para os discípulos que para que uma mensagem concebida em contexto intracultural tivesse plenas condições de alcançar todo o mundo habitado, ela precisava ser comunicada de maneira supracultural (por que de fato ela é), ou seja, ela precisava ser fundamentada e extraída única e exclusivamente da Bíblia, todavia, através de parâmetros culturais inerentes ao indivíduo, os quais funcionassem como uma ponte para perfeita compreensão da mensagem, desde que os mesmos parâmetros não se encontrassem em discordância com o teor supracultural e sagrado da mesma. Isto é, a mensagem precisava ser comunicada de maneira contextualizada.

É a fundamentação deste “Pensamento Contextualizado” que dá sentido ao estudo das culturas e nos faz inteligíveis internacionalmente com a mensagem das “Boas Novas” de Salvação. Corroborando este pensamento, acreditamos ser inexorável fundamentar esta necessidade se o que realmente desejamos é uma perfeita comunicação transcultural.

Conforme se observa, é imprescindível que antes de qualquer atividade in loco conheçamos peremptoriamente as nuances culturais em tela e a perfeita relação (sempre crítica) entre o conteúdo cultural do povo alvo e a propagação do evangelho. Este plano de metas visa comprovar que cada povo possui sua própria identidade cultural, fato que justifica (não necessariamente) uma “abordagem diferente” para cada situação. Assim, uma vez definidos os principais objetivos que antecedem a atividade missionária, a Comunicação do Evangelho transcorrerá de maneira que os perigos do sincretismo e da alienação sejam poderosamente evitados. Ato contínuo, a genuína Palavra de Deus estará mais uma vez a realizar sua obra restauradora.

Por causa disso, depreende-se que a perfeita comunicação só pode ser conseguida em toda sua extensão através de uma perspectiva que solidifique a idéia de uma comunicação intercultural eficaz, através de um sólido conhecimento cultural prévio e da poderosa ação impulsionadora do Espírito Santo.

Que o Senhor da seara nos abençoe!

quarta-feira, 17 de março de 2010

PERSPECTIVAS DO CULTO AFRO-BRASILEIRO


Não é nosso interesse comentar toda riqueza cultural do culto Afro-Brasileiro, uma vez que, seria praticamente impossível. Mas, como temos recebido dicas para escrever sobre o assunto, resolvemos tratar de pelo menos uma única “nação tribal”, por entendermos, que é a etnia que mais contribuiu, dentre as várias que se somaram, para formação do culto afro tal como o conhecemos nos dias de hoje. Por causa de sua imensidão e tendo em vista a pobre divisão do continente africano baseada (apenas no papel) em “raças” e “áreas culturais”, as quais são deveras insuficientes (como os conflitos tem demonstrado), achamos por bem nos determos numa única região geopolítica, a chamada África Ocidental, e nesta, trataremos do maior tronco tribal do continente, os Yorubas. Foram justamente os Yorubas que mais contribuíram, tendo em vista suas características, para formação do rito afro-brasileiro como o temos hoje.

Os cultos de origem afro surgiram no Brasil por volta de 1850. As origens federativas destes cultos são diversas, não se podendo detectar tamanha profusão sincrética. Para os historiadores da religião, este apêndice não possui maiores relevâncias, uma vez que, independentemente de seus países de origem, tais cultos apresentam em sua multiformidade nuances autenticamente “africanas”, as quais variam desde as exóticas possessões pelos orixás até as famosas danças extáticas dos terreiros. Por causa de tamanha elasticidade cultural, a cada nova região política, levando-se em consideração as proporções continentais que compreendem o Brasil, o culto afro recebe uma nomenclatura diferente. No Nordeste, por exemplo, o culto é chamado de Candomblé. Este rito tem por base a anima (alma) da natureza, sendo portanto chamada de anímica, fora desenvolvida no Brasil com o conhecimento dos sacerdotes africanos que foram escravizados e trazidos da África para o Brasil, juntamente com seus Orixás, sua cultura, e seu idioma. No Sudeste temos a Macumba. E por fim, sendo a mais popular, a Umbanda oriunda do Rio de Janeiro, a partir de meados de 1925 á 1930.

Estas práticas religiosas, a princípio veementemente proibidas no Brasil, hoje representam uma fatia considerável da vida religiosa do nosso povo. Isso se deve principalmente ao fato de que com a abolição dos escravos, os negros (seres humanos duramente humilhados pelo seu semelhante) obtiveram uma maior liberdade (há controvérsias) para aperfeiçoarem a adoração laica que até então era peremptoriamente secreta (esta oriunda de seus respectivos países de origem), tendo em vista a iminência de possíveis (sempre presentes) maus-tratos por parte de seus “senhores cristãos”. Por causa desta pseudo-liberade a proliferação do culto-afro ganhou as raias do país há uma velocidade vertiginosa e em menos de um século já despontava fulgurante como uma das religiões que mais cresciam nas terras de Santa Cruz. Some-se a isso, o fato da religião ter se tornado semi-independente em regiões diferentes do país. Esta parcela de liberade foi fundamental para o fortalecimento étnico do culto-afro, uma vez que, os escravizados do Brasil pertenciam a diversos grupos étnicos diferentes, como os yoruba, os ewe, os fon, e os bantu. Entre esses grupos étnicos diferentes evoluíram diversas "divisões" ou nações, as quais se distinguiam entre si principalmente pelo conjunto de divindades veneradas. Fato que não só multiplicou a presença afro no Brasil, como também contribuiu indelevelmente para disseminação de sua cultura religiosa, se bem que, em algumas regiões (tendo em vista as distâncias), com características bastante diferentes, todavia, não deixando de serem siamesas culturalmente.

