terça-feira, 24 de julho de 2012

CURSO DE EVANGELISMO CONTEXTUALIZADO [1ª parte]



      O curso que ora apresentamos ambiciona preparar a igreja para a prática do evangelismo bíblico que leve em consideração o contexto cultural/social em que o ouvinte do evangelho esteja inserido.

     Para tanto, estaremos utilizando a passagem do Evangelho de João, capítulo 4, como texto base para nossas aulas. Sendo assim, nossa oração é para que ao término deste curso, a igreja esteja preparada para comunicar o evangelho de maneira pertinente e significativa, vivendo o Reino de Deus conforme o evangelho de Cristo.

    
JESUS E O PROBLEMA SAMARITANO


Parte


Baseado no Evangelho de João 4.1-18


     Entendendo o Contexto


1 – O Evangelho é para todos?


Desde que aprouve a Deus manifestar-se ao homem, sempre ficou claro que Ele era Senhor sobre Todos os Povos. Segundo o profeta Isaías (49.6) eramuito pouco para o servo (Jesus), restaurar (apenas) as tribos de Jacó e tornar a trazer os remanescentes de Israel, (assim) Ele também é luz para os gentios, e salvação até os confins da terra”. Todas as nações são alvo da proclamação do Evangelho, cada uma delas precisa desesperadamente de luz para lhes tirar das trevas do maligno e de sabor (do sal) para as vidas que não possuem mais prazer em existir.


2 – Porque escolher como base João capítulo 4?


Escolhemos o texto de João 4, por causa da premissa - que todas as culturas anseiam pela Palavra – ensinada através dele por Jesus.

Ora, mesmo o Senhor desenvolvendo um poderoso ministério na Judéia, (pois fazia e batizava mais discípulos que João 4.1), nos diz o relato que ele retornou mais uma vez para Galiléia. É nesta viagem de volta que começa o trabalhar de Jesus para, a princípio, nos ensinar a dimensão de nossaParóquia”, e em seguida, arrancar de nós todo e qualquer tipo de “reserva culturalque nos impeça de comunicar o evangelho. Uma vez que, “a missão de Jesus não se reduziu a cruzar barreiras geográficas. Jesus também atravessou barreiras sociais, incluindo alguns segmentos da sociedade antes negligenciados” (Carriker 2005).

Isto fica bastante claro quando analisamos o texto escolhido, pois, como é do conhecimento de todos, os judeus odiavam poderosamente os samaritanos e estes, os judeus. Jesus insistiu em viajar justamente por entre os assais inimigos de seu povo para que, através desta viajem, os mesmos compreendessem que Jesus é Rei sobre todos os povos[1] e, que mesmo para os samaritanos agora tão odiados, havia a possibilidade de salvação propiciada pelo Evangelho.


     3 – De onde vem o ódio dos judeus pelos samaritanos?


Diz o texto do evangelho citado que era necessário, para se viajar da Judéia para Galiléia, atravessar a província de Samaria. Ora, judeus e samaritanos se odiavam, num cisma que grassava as duas províncias desde a época da “caldeação” de um povo misto trazido pelos assírios com o que restou das Dez Tribos do Norte ao final da investida Assíria com Sargão II, que culminou com o desaparecimento das Tribos do Norte (721 a.C). Este fato histórico ficou muito bem fundamentado no trecho de II Reis 17.24-41, vejamos:


O rei da Assíria trouxe gente de Babilônia, de Cuta, de Ava, de Hamate e de Sefarvaim e a fez habitar nas cidades de Samaria, em lugar dos filhos de Israel; tomaram posse de Samaria e habitaram nas suas cidades. A princípio, quando passaram a habitar ali, não temeram o Senhor; então, mandou o Senhor para o meio deles leões, os quais mataram a alguns do povo. Pelo que se disse ao rei da Assíria: As gentes que transportaste e fizeste habitar nas cidades de Samaria não sabem a maneira de servir o deus da terra; por isso, enviou ele leões para o meio delas, os quais as matam, porque não sabem como servir o deus da terra. Então, o rei da Assíria mandou dizer: Levai para um dos sacerdotes que de trouxestes; que ele vá, e habite, e lhes ensine a maneira de servir o deus da terra. Foi, pois, um dos sacerdotes que haviam levado de Samaria, e habitou em Betel, e lhes ensinava como deviam temer o Senhor. Porém cada nação fez ainda os seus próprios deuses nas cidades em que habitava, e os puseram nos santuários dos altos que os samaritanos tinham feito. Os de Babilônia fizeram Sucote-Benote; os de Cuta fizeram Nergal; os de Hamate fizeram Asima; os aveus fizeram Nibaz e Tartaque; e os sefarvitas queimavam seus filhos a Adrameleque e a Anameleque, deuses de Sefarvaim. Mas temiam também ao Senhor; dentre os do povo constituíram sacerdotes dos lugares altos, os quais oficiavam a favor deles nos santuários dos altos. De maneira que temiam o Senhor e, ao mesmo tempo, serviam aos seus próprios deuses, segundo o costume das nações dentre as quais tinham sido transportados (...) . Assim, estas nações temiam o Senhor e serviam as suas próprias imagens de escultura; como fizeram seus pais, assim fazem também seus filhos e os filhos de seus filhos, até ao dia de hoje.


