sábado, 23 de janeiro de 2010

A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO CULTURAL.


Para fundamentar nossa premissa de que para que haja uma perfeita comunicação intercultural é preciso que haja conhecimento cultural prévio, tomaremos como base a inesquecível abordagem do Apóstolo Paulo à intrigante cidade de Atenas.

Culturalmente falando a “Fina Flor do Velho Mundo” sempre esteve um passo a frente das demais. Segundo Bruce, as esculturas, a literatura e a oratória de Atenas nos séculos quinto a quarto a.C. nunca foram superadas; na filosofia, ela sempre ocupara lugar de liderança, pois era a cidade de origem de Sócrates e Platão e adotiva de Aristóteles, Epicuro e Zenom. Sua influência cultural também pode ser facilmente percebida na era helenista, pois foi o dialeto ático do grego, falado a princípio apenas em uma região muito restrita, em comparação com o jônico e o dórico, a base principal do koine.

Em se tratando de religião, Atenas era uma cidade idólatra. Em toda parte havia sinais de idolatria. Numa única rua podiam-se encontrar os templos de Atena, Artêmis e Afrodite. Ao lado deles havia altares dedicados à guerra, fama, piedade e modéstia. Segundo Ball, “em toda cidade havia três mil estátuas e altares onde os atenienses ofereciam sua adoração vazia”. Lucas conta que Paulo via os templos, altares e imagens de Atenas com os olhos de alguém que foi criado no espírito do monoteísmo judaico e do princípio de não fazer imagens, do segundo mandamento do decálogo. Ou seja, com o coração ávido por uma grande mudança.

Por causa de tamanha idolatria e do enorme número de deuses, não faltavam cidadãos atenienses ao pé da Acrópole, na ágora, trocando as últimas notícias, ou esperando que novos comunicadores aparecessem para discutir com eles a natureza do ser divino. Segundo Bruce, “alguns deles professavam ser adeptos das escolas de filosofia dos estóicos ou dos epicureus”. Quando estes comunicadores apareciam e se destacavam em sua eloqüência (caso de Paulo), eles eram convidados a se expressar no Areópago. Acredita-se que as circunstâncias que norteavam o dia a dia do Areópago eram semelhantes à de um Tribunal. Assim, pelo fato de Paulo estar recomendando os cidadãos atenienses a divindades estrangeiras, digamos que ele se colocava sob a jurisdição do “Tribunal do Areópago”.

Paulo entendia a importância do momento que vivia, e sabia exatamente a responsabilidade de pregar num lugar que expressava tamanha importância e que remontava enorme eloqüência e sabedoria. Mas, ele não podia ficar calado mediante tamanha afronta ao Deus Vivo.

Segundo Richardson, a idolatria, por sua própria natureza, possui um fator inflacionário embutido. Uma vez que os homens rejeitem o Deus Único, onisciente, onipotente e onipresente, preferindo divindades menores, eles finalmente descobrem – para sua frustração – que um número infinito de divindades inferiores é necessário para preencher o espaço deixado pelo Deus verdadeiro.

Essa, na visão do apóstolo, era a resposta para o enorme panteão que lotava a “Capital da Democracia” e o motivo pelo qual ele se colocaria à frente de homens culturalmente avançados para expor sua maravilhosa mensagem, mesmo que estes, em seu histórico tribunal, o ultrajassem.

Percebe-se, pela autoridade dos eruditos que avaliavam as mensagens no Areópago, que Atenas era a cidade mais desenvolvida da Europa, no que diz respeito à filosofia, democracia, artes e retórica. Todavia, no que tange a religião, Atenas estava mergulhada num contexto idólatra, o que a transformava numa cidade espiritualmente néscia, fato que a conduzia a uma adoração vazia. Em Atenas, os “deuses” que eram reverenciados em nada somavam ao cotidiano das pessoas, uma vez que, por causa de tamanha quantidade, os mesmos eram inevitavelmente impessoais (mesmo porque não eram divinos). Mensagens que se diziam “metafísicas” eram assunto de esquina na Atenas daquela época, por isso, praticamente todos os habitantes tinham algo a dizer a respeito de uma enorme variedade de deuses diferentes.