Étnicamente um grupo em especial se destacou quando da proliferação do culto-afro no Brasil, o grupo dos yorubas. Foram estes que mais contribuiram para a religião em destaque (afro-brasileira) conforme a conhecemos. O rito dos yorubas entre os africanos é provavelmente o que possui maior número de adeptos (cerca de 15 milhões). Dai um dos motivos para sua épica propagação no Brasil (a quantidade de seguidores). Uma vez conhecedores do grupo étnico que mais contribui para propagação deste rito, passaremos, então, ao estudo de suas práticas, pois, elas nos esclareceram o desenrolar destes ritos. Segundo Mircea Eliade, ainda neste século, a coletividade yoruba era dominada por uma confraria secreta que nomeava o mais alto representante do poder público, “o rei”. Antes de sua nomeação, o rei de nada sabia, pois não era membro da confraria dos Ogbonis.

Ainda segundo Eliade, particiapr deste círculo fechado (confraria) significava falar uma língua inteligível aos profanos e praticar formas de arte hierática e monumental inacessíveis aos demais yorubas. O culto dos yorubas até hoje continua um mistério. Sabe-se, porém, que no centro encontra-se Onila, deusa mãe do ile, que é o “mundo no estado caótico”, antes de organiza-se. O ile opõe-se, por um lado, ao orum, que é o céu enquanto princípio organizado, e, por outro, ao aye o mundo habitado proveniente da ação do orum no ile. Enquanto todos conhecem os aspectos assumidos pelos habitantes do orum, dos orixás que são objeto de cultos exotéricos, e do deus otiosus Olorum, que não é cultuado, a presença do ile na vida dos yorubas é sempre misteriosa e carregada do inquietante subterfúgio da ambivalência feminina. Desta ambiguidade temos, a princípio a deusa Yemanjá que é fecundada pelo próprio filho Orungã, e cujos produtos do incesto constituem grande número de deuses e espíritos. Yemanjá é a mestra das feiticeiras yorubas, que a tomaram por modelo dado o desenrolar excepcional e atormentado de sua vida.

Há ainda uma outra situação, cuja feiticeira chama-se Vênus Yoruba, Oshum, protagonista de todos os divórcios e escândalos. Nesse corolário temos ainda Obatalá, o deus criador para os yorubas, é justamente com ele que Orum enviou para o aiyê o deus dos oráculos, ou seja, a capacidade de se adivinhar, conforme vemos praticamente em todos os ritos afros. Ato contínuo, outro orixá importante nesta cadeia yoruba é o Exu. Este têm por função provocar o riso, e por outro, a trapaça. E por fim, tem-se o padroeiro dos ferreiros yorubas, o deus guerreiro Ogum.

Para os yorubas, ancestrais diretos de boa parte dos ritos afro-brasileiros, na morte do homem as partes componentes do seu corpo retornam para os orixás que as redistribuem pelos “recém-nascidos” (fato que explica a crença das manifestações singulares, “em nome de”). Há, porém, componentes imortais, pois os espíritos podem voltar para terra e tomar posse, conforme sua vontade, de um dançarino Egungum (fato que explica a manifestação de entidades em terreiros e mesas), e estes, têm como função, transmitir as mensagens dos mortos para os vivos.

Uma vez compreendido o aparato histórico, não me deterei nas diversas relações entre a cultura afro e o culto brasileiro. Tão pouco vou procurar pontes culturais para uma possível comunicação. Mas, discorrerei por uma humilde e por hora única perspectiva.

Sendo assim, através desta premissa, temos um vislumbre de como é grande a necessidade espiritual por parte das pessoas que abraçam estas doutrinas, estes ritos. Observe, que para os adeptos destas religiões de reminiscências afro, Obatalá seu deus criador, não itervém de maneira pessoal na vida de seus adoradores (deus otiosus), mas, apenas lhes envia um “espírito de adivinhação” o qual lhes capacita a burlarem as situações difíceis da vida. Enquanto que sua esposa Onila, deusa mãe do caos, da desorganização e do amorfo, que na cultura supra é conhecido como o ile, o mundo em seu estado caótico, luta contra o Orum, o princípio organizado, o céu. E trava batalha também contra o aiyê, o mundo habitado pelos vivos. Desta batalha espiritual concebida desde o topo da pirâmide dos seres espirituais que compõem a cúpula do panteão yoruba, cuja líder é Onila, surge através de incesto, duas peças principais não só na cultura nativa, mas, também na brasileira, em parte fruto desta cultura, são elas Yemanjá e Oshum. A primeira mestra das feiticeiras e a segunda rainha de todos os divórcios e escândalos.