     Percebe-se ainda que esta intriga agravou-se ainda mais quando o Reino do Sul foi levado para Babilônia por Nabucodonozor (605 a.C.), pois, com a saída dos judeus que habitavam Jerusalém, os samaritanos (agora misturados a outras raças) obtiveram imensa liberdade, que perdurou até o surgimento de Ciro (539 a.C), quando este, ao conquistar a Babilônia, permitiu que os Judeus e seus sucessores retornassem a Jerusalém (535-445 a.C.), com ênfase na reconstrução do Templo e dos muros da cidade, fato que causou certo repúdio nas pessoas de Sambalate, Tobias e Gesem. Pois, estes quiseram impedir a reconstrução (Ne 4 e 6).

     Foi o ressurgimento de Jerusalém como a cidade do Grande Rei (Adonai), que fez com que a comunicação com os “impuros” e caldeados samaritanos (na visão agora zelosa do novo judeu que voltava do exílio) diminuísse ainda mais, fato que provocou uma multiplicação da imensa rivalidade existente.

     Na tentativa de melhor expormos esta disputa cultural, e a proporção calamitosa que tomou, pouco poderíamos somar ao comentário de Enéas Tognini (1980):


Maior se tornou à rivalidade quando Esdras (Es 9, 10) admoestou os sacerdotes a deixarem as mulheres estrangeiras. Muitos deles não aceitaram o conselho de Esdras. Um desses sacerdotes era genro de Sambalate e não querendo repudiar a mulher foi abrigar-se em Samaria e seu sogro prometeu-lhe construir um templo em Gerisim e ele seria , não mero sacerdote, mas Sumo-Sacerdote. Aceitou a proposta. O templo foi construído e ele investido na sua função. O ódio cresceu ainda mais quando João Hircano (130 a.C.) destruiu o templo de Gerisim. Herodes, o grande, construí-lhes outro templo (25 a.C.); não lhes agradou, nem mesmo chegaram a usar, por não ter sido construído no monte Gerisim. De tal maneira se acentuaram as rivalidades, que os judeus consideravam os samaritanos como cães. Os samaritanos eram imundos para os judeus. Não tinham o mínimo acesso ao Templo de Jerusalém.            


Com este breve panorama histórico do ódio que separava judeus e samaritanos, percebemos a “ousadia” de Jesus em não viajar pela Peréia, como costumeiramente faziam os viajores judeus para não passar por solo samaritano. Antes, viajando justamente por Samaria. Assim, diante desta decisão, eu até imagino a disposição dos discípulos, quando ouviram de Jesus que iriam justamente por solotão inditoso”. Que lição maravilhosa de que não se trata de quem queremos evangelizar e sim de quem precisa ser evangelizado, de que não importa a dificuldade cultural, ou os empecilhos físicos, temporais e espirituais, no pensamento de Jesus e nas palavras do brilhante missionário[2]: “uma alma vale mais que o mundo inteiro!”.



     A Comunicação da Mensagem



1ºMomento: O Choque Cultural


     A – Pregar é comunicar o Evangelho, não a nossa cultura!


O sol assumia sua posição mais imponente, o calor por aquelas paragens era exorbitante. Numa atitude que denota perfeitamente sua humanidade, Jesus, próximo de uma das cidades samaritanas chamada Sicar, assentou-se junto à Fonte de Jacó para descansar. “Nisto veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: dá-me de beber”(V7).