Foi neste contexto sincrético e pagão que o “Apóstolo aos Gentios” se propôs a pregar a única mensagem verdadeiramente investida de autoridade divina. Mas, como comunicá-la de maneira singular? Como torná-la diferente no que diz respeito à divindade? Como diferenciá-la da grande quantidade de mensagens espiritualmente vazias que eram pregadas a todos os momentos? A forma que Paulo encontrou para comunicar a mensagem atendendo a cada uma destas prerrogativas foi fazê-la de maneira contextualizada.

Mas, onde encontrar uma ponte, um “abre olhos”, para que os atenienses compreendessem em parâmetros culturais locais o que ele estaria dizendo? De que forma ele explicaria sua mensagem sem utilizar termos contaminados pelo sincretismo que grassavam aquela cidade? Para isso, Paulo tinha que conhecer muito bem a cultura ateniense. Tinha que compreender o vocabulário utilizado pelo povo e quais as suas raízes históricas e etimológicas. Ou seja, para que Paulo tivesse plenas condições de comunicar a mensagem de maneira pertinente e significativa, transmitindo todos os valores do Reino de Deus, sem, no entanto, diluir a mensagem para compreensão dos atenienses, ele precisava de conhecimento cultural prévio, precisava se comunicar de maneira que o povo o compreendesse. Felizmente, Paulo possuía este conhecimento, fato que é comprovado (por exemplo) através das várias citações de poetas locais encontradas em suas narrativas.

Tais citações, embora originalmente se referissem a Zeus, o chefe dos deuses gregos, foram aplicadas por Paulo no proclamar ao Deus de Israel. Os poetas mencionados foram Epimênides (600 a.C.), Cleanto (331-233 a.C.) e Arato (c. 315-240 a.C.).

Com base nisso, o que precisa ficar patente é que mesmo com tamanha identificação, os parâmetros culturais utilizados pelo missionário estavam livres de todo e qualquer tipo de associação a questões sincréticas que divergissem da Bíblia Sagrada, e só contribuíram para o forte esclarecimento da mensagem, cooperando indelevelmente para o sucesso da empreitada missionária.

Desta forma, podemos concluir que comunicar o Evangelho de maneira contextualizada não requer necessariamente um empobrecimento da mensagem ou um desapego à ortodoxia, mas, uma sólida certeza de que ao término da empreitada as pessoas em uníssono saberão diferenciar, Jesus de Genésio.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

TERESA... E UM MITO.


A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.


Estamos falando do saudoso poeta que faz parte do seleto grupo dos 22 que compõem a geração da literatura modernista brasileira, Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, ou como ficou largamente conhecido nos círculos acadêmicos das terras de Santa Cruz, Manoel Bandeira. Este, de estilo simples e direto, que marca indelevelmente o quadro de poetas pernambucanos, juntamente com escritores tais como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Pena Filho e José Condé, é o autor do poema livre citado acima, que sabiamente recebeu a graça, Teresa.

Através da análise literária, percebemos que Teresa é um poema sem preocupação estética, o que fica óbvio pela falta de divisão em estrofes. É um poema curto, de nove versos livres. Quanto à temática, percebemos que o autor faz uma crítica à chamada “primeira impressão”. Nota-se que a primeira vista, o eu - lírico acha a personagem, Teresa, um ser estúpido e inadmirável. Em uma segunda visão, Teresa já não é um ser tão repulsivo, apenas destacam-se os olhos. Já na terceira visão de Teresa, os versos indicam que a mesma tornou-se tão surpreendente e encantadora que faz o eu - lírico perder a noção do espaço. O poema apresenta uma mensagem implícita de desapego às aparências – uma pessoa pode ser esteticamente feia e encantadoramente linda, num mesmo tempo físico, se a conhecermos.

Por falar em tempo físico, apesar da suspeita, gostaria de deixar um pouco a beleza poética de lado e analisar este píncaro da literatura brasileira por outro prisma, o da fenomenologia.

Assim como na poesia, a religião também não está restrita a tempora. Habita num plano onde o físico é um lapso imperfeito do metafísico pouco afeito as suas sublimes manifestações, mas que não se dilui para interpretação dos mortais, é sempre sublime, genuína, viva. A diferença entre as duas é que a primeira fomenta prazer, enquanto que a segunda, gera vida.