Há! se ao menos nossos queridos irmãos yorubas ouvissem falar a respeito de um Criador Pessoal, Onipotente, Onipresente e Onisciente. Que não se retira de nossas vidas em momento algum, que se compadesse de nossas falhas e angústias e que está conosco todos os dias até que os céus se restaurem. Que diferença enorme faria para nossos corajosos yorubas, se eles soubessem que não existe nenhum tipo de contenda no caráter inabalável deste Deus que é perfeito em tudo que faz. Que nos enviou seu Filho Unigênito não para ser Rei sobre a discóridia, a intriga ou a confusão. Mas, para instaurar um tempo de paz e alegria, fundamentado no mais perfeito de todo os solos, o do coração. Que grande abismo existe entre um caráter inabalável e um declaradamente dúbio? Como pode-se viver nos abismos quando devería-se estar nos píncaros verdejantes?

Há cruciantes questionamentos! Não sois válidos em vós mesmos, porque, se estes fossem esclarecidos outrora, “não precisariam de pau-oco”, e eles mesmos, hoje, seriam preenchidos!

Louvo ao Senhor pelo fato de que mais e mais irmãos afrodescendentes têm descortinado diante de si o triste véu da ignorância espiritual e concorrido para o esclarecimento e libertação dos demais através do Evangelho Supracultural. Concordo com o amado Bispo Nordestino, “Nem toda manifestação cultural africana é tida como demoníaca, ou intressecamente relacionada a macumba. O preconceito etnocêntrico, a ignorância antropológica e a deplorável falta de intercâmbio com as igrejas concorrem para o fortalecimento desse erro de visão”.

A cada dia mais e mais afrodescendentes tornam-se cristãos, todavia, oro para que eles não tornem repugnante sua belíssima cultura, mas que apenas, como todos os demais, façam uma assepsia naquilo que não louva a Deus. Pois, ser cristocêntrico não impede a beleza das roupas, dos gostos, da alegria e da musicalidade. Em meu orgulho inflamado, vou até mais longe, e creio veementemente que se evangelizados por africanos, com certeza, os bombos e atabaques por aqui tocariam para Jesus.

Mas uma vez, citando o amado Bispo, se é estado laico, então, que sejam bem vindos os genuínos e apostólicos “Terreiros de Jesus”.

terça-feira, 2 de março de 2010

A RELEVÂNCIA DO CONTEXTO.


O contexto é importantíssimo para perfeita comunicação do Evangelho, pois, conforme oficializou o Relatório da Reunião de Consulta para Evangelização Mundial, ocorrido em 1978, na Cidade de Somerset Bridge, Bermudas, patrocinado pelo grupo de Teologia e Educação de Lausanne, se retirarmos o homem de seu meio cultural abruptamente, uma ruptura ocorrerá em seu meio social, fato que para os eruditos que elaboraram o relatório seria uma catástrofe, pois, conforme afirmam, homens e mulheres precisam de uma existência unificada. Sua participação em uma cultura é um dos fatores que lhes proporciona pertencer a algo. A cultura da um sentido de segurança, de identidade, de dignidade, de ser parte de um todo maior e de partilhar a vida de gerações anteriores e também das expectativas da sociedade com respeito ao seu próprio futuro. Se privarmos o homem desta experiência prática, nem todo conhecimento do mundo o fará pertencer a algo novamente, pois, segundo uma das mais confiáveis teorias sobre a inteligência humana de que se tem notícia (inteligência multifocal), o conhecimento humano jamais é deletado e reescrito, e sim, reeditado.

Esta premissa aponta para a questão de que não funciona comunicar o “erro” (pecado em nosso caso) a partir da perspectiva cultural do comunicador da mensagem (missionário que se coloca numa posição de superioridade), mas, a partir da cultura do próprio indivíduo (através de parâmetros contextualizados), fato que fará com que o mesmo (nativo), compreenda a dimensão do que está ocorrendo com ele de maneira pertinente e significativa, recebendo, assim, uma mensagem estritamente fundamentada, sem, no entanto, ter que diluí-la para isso. Nesse processo, a ortodoxia é estritamente preservada, nenhum tipo de pressuposto sincrético, ou mesmo liberal, tem parte no processo evangelístico, antes, a sólida teologia apostólica é comunicada axiomáticamente. A contextualização consiste de um compromisso com a perfeita comunicação e não num desapego a genuína evangelização, este preceito, é sempre apodítico.

Com base nisso, um dos textos sagrados que fundamentam muito bem esta premissa é encontrado no Evangelho de João, capítulo 7, versículos de 37 a 44.