     Antes de entrar no mérito do diálogo no mínimo exótico que se iniciava, gostaria de chamar-lhes atenção para a sentença seguinte: “pois os discípulos tinham ido a cidade comprar alimentos”(V8). Ora, era fato digno de nota um grupo de judeus estarem em pleno solo samaritano, como se não bastasse, Jesus, indo mais além em sua tentativa de “abrir os olhos” dos discípulos, os impele a ir até uma “cidade samaritana”. Não é difícil imaginar os comentários que regavam aquela caminhada tão difícil: “ vamos porque é ordem do mestre!”.

O fato é que Jesus estava prestes a trabalhar o caráter daquela mulher samaritana, ensinando-a que Ele é senhor sobre todos os povos, entretanto, simultaneamente, Ele queria a mesma coisa para os seus discípulos, pois, era notório que aquela barreira cultural também os afligia e infelizmente concorria para não comunicação do Evangelho. Ora, isto Jesus nunca permitiria, pois, não importando as insólitas questões culturais que separam os homens, o evangelho jamais poderá sofrer com isso, pois, ele é supracultural, urgente a todos os povos. E os discípulos, mas do que ninguém precisavam entender esta verdade! (A continuação veremos na parte 2)


     B – O Choque cultural como fruto do etnocentrismo


Continuando, a barreira cultural a que me referi, e que expressa muito bem o ódio que se nomeava entre aquelas duas culturas, fica patente na declaração da orgulhosa samaritana: “Como sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?”(V9). Observe que ela faz pouco caso de Jesus, e numa sentença rápida trata-o friamente como umsimples judeu”.

O etnocentrismo é justamente uma “visão do mundo” onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente encontrável no dia-a-dia das nossas vidas.

Todavia, mesmo diante desta atitude preconceituosa e mal educada da samaritana, a resposta de Jesus, como sempre, provoca uma reação inesperada: “Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”(V10).


2º Momento: A Dificuldade na Comunicação


A – A Autoridade Necessária a Comunicação é Laboriosa


Estas palavras caíram como que um raio no coração daquela mulher, algo que fica óbvio, observando-se sua resposta: “Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu, porventura, maior que Jacó, o nosso pai, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, e, bem assim, seus filhos, e seu gado?”(V11-12).

     A princípio, como tínhamos mencionado, aquela mulher referiu-se a Jesus apenas como judeu (iudo), entretanto, quando Jesus a olhou e disse que se ela ao menos soubesse do presente que estava prestes a receber, e quem era que falava com ela, ela não estaria naquele “pedestal”, mas, estaria disposta a assumir a posição de serva e lhe pediria à água que lhe beneficiaria eternamente.

Ao ouvir isso a mulher não responde de maneira evasiva, mas, (mesmo surpresa pelo fato de um homem, e este judeu, estar conversando com ela), por causa da autoridade e amor com que Jesus lhe respondeu, ela retruca, senhor (kurios) tu não tens com que tirar – a astúcia aqui é algo impressionante, ela via em Jesus um homem diferente, porém, as experiências passadas não a permitiam uma confiança mais fácil, e num tom sobremodo sarcástico indaga a Jesus a respeito de sua totaldesprovidade de ferramentaspara lhe dar a água de que falara; lembrando-lhe ainda do possível risco em que incorria ao, de certa forma, procurar se igualar a Jacó, o idealizador daquele tanque.

     Talvez passasse pela cabeça daquela orgulhosa mulher: “ora, ele não tem balde, nem corda, nem carrega nada consigo. Como pode ele me prometer algo de que não dispõe de meio algum para cumprir?” E num insigth finalizou: “com certeza ele procura me ludibriar, para assim, conseguir a água de que precisa”.

Mal ela havia finalizado seu pensamento, Jesus a responde com a precisão de um exímio cirurgião que de maneira precisa abre caminho para o seu objetivo: “Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna”.



     Que maneira humilde de responder a mulher, que este que agora falava, era superior a Jacó!  
  

     B – Não Importa qual seja a Cultura, O Evangelho Denunciará o Pecado


     Mas, ao que perece, além de cética, aquela mulher sofria de “sarcasmo crônico” (salientando ainda que ela mal podia engolir a simples presença de Jesus, lembra-se, ele é judeu) e sem perca de tempo responde: ”Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la”(V15).