Chamou-me atenção o fato de Bandeira se utilizar do Ato Cosmogônico para expressar, ou melhor, eternizar, o Tempo Físico que estava vivendo. Apesar de exótico (poeticamente falando), esta prática não é nada inovadora. Praticamente em todas as culturas nós encontramos Mitos Cosmogônicos, semelhantes ao relato bíblico (que é concreto, real), os quais narram circunspecticamente uma história sagrada, um acontecimento ocorrido num tempo ímpar, fabuloso, mítico.

Tanto nas religiões primitivas, quanto no sentimento do poeta em tela, a idéia ao se relatar, invocar ou revivenciar um acontecimento ocorrido no princípio, Tempo Mítico, serve para fundamentar, fortificar, o tempo físico presente, torná-lo prodigioso a semelhança do primeiro (ato da criação), imortalizá-lo.

Em alguns ritos de iniciação tribal, como no da chegada da puberdade ou no do casamento, é sempre recitado como tudo foi criado (ato cosmogônico), e como este rito (de iniciação) teve origem “naquele tempo”, onde os ancestrais (entes espirituais ou heróis imortalizados) reinavam absolutos e idealizavam o ato (rito) que agora se perpetua, pois, é através destas rememorações, que os ritos de iniciação passam a ter sentido, a existir.

Depreende-se, através da observação destas culturas, que recitar (rememorar) o tempo mítico, faz com que o iniciado reintegre-se aquele tempo fabuloso e torne-se conseqüentemente, contemporâneo, de certo modo, dos eventos evocados, compartilhando da presença dos deuses ou de seus heróis, fato que tanto torna o evento sagrado, como a pessoa iniciada. Por causa de crenças como esta, o Mito, ao longo dos anos, tornou-se um ingrediente vital para a civilização humana; pois, longe de ser uma fabulação vã (idéia fortemente difundida durante o iluminismo por motivos apologéticos), ele é uma realidade viva, a qual se recorre incessantemente, não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística (principalmente após o século XX, tendo em vista a contextualização), mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática (idéia largamente utilizada pelos antropólogos como um veículo de contato), onde nesta última, a poesia tem parte.

Perceba, que culturalmente falando, é através da experiência do sagrado (no caso desta poesia a menção à criação), que fulguram as idéias de realidade, de pertinência, de existência, e de significação. O valor simbólico amalgamado ao rito cosmogônico (neste caso) demonstra a importância que o acontecimento está recebendo no tempo presente e porque ele é necessário (pertinente) desde épocas remotas. É a ligação com o sagrado que faz com que o homem viva uma realidade plena. Também nesse caso (para minha alegria), o Mito pode funcionar como um “abre olhos” que têm como ambição uma ponte para genuína comunicação de uma verdade superior (como a do evangelho por exemplo) através de uma crítica contextualização.

Portanto, tanto no pensamento do polêmico Manuel Bandeira, como na profícua manifestação cultural de boa parte dos povos ao redor do mundo, o fato de se relacionar um momento singular do tempo presente, com um ato metafísico de relevância plena in illo tempore, faz com que este último receba a importância necessária para continuar vivo nas mentes dos homens ao longo dos tempos, traz o fato a existência, da razão a sua criação, imortaliza-o.

Assim, conforme vejo na elucubração de Bandeira, rememorar Teresa significa sentir a importância do acontecimento na pessoa do próprio poeta, através da intensidade da vida que nele passou a existir, tornando o fato vívido no sentimento daquele que se dispõe a ler, revitalizando-o. Em escala infinitamente superior (pois trata-se de um fato real), a rememoração da criação divina imortaliza o estado outrora sentido, permite um sentimento de reflexão pela perda, e propicia a expectativa da volta através do poder daquele que faz novas todas as coisas (Jesus).

Em suma, relembrar uma época mítica (culturalmente falando) gera no indivíduo a sensação de uma vida outrora vivida, num tempo saudável, épico, tudo quanto o velho poeta precisava, mas, a simples sensação não é vida, a vida é (Jo 11.25).

Entretanto, (que pena) a sempre a possibilidade de ir embora para Parságada.