Trata-se, resumidamente, da passagem de Jesus em Jerusalém por volta da comemoração de uma das três festas mais importantes para todo judeu, A Festa dos Tabernáculos. Conforme lemos, decorria-se o último dia da festa, deveras, o mais importante, pois, necessariamente neste dia, numa tradição que permeava as raias culturais em tela desde tempos outros, cada cidadão, num cortejo devidamente orquestrado, empunhava ramos de oliveira nas mãos, ao mesmo tempo em que orava por sete vezes ao redor do Altar das Ofertas Queimadas. Todavia, culturalmente falando, o fato que nos chama atenção é que durante os dias que antecediam este em questão, um sacerdote trazia um pouco de água em um vaso de ouro, água esta que, por sua vez, havia sido tirada do Tanque Siloé. Assim, sendo acompanhado pelo cortejo supra, o sacerdote seguia até o Templo, onde, diante do Altar, despejava a água, juntamente com vinho, ao mesmo tempo em que toda cerimônia era regada ao som da Halel (Salmos 113-118).

Para o devoto judeu, esta metódica cerimônia simbolizava, ou melhor, comemorava a provisão de água, fomentada por Deus, quando outrora, a rocha fora ferida por Moisés. Ato contínuo, também tinha como alvo buscar a benesse de Deus em favor de um ano bem servido por chuvas caudalosas, que, providencialmente, contribuiriam para um ano de colheitas fartas.

Ora, não é de admirar que neste contexto um pouco de água detivesse tamanho poder sobe as atenções do povo, pois, em se tratando de reservas hídricas, estamos falando de uma das regiões mais áridas do mundo. Depreende-se, desta nuance geográfica, que a água possuía um valor importantíssimo na vida dos judeus, e que, a simples menção há um ano desprovido sequer de poucos milímetros desta dádiva celeste, fomentava, obviamente, uma altercação no zelo de qualquer destes.

Sabendo disto, conforme percebemos, Jesus, sempre poderoso em palavras, numa profícua demonstração da importância do contexto para comunicação do Evangelho,talvez, procurando uma posição que o destacasse da multidão, gritava : “Se alguém tem sede, venha a mim e beba!”. Que mensagem! Isto sim é o que chamo de comunicar na linguagem do povo! Ora, todo aquele rito girava em torno do aprovisionamento de água, pois, conforme o povo compreedia ela era a "Fonte da Vida". Assim, através desta ponte cultural, Jesus, categoricamente afirmava: Eu Sou a fonte da Vida!

Pertinência, significância, esclarecimento, que mais poderia eu acrescentar a tão breves palavras que até hoje ressoam tão poderosamente. A verdade é que as pessoas procuravam suprir suas necessidades através de uma adoração vazia, pelo viés de uma cerimônia que exalava tradição por seus poros, mas, que não as conduzia ao encontro daquele que controla não só a chuva, mas, o Rio da Vida. Jesus demonstrava ao povo que eles não precisavam se desesperar, rasgar as vestes, chorar as cargas, ao simples fato de um tropeço do sacerdote que, inevitavelmente, derramava um pouco daquela riqueza tão cara e rara em suas debilidades. Ele dizia, em palavras assimiláveis, quem tiver sede, venha a mim e beba! Eu posso, dizia, agora mesmo, lhes transmitir a vida que a água vos transmite, e não apenas isso, mas, lhes proporcionar um advento de vida tal, que de seus ventres, fluirão rios de água da vida (V38).

Perceba, toda aquela multidão, implorando a plenos pulmões, hosana, hosana, hosana, tão somente procurando o auxílio do Deus Todo Poderoso, dizendo: Ó Senhor ajuda-nos! E Jesus, em resposta ao clamor do povo, respondendo de maneira que todo judeu (literalmente, pois, se tratava de santa convocação) lhe compreenderia prontamente, salvíficamente. Pois, em maior medida, a mensagem de Cristo lhes impulsionava não apenas a um novo direcionamento hídrico, mas, sobretudo, a uma novidade de vida que extrapolava a da simples água mineral, e saciava-os pela espiritual.

A profusão de um único rio talvez já bastasse, entretanto, Ele usa rios (plural), o que subtende o abastecer não só de uma única vida em especial, mas, de quem estiver disposto a recebê-lo.

Logicamente, conforme citado no verso (39), Jesus falava-lhes simbolicamente em referência ao Espírito Santo que haveria de receber todo aquele que n’Ele cresse. Mas, que não poderia ainda ser concedido, uma vez que, o próprio Jesus ainda não tinha sido glorificado, fato que inegavelmente apontava para o “derramar” do Espírito Santo, que ocorrera, posteriormente, no Pentecostes. O fato, é que este derramar, outrora prometido, hoje, é uma realidade “perene”, e disponível a todo aquele que, com sede, luta por suprir a cruciante necessidade da manutenção da vida, e esta, física e espiritual.

Hodiernamente, conforme bem dizia Dostoievski, as pessoas estão sim preocupadas em suprir suas necessidades, todavia, a semelhança dos antigos judeus, através de práticas que jamais conseguirão, pois, nas palavras do célebre escritor russo:

DENTRO DE CADA HOMEM EXSITE UM VAZIO DO TAMANHO DE DEUS.

Enfim, o que jesus estava procurando dizer era:

Preencha-se!

domingo, 7 de fevereiro de 2010

OBELISCOS, APENAS ARTE?


Símbolo de beleza e ostentação, ou apenas uma cicatriz no rosto de algumas cidades? Essas são algumas das perguntas que elaboramos ao contemplarmos os famosos Obeliscos.