Em todo o relato que se tem até aqui, a samaritana jamais se abriu ao dialogo, mas sempre se posicionava numa posição em que observava ao Senhor Jesus do alto, sobre os auspícios de sua enorme altivez e de seu zelo samaritano. Agora, todavia, ela pedia a Jesus esta sublime água de que o mesmo falara, e numa sentença digna de nota (como sempre) Jesus, sem delongas, a tira de seu infortúnio pedestal, mostrando-lhe a urgência de uma novidade de vida, e ao mesmo tempo, mostrando-lhe que sua cultura, mesmo tida em tão alta estima, no que diz respeito a sua vida eterna, não lhe beneficiara em nada, como rapidamente ela percebeu com esta ordenança: “Vai, chama teu marido e vem ”(V16).
    

C – Para que haja comunicação intercultural eficaz, é preciso que haja conhecimento cultural prévio


Segundo Champlin (2002), uma conversa que visava um simples copo com água era algo corriqueiro entre viajante e nativo (mesmo este sendo uma mulher. vide Jó 22.7, Pv 25.21), entretanto, para qualquer outro tipo de negócio (no caso Jesus era quem oferecia a água) um homem (que detivesse autoridade sobre a mulher) deveria se fazer presente. Jesus conhecia muito bem esta tradição, bem como a situação conjugal daquela mulher, que não era das melhores (uma pergunta sabia física e espiritualmente). Ora, sendo Jesus o próprio Deus, ele sabia exatamente a real situação da samaritana, contudo, o simples examinar das circunstâncias que norteavam a conversa bastaria para esclarecer que ela passava por algum tipo de infortúnio (contextualização crítica).

Vejamos, era ora sexta – como se diz aqui no Nordeste “O Pingo do Meio-Dia” –, quando os raios solares caem quase que perpendicularmente ao continente, a hora mais inóspita de todas para um serviço como o que ela estava desenvolvendo. Mas, por que ela estava ali? Com certeza, conforme tradição cultural da época, sua vida conjugal inadequada a separava do convívio comum com as demais mulheres, por isso, ela não vinha ao poço junto com as outras como era comum naquelas paragens (Champlin 2002), mas, sozinha, condoendo-se em seu presente obtuso.


     D – É o Evangelho quem Confronta o Ouvinte, não o Evangelista!


     Após esta pergunta contundente, enfim a verdade brota dos lábios da mulher: “Não tenho marido”. Ao que lhe respondeu Jesus com a autoridade de sempre: “Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos tiveste, e este que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade”(V17-18).

     A mulher pediu a Jesus a água da vida, com esta resposta Jesus começara a “cavar o poço”, ou seja, trabalhar o seu caráter, que por sua vez, se encontrava simbolizado no solo pedregoso do seu coração! Com a expressão cavar o poço (para melhor compreensão), perceba que Jesus procurava abrir os olhos da mulher para sua real situação (contextualização), não se tratava de supremacia cultural, de um simples capricho humano, mas do seu futuro eterno. A comunicação do evangelho para salvação daquela mulher sempre foi o objetivo de Jesus em toda esta conversa. Algo que ficou muito bem comunicado nas palavras de Champlin (2002):


Jesus tocou na ferida de sua vida, expondo aos seus olhos a culpa, e isso foi o primeiro passo concreto para cura de sua alma. Mediante um lance de olhos profético em sua vida privada tão vergonhosa, que após cinco casamentos sucessivos culminara em sua atual relação ilegítima, imediatamente ele afetou a consciência dela e desafiou a que ela deveria depositar nele. A convicção de pecado é a primeira condição indispensável para o perdão e é mesmo o princípio da conversa.


Jesus, em momento algum perdeu tempo com comunicação de cultura (Lausanne 1978), a despeito das investidas preconceituosas da mulher, mas, preocupou-se em comunicar o evangelho de maneira pertinente e significativa. Em parâmetros culturais que fizessem sentido aquela mulher, que a fizessem compreender a profundidade da mensagem, conforme continuaremos a ver.