Do latim obeliscus, trata-se de um monumento comemorativo, típico do Antigo Egito (ou da Babilônia?), constituído de um pilar de pedra em forma quadrangular alongada e sutil, que se afunila ligeiramente em direção a sua parte mais alta, podendo (ou não) ser decorado com inscrições hieroglíficas gravadas nos quatro lados, terminando com um ponto piramidal (fálico).

Os mais antigos obeliscos eram feitos a partir de apenas uma única peça de pedra monólitos. Todavia, tem-se relatos de outras culturas que mesmo separadas por dezenas de quilometros dos egipcios (como os povos do oriente com seus zigurates), também tinham como costume a prática de se construir tais “monumentos”. Entretanto, devido as diferenças históricas no decurso do desenvolvimento de cada cultura, essas peças, embora possuissem o mesmo objetivo (para uns um meio para o céu, para outros um observatório), não eram elaboradas a quiescência egipcia. O que se percebe, é que mesmo diferindo uns dos outros no que diz respeito ao material de que foram produzidos, tais elevações influênciaram indelevelmente as cultras a que pertenceram. Mas, porque? É está pergunta que vamos procurar responder.

In Ilo tempore, fixar uma Cruz num território conquistado equivalia a consagração da região (abordagem a partir da história da religião), e de certo modo, a um novo nascimento, pois, com esta atitude, a terra conquistada recentemente era “renovada”, “recriada” pela Cruz (fenomenologicamente). Este processo religioso encerrava em si um Ato Cosmológico, uma vez que, o sagrado possui a característica de revelar a realidade absoluta e ao mesmo tempo, torna possível a orientação – portanto, funda o mundo, no sentido de que fixa os limites e, assim, estabelece a ordem cósmica. Todo local que ainda se encontra desconhecido, estrangeiro, ou desocupado (muitas vezes desocupado por “um dos nossos”) ainda encontra-se no caos.

É justamente a premissa de solucionar a instauração do caos que funda o mundo, o surgimento do espaço organizado, Cosmos, implica sempre uma irrupção do sagrado que tem como resultado dastacar um território do meio amorfo que o envole e o torna qualitativamente diferente. É a presença do sagrado que traz pertinência a existência e transforma o Caos em Cosmos.

Geralmente, o espaço habitado que hoje é ocupado por boa parte das culturas ao redor do mundo, foi instaurado num tempo mítico, pelos ancestrais de cada povo respectivamente. Desta forma (conforme as tradiçoções), para se manter na presença sagrada que foi instituida por este ancestral e que delimita o limiar entre o espaço sagrado (ocupado pelo povo) e o profano (onde ainda impera o caos) é necessário algo que delimite exatamente esta esfera de atuação, e que faça uma plena distinção (limiar) entre o mundo fundado e o desorganizado.

Estar no local exato é vital para manutenção da vida, pois, uma vez perdido o contato com o mundo criado, perde-se também o contato com o deus protetor, o que acarretaria (espiritualmente/culturalmente dependendo-se da crença) o fim do mundo. Cada hierofania representa o centro do mundo ontologicamente, assim, perder-se deste território acarretaria, portanto, uma total falta de orientação, o ressurgimento do caos, da relatividade e do amorfo. Com a perda do “Ponto Fixo” absoluto, o homem deixaria de viver no “Centro do Mundo”, onde deus habita e assim estaria sozinho.

Para impedir que tal desgraça aconteça (para estas culturas), é que entra em cena o Obelisco. Pois, ele possui a finalidade de funcionar como o limiar (ponto-base), é ele quem demarca o local e propcia a continuidade do espaço, pois tudo o que está a sua volta torna-se consagrado, daí sua grande importancia religiosa, pois, ele é o simbolo e ao mesmo tempo o veículo de passagem para o mundo dos deuses. Para os povos destas culturas, é o obelisco quem propicia o contato entre os homens e o céu.

Esta característica cultural fica bastante clara quando se avalia circunspecticamente seus povos. Por exemplo, observando-se as tradiçoes dos Achilpa, uma tribo Arunta, percebemos que o ser divino Numbakula (seu ancestral mítico), cosmizou nos tempos míticos as terras por eles acupadas e fundou, com este rito, o seus territórios. Os Arunta acreditam que de uma “árvore da goma”, Numbakula moldou o poste sagrado (espécie de Obelísco de madeira), e despois de tê-lo ungido com sangue, trepou nele e desapareceu no céu. Desde então, este poste representa o eixo cósmico que delimita o espaço dos Achilpa, pois, foi à volta dele que o território se tornou habitável. Por causa disso, durante suas peregrinações, os Achilpa transportam-no sempre consigo e escolhem a direçõa que devem seguir em suas peregrinações de acordo com a inclinação do poste. Isto permite que os Achilpa estejam sempre no “seu mundo” e, ao mesmo tempo, em comunicação com o céu, onde Numbakula desapareceu. Se o poste se quebra, é uma catastrofe, é de certa forma, o “fim do mundo”.

Para os Kwakiutl, seu “Poste de Cobre” atravessa os três níveis cósmicos (o mundo de baixo, a terra, e o céu), no ponto onde o poste toca o céu, encontra-se a porta do mundo do alto. O Axis mundi que se vê no céu (Via Láctea), torna-se presente na vida (culto) do povo, pela obra dos deuses na forma de um “poste sagrado”. Na cultura Kwakiutl, este monumento é composto por um tronco de cedro de dez a doze metros de comprimento. Esse pilar desempenha um papel capital nas cerimônias, pois, para este povo, é ele que confere uma estrutura cósmica ao rito (casa). A casa dos Kwakiutl, pela intervenção cultual do poste, torna-se o centro do mundo.

Depreende-se, através deste breve esplanação, que para estas culturas os três níveis cósmicos (inferno, terra e céu) interagem através desta “Coluna Universal”, Axis Mundi, que sustenta o Céu e a Terra, e cuja base se encontra cravada no mundo de baixo, inferos. Esta coluna cósmica só pode situar-se no próprio centro do universo, pois a totalidade do mundo habitável espalha-se a volta dela. É a presença do Obelísco (poste sagrado) que organiza o espaço a sua volta e define o comportamente religioso destes povos. Perceba, que é este ínfimo objeto que culturalmente faz a ligação (simbolicamente) entre o homem (nativo) e o seu deus (mítico). Oxalá, eles ao menos ouvissem a respeito do Verdadeiro Caminho, expressado pela mais poderosa Verdade que inevitavelmente produz a mais abundante Vida. Mas, como ouvirão se não há quem pregue? Enfim...

Deixando o contexto cultural de lado, uma vez compreendido insofismavelmente a forma como estes objetos são edificados, é de causar um imenso pesar o fato de se refletir a cerca de culturas tão piedosas, que procuram incesantemente uma solução para o caos em que vivem, e que se “contentam” (por falta de alternativas?)em habitar uma área pseudo-santificada por um poste-monumento, quando na realidade, eles ainda não sabem de onde vieram, onde estão, e nem para onde vão. Como podem viver assim a deriva?

Acredito que é tempo de saltarmos no meio destes povos, vestes rasgadas, gritando a plenos pulmões:

Varões, por que fazeis essas coisas? Nós, também, somos homens como vós, sujeitos às mesmas paixões, e vos anunciamos que vos convertais dessas vaidades, ao Deus vivo, que fez o céu, e a terra, e o mar, e tudo quanto há neles;
O qual, nos tempos passados, deixou andar todas as gentes em seus próprios caminhos.
E, contudo, não se deixou a si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de alegria os vossos corações.

Trazendo em fim a verdadeira“Solução para o Caos!

Mas, para alguns, obeliscos continuaram sendo apenas arte...

sábado, 23 de janeiro de 2010

A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO CULTURAL.


Para fundamentar nossa premissa de que para que haja uma perfeita comunicação intercultural é preciso que haja conhecimento cultural prévio, tomaremos como base a inesquecível abordagem do Apóstolo Paulo à intrigante cidade de Atenas.

Culturalmente falando a “Fina Flor do Velho Mundo” sempre esteve um passo a frente das demais. Segundo Bruce, as esculturas, a literatura e a oratória de Atenas nos séculos quinto a quarto a.C. nunca foram superadas; na filosofia, ela sempre ocupara lugar de liderança, pois era a cidade de origem de Sócrates e Platão e adotiva de Aristóteles, Epicuro e Zenom. Sua influência cultural também pode ser facilmente percebida na era helenista, pois foi o dialeto ático do grego, falado a princípio apenas em uma região muito restrita, em comparação com o jônico e o dórico, a base principal do koine.

Em se tratando de religião, Atenas era uma cidade idólatra. Em toda parte havia sinais de idolatria. Numa única rua podiam-se encontrar os templos de Atena, Artêmis e Afrodite. Ao lado deles havia altares dedicados à guerra, fama, piedade e modéstia. Segundo Ball, “em toda cidade havia três mil estátuas e altares onde os atenienses ofereciam sua adoração vazia”. Lucas conta que Paulo via os templos, altares e imagens de Atenas com os olhos de alguém que foi criado no espírito do monoteísmo judaico e do princípio de não fazer imagens, do segundo mandamento do decálogo. Ou seja, com o coração ávido por uma grande mudança.

Por causa de tamanha idolatria e do enorme número de deuses, não faltavam cidadãos atenienses ao pé da Acrópole, na ágora, trocando as últimas notícias, ou esperando que novos comunicadores aparecessem para discutir com eles a natureza do ser divino. Segundo Bruce, “alguns deles professavam ser adeptos das escolas de filosofia dos estóicos ou dos epicureus”. Quando estes comunicadores apareciam e se destacavam em sua eloqüência (caso de Paulo), eles eram convidados a se expressar no Areópago. Acredita-se que as circunstâncias que norteavam o dia a dia do Areópago eram semelhantes à de um Tribunal. Assim, pelo fato de Paulo estar recomendando os cidadãos atenienses a divindades estrangeiras, digamos que ele se colocava sob a jurisdição do “Tribunal do Areópago”.