[1] Vide Apocalipse 5.1-10
[2] LIDÓRIO, Ronaldo Com a Mão no Arado, pensando a vida cumprindo a missão.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O PODEROSO EXEMPLO MORÁVIO

Poucos movimentos missionários ao longo dos tempos impactaram tão poderosamente a igreja mundial como o que surgiu em meados do século XVIII, sob a égide de um eminente conde alemão chamado Zinzendorf. Sob sua liderança a missão Moravia impactou todos os continentes com envio de missionários e apoio evangelístico a igrejas já implantadas. Tal foi o derramamento do Espírito Santo sobre aqueles jovens que os mesmos chegaram ao ponto de entregar-se como escravos para alcançar pontos longínquos do mundo de então. O despertamento missionário daquela geração foi tão grande que em vinte anos este movimento enviou mais missionários aos campos do que toda a igreja protestante em dois séculos.
Concordo com o Pastor Florêncio, falar da Morávia nos dias de hoje soa estranho aos nossos ouvidos. Apesar de sua aparente insignificância para história mundial, esta pequena região a muito absorvida pelas atuais nações do mundo figurou como o berço de um dos mais engajados movimentos de missões transculturais de todos os tempos. Entretanto, tudo começou algum tempo antes, na antiga Saxônia, quando nascia Nicolaus Ludwig Von Zinzendorf, no dia 26 de Maio de 1700, em Dresden, o qual ficou mundialmente conhecido como conde Zinzendorf. Este amado servo do Senhor, desde tenra idade já fora educado por sua família nos  caminhos de Deus. Seu pai morrera poucos dias após o seu nascimento, mas não antes de tomá-lo em seus braços e consagrá-lo ao sagrado ministério.