Paulo entendia a importância do momento que vivia, e sabia exatamente a responsabilidade de pregar num lugar que expressava tamanha importância e que remontava enorme eloqüência e sabedoria. Mas, ele não podia ficar calado mediante tamanha afronta ao Deus Vivo.

Segundo Richardson, a idolatria, por sua própria natureza, possui um fator inflacionário embutido. Uma vez que os homens rejeitem o Deus Único, onisciente, onipotente e onipresente, preferindo divindades menores, eles finalmente descobrem – para sua frustração – que um número infinito de divindades inferiores é necessário para preencher o espaço deixado pelo Deus verdadeiro.

Essa, na visão do apóstolo, era a resposta para o enorme panteão que lotava a “Capital da Democracia” e o motivo pelo qual ele se colocaria à frente de homens culturalmente avançados para expor sua maravilhosa mensagem, mesmo que estes, em seu histórico tribunal, o ultrajassem.

Percebe-se, pela autoridade dos eruditos que avaliavam as mensagens no Areópago, que Atenas era a cidade mais desenvolvida da Europa, no que diz respeito à filosofia, democracia, artes e retórica. Todavia, no que tange a religião, Atenas estava mergulhada num contexto idólatra, o que a transformava numa cidade espiritualmente néscia, fato que a conduzia a uma adoração vazia. Em Atenas, os “deuses” que eram reverenciados em nada somavam ao cotidiano das pessoas, uma vez que, por causa de tamanha quantidade, os mesmos eram inevitavelmente impessoais (mesmo porque não eram divinos). Mensagens que se diziam “metafísicas” eram assunto de esquina na Atenas daquela época, por isso, praticamente todos os habitantes tinham algo a dizer a respeito de uma enorme variedade de deuses diferentes.

Foi neste contexto sincrético e pagão que o “Apóstolo aos Gentios” se propôs a pregar a única mensagem verdadeiramente investida de autoridade divina. Mas, como comunicá-la de maneira singular? Como torná-la diferente no que diz respeito à divindade? Como diferenciá-la da grande quantidade de mensagens espiritualmente vazias que eram pregadas a todos os momentos? A forma que Paulo encontrou para comunicar a mensagem atendendo a cada uma destas prerrogativas foi fazê-la de maneira contextualizada.

Mas, onde encontrar uma ponte, um “abre olhos”, para que os atenienses compreendessem em parâmetros culturais locais o que ele estaria dizendo? De que forma ele explicaria sua mensagem sem utilizar termos contaminados pelo sincretismo que grassavam aquela cidade? Para isso, Paulo tinha que conhecer muito bem a cultura ateniense. Tinha que compreender o vocabulário utilizado pelo povo e quais as suas raízes históricas e etimológicas. Ou seja, para que Paulo tivesse plenas condições de comunicar a mensagem de maneira pertinente e significativa, transmitindo todos os valores do Reino de Deus, sem, no entanto, diluir a mensagem para compreensão dos atenienses, ele precisava de conhecimento cultural prévio, precisava se comunicar de maneira que o povo o compreendesse. Felizmente, Paulo possuía este conhecimento, fato que é comprovado (por exemplo) através das várias citações de poetas locais encontradas em suas narrativas.

Tais citações, embora originalmente se referissem a Zeus, o chefe dos deuses gregos, foram aplicadas por Paulo no proclamar ao Deus de Israel. Os poetas mencionados foram Epimênides (600 a.C.), Cleanto (331-233 a.C.) e Arato (c. 315-240 a.C.).

Com base nisso, o que precisa ficar patente é que mesmo com tamanha identificação, os parâmetros culturais utilizados pelo missionário estavam livres de todo e qualquer tipo de associação a questões sincréticas que divergissem da Bíblia Sagrada, e só contribuíram para o forte esclarecimento da mensagem, cooperando indelevelmente para o sucesso da empreitada missionária.

Desta forma, podemos concluir que comunicar o Evangelho de maneira contextualizada não requer necessariamente um empobrecimento da mensagem ou um desapego à ortodoxia, mas, uma sólida certeza de que ao término da empreitada as pessoas em uníssono saberão diferenciar, Jesus de Genésio.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

TERESA... E UM MITO.


A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.


Estamos falando do saudoso poeta que faz parte do seleto grupo dos 22 que compõem a geração da literatura modernista brasileira, Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, ou como ficou largamente conhecido nos círculos acadêmicos das terras de Santa Cruz, Manoel Bandeira. Este, de estilo simples e direto, que marca indelevelmente o quadro de poetas pernambucanos, juntamente com escritores tais como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Pena Filho e José Condé, é o autor do poema livre citado acima, que sabiamente recebeu a graça, Teresa.

Através da análise literária, percebemos que Teresa é um poema sem preocupação estética, o que fica óbvio pela falta de divisão em estrofes. É um poema curto, de nove versos livres. Quanto à temática, percebemos que o autor faz uma crítica à chamada “primeira impressão”. Nota-se que a primeira vista, o eu - lírico acha a personagem, Teresa, um ser estúpido e inadmirável. Em uma segunda visão, Teresa já não é um ser tão repulsivo, apenas destacam-se os olhos. Já na terceira visão de Teresa, os versos indicam que a mesma tornou-se tão surpreendente e encantadora que faz o eu - lírico perder a noção do espaço. O poema apresenta uma mensagem implícita de desapego às aparências – uma pessoa pode ser esteticamente feia e encantadoramente linda, num mesmo tempo físico, se a conhecermos.

Por falar em tempo físico, apesar da suspeita, gostaria de deixar um pouco a beleza poética de lado e analisar este píncaro da literatura brasileira por outro prisma, o da fenomenologia.

Assim como na poesia, a religião também não está restrita a tempora. Habita num plano onde o físico é um lapso imperfeito do metafísico pouco afeito as suas sublimes manifestações, mas que não se dilui para interpretação dos mortais, é sempre sublime, genuína, viva. A diferença entre as duas é que a primeira fomenta prazer, enquanto que a segunda, gera vida.

Chamou-me atenção o fato de Bandeira se utilizar do Ato Cosmogônico para expressar, ou melhor, eternizar, o Tempo Físico que estava vivendo. Apesar de exótico (poeticamente falando), esta prática não é nada inovadora. Praticamente em todas as culturas nós encontramos Mitos Cosmogônicos, semelhantes ao relato bíblico (que é concreto, real), os quais narram circunspecticamente uma história sagrada, um acontecimento ocorrido num tempo ímpar, fabuloso, mítico.

Tanto nas religiões primitivas, quanto no sentimento do poeta em tela, a idéia ao se relatar, invocar ou revivenciar um acontecimento ocorrido no princípio, Tempo Mítico, serve para fundamentar, fortificar, o tempo físico presente, torná-lo prodigioso a semelhança do primeiro (ato da criação), imortalizá-lo.

Em alguns ritos de iniciação tribal, como no da chegada da puberdade ou no do casamento, é sempre recitado como tudo foi criado (ato cosmogônico), e como este rito (de iniciação) teve origem “naquele tempo”, onde os ancestrais (entes espirituais ou heróis imortalizados) reinavam absolutos e idealizavam o ato (rito) que agora se perpetua, pois, é através destas rememorações, que os ritos de iniciação passam a ter sentido, a existir.

Depreende-se, através da observação destas culturas, que recitar (rememorar) o tempo mítico, faz com que o iniciado reintegre-se aquele tempo fabuloso e torne-se conseqüentemente, contemporâneo, de certo modo, dos eventos evocados, compartilhando da presença dos deuses ou de seus heróis, fato que tanto torna o evento sagrado, como a pessoa iniciada. Por causa de crenças como esta, o Mito, ao longo dos anos, tornou-se um ingrediente vital para a civilização humana; pois, longe de ser uma fabulação vã (idéia fortemente difundida durante o iluminismo por motivos apologéticos), ele é uma realidade viva, a qual se recorre incessantemente, não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística (principalmente após o século XX, tendo em vista a contextualização), mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática (idéia largamente utilizada pelos antropólogos como um veículo de contato), onde nesta última, a poesia tem parte.

Perceba, que culturalmente falando, é através da experiência do sagrado (no caso desta poesia a menção à criação), que fulguram as idéias de realidade, de pertinência, de existência, e de significação. O valor simbólico amalgamado ao rito cosmogônico (neste caso) demonstra a importância que o acontecimento está recebendo no tempo presente e porque ele é necessário (pertinente) desde épocas remotas. É a ligação com o sagrado que faz com que o homem viva uma realidade plena. Também nesse caso (para minha alegria), o Mito pode funcionar como um “abre olhos” que têm como ambição uma ponte para genuína comunicação de uma verdade superior (como a do evangelho por exemplo) através de uma crítica contextualização.

Portanto, tanto no pensamento do polêmico Manuel Bandeira, como na profícua manifestação cultural de boa parte dos povos ao redor do mundo, o fato de se relacionar um momento singular do tempo presente, com um ato metafísico de relevância plena in illo tempore, faz com que este último receba a importância necessária para continuar vivo nas mentes dos homens ao longo dos tempos, traz o fato a existência, da razão a sua criação, imortaliza-o.

Assim, conforme vejo na elucubração de Bandeira, rememorar Teresa significa sentir a importância do acontecimento na pessoa do próprio poeta, através da intensidade da vida que nele passou a existir, tornando o fato vívido no sentimento daquele que se dispõe a ler, revitalizando-o. Em escala infinitamente superior (pois trata-se de um fato real), a rememoração da criação divina imortaliza o estado outrora sentido, permite um sentimento de reflexão pela perda, e propicia a expectativa da volta através do poder daquele que faz novas todas as coisas (Jesus).

Em suma, relembrar uma época mítica (culturalmente falando) gera no indivíduo a sensação de uma vida outrora vivida, num tempo saudável, épico, tudo quanto o velho poeta precisava, mas, a simples sensação não é vida, a vida é (Jo 11.25).

Entretanto, (que pena) a sempre a possibilidade de ir embora para Parságada.