Desde então, Zinzendorf passara a ser cuidado por sua avó, a baronesa pietista Henrietta Catarina Von Gersdorf, a qual procurou fazer do lar de seu neto um lugar cheio de zelo pelas coisas do Senhor. Naturalmente, num clima que exalava um poderoso amor pelas coisas de Deus, o pequeno Zinzendorf, ainda com seis anos decidiu enfaticamente em seu coração: “Tenho apenas uma paixão. É Jesus, Jesus somente”.
Zinzendorf fora poderosamente influenciado pelo movimento pietista de sua época, o qual ocorreu dentro da igreja luterana no final do século XVII. Sob essa influência, o garoto saxão cresceu com o desejo profundo de entregar-se cada vez mais a obra de Deus. Neste azo, quando na escola primária, ali entre as crianças e adolescentes tornou-se líder das atividades religiosas, organizando entre os garotos a “Ordem do Grão de Mostarda”, cujo objetivo principal era a evangelização do mundo. O símbolo da ordem era um pequeno escudo, no qual estava escrito “Suas chagas nos curam”; e cada um dos membros da ordem também empunhava um anel, que dizia “nenhum homem é uma ilha”.
Ainda na juventude, Zinzendorf reuniu um grupo de pessoas para buscarem piedosamente a Deus, nunca passou pela mente daquele jovem apaixonado por Jesus dividir a igreja luterana, mas isso naturalmente aconteceu. Desde o princípio de sua vida religiosa Zinzendorf nutria o desejo de comunicar a Palavra de Deus a seus conterrâneos. O seu maior desígnio era consagrar a sua vida inteiramente a exposição do Evangelho. No entanto, antes de dar início a obra maravilhosa que se seguiria, o mesmo fora mandado por sua família para Wittemberg de 1716 a 1719 para estudar direito e assim ingressar no tão almejado funcionalismo público da época. Ao final do curso, que em tudo fora regado por leituras profundas dos melhores teólogos da época, Zinzendorf retorna a casa paterna e conhece aquela que seria sua mulher pelo resto de sua vida Edmuth Dorotéia, irmã do conde Henrique.
Destarte, a grande virada na vida de Zinzendorf aconteceu em 1722, em Dusseldorf, numa galeria de arte, quando viu diante de si o conhecidíssimo quadro ecce homo, que trazia inscrito: “Eu tudo fiz por ti, o que fazes por mim?”. Fato que tocou poderosamente o coração do jovem aristocrata que saiu dali com desejo resoluto de entregar a sua vida completamente ao serviço do Senhor. Algo que não seria fácil, uma vez que sua família queria que o mesmo aceitasse o serviço de eleitor na cidade de Dresden. A pressão fora enorme e naquele momento Zinzendorf percebeu que era hora de esperar, aceitou.
Neste ínterim junto com mais um nobre e dois pastores, o jovem magistrado funda o “pacto de quatro irmãos”, que tinha como meta levar o evangelho a todo o mundo. Nascia ali uma grandiosa obra. Em meados de 1736, tendo em vista o sucesso de sua empreitada, o mesmo fora banido da Saxônia, mas pouco tempo depois fora convidado a voltar e fundar uma comunidade. A verdade é que as coisas começaram a minguar com a saída do mesmo e penso que o governo entendeu que estar com ele seria infinitamente melhor do que perdê-lo.
Quatro anos antes desse acontecimento, ainda em 1722, por causa da grande perseguição na Boêmia, região próxima a Morávia, Zinzendorf permitiu que um grupo de irmãos se refugiasse na sua propriedade rural de Berthelsdorf. Desde então essa propriedade passou a ser habitada por boêmios, alemães e outros perseguidos religiosos. Para atender suas necessidades espirituais Zinzendorf funda a comunidade denominada Herrn-hut, que significa “Abrigo do Senhor”. O próprio conde e sua família residiam ali. E para que isso  fosse possível o mesmo demitira-se do emprego, para frustração da a aristocracia da época. O sonho deste jovem servo do Senhor era restaurar a mesmo paixão no povo alemão como o fora nos dias de João Huss e canalizar tudo isso para a obra missionária.
Uma vez iniciado este maravilhoso projeto, o dia “D” para seu adimplemento fora 13 de Agosto de 1727 - era celebrada a Ceia do Senhor em Herrn-hut -, quando o Espírito Santo veio sobre eles de uma forma tão poderosa que a partir daquela data surgiu um grupo cheio de comunhão entre os irmãos com o objetivo de ganhar todo o mundo para Cristo, essa reunião de oração durou por um século inteiro. Assim, nascia a Missão Morávia. Zinzendorf então torna-se o líder espiritual destes célebres missionários do Senhor até a sua morte, que ocorreu em 9 de Maio de 1760. O velho conde esteve à frente dos trabalhos por cerca de 30 anos.
Apesar de não ter frequentado um curso de teologia, Zinzendorf tornou-se um obreiro leigo da igreja luterana e serviu em Herrn-hut por toda a vida. O mesmo é tido como um poderoso pregador que difundiu com suas mensagens um grande ardor missionário.
Os morávios que a princípio surgiram de um grupo de irmãos que vinha sobrevivendo atrás das linhas inimigas da perseguição - o “Unitas Fratrum” um grupo de evangélicos genuínos que sobreviviam à surdina desde os idos de Huss. Ao serem aceitos por Zinzendorf prometeram retribuir a oportunidade entregando-se completamente a Deus como missionários. Desde então os mesmos tornaram-se muitíssimo conhecidos como missionários pioneiros em campos longínquos por todo o mundo. Para se ter uma idéia antes dos morávios a igreja protestante não possuía um trabalho forte de missões, tanto é que em vinte anos a Missão Morávia enviou mais missionários ao mundo do que toda a igreja junta em três séculos de história. Não é a toa que o século XIX é tido como o “Grande Século”.
Fora a partir dos morávios que foram criadas as sociedades missionárias da Inglaterra, Escócia, Estados Unidos e muitas outras. As quais enviaram grades missionários ao campo tais como William Carey, Hudson Taylor, Adoniram Judson, David Livingstone dentre outros tantos anônimos que foram tão importantes para o Reino de Deus.
Era impressionante o amor com que eles serviam a Deus como missionários. Geralmente viajavam sem qualquer sustento, como hoje conhecemos os Fazedores de Tendas. Sendo embalados pelo hino escrito por Zinzendorf “Cristo ainda nos conduz”.
Os morávios foram os primeiros a evangelizar os judeus, além de irem a várias partes do mundo tais como Rússia, Groelândia, Labrador, Ilhas do Caribe, América do Norte, Costa da América do Sul, sul da Ásia, chegando à Índia e Ceilão. Concordo com o Pastor Florêncio ao atribuir tamanho sucesso a uma vida de entrega total a Deus a qual fora regada exaustivamente a uma vida de devota oração. Nenhuma outra equipe de missionários na história conseguiu tamanho sucesso na oração!
O lema que impulsionava estes servos valorosos do Senhor por todo o mundo era:
Nosso cordeiro venceu, vamos segui-lo
Finalmente, minha oração é no sentido de que este mesmo amor por missões inunde a igreja nos dias de hoje. De modo que o nome do Senhor seja glorificado entre aqueles que ainda não o conhecem. Oh Senhor, dá-nos outra Morávia!

Fonte: ATAÍDES, Florêncio Moreira de História das Missões Moravianas/ Arapongas: Aleluia, 2008.