Hoje, gostaria de escrever sobre algo diferente. Nada de fenomenologia da religião.
Ao contrário, aproveito para compartilhar com os amados irmãos um dos momentos mais especiais de toda minha vida - minha ordenação ao ministério pastoral.
Desde que me vi completamente absorto na obra de nosso Senhor Jesus Cristo, entrementes minha conversão - momento em que fui irresistivelmente alcançado pela graça salvífica - sempre sonhei com o dia em que me tornaria (ou seria tornado) um Ministro do Evangelho.
Não obstante, o primeiro contato que tive com esse sonho foi através das folhas pontilhadas de teologia pastoral escritas pelo Rev. C.H. Spurgeon. Conheci este homem de Deus através de uma referência que mencionava o mesmo como "o Príncipe dos Pregadores". Ao ter contato com este singelo "pronome de tratamento", não tive dúvidas, tinha que ler o mesmo. De posse desta premissa, parti em direção a uma das duas únicas livrarias evangélicas de que minha cidade dispunha. Ao chegar lá, de pronto, percebi o quão "caro" é procurar conhecimento através de literatura evangélica. Percorri os corredores da livraria sabendo o que tinha de procurar - um livro do senhor Spurgeon. Se ele era o príncipe dos pregadores e eu queria me tornar um (pregador), então, seria com ele que eu iria ter que começar. Após alguns minutos de procura, enfim, a descoberta, lá estava, meio amarelado pelo tempo (penso que não eram muitos os irmãos que conheciam o senhor Spurgeon na minha cidade) o livro tão desejado. Peguei o mesmo e não me preocupei em ler a sinopse, podia tratar do tema que fosse, se era do Spurgeon, para mim estava ótimo. Desta forma, qual não foi minha surpresa quando percebi que não possuia nem mesmo metade do valor estipulado pela loja, decepção. Entretanto, escondi o mais que pude o livro na prateleira que achei menos vasculhada e sai daquela loja disposto a conseguir o dinheiro o quanto antes.
Cerca de um mês depois, lá estava eu. Com várias moedas no bolso, um monte de notas surradas (as de menor valor são as que mais circulam, daí o motivo de tamanho disgaste) e pelo menos uma nota de maior valor (uma benção recebida do papai). Altaneiramente saltei de um pulo no ônibus e parti em busca de minha jornada épica, a procura daquilo que inevitavelmente seria o motivo de tanto deleite futuramente, livros. Mas, não se tratava de um livro qualquer, era o meu primeiro livro!
Lembro de ter corrido o máximo que pude para rever o objeto de dias de trabalho árduo. Temia que algum teólogo de plantão o tivesse achado para somar a sua, talvez, robusta biblioteca, enquanto eu ainda não possuía nenhum exemplar. Contudo, graças a Deus, o meu "O melhor de C.H. Spurgeon" ainda estava lá. Abracei-me com o mesmo e parti, na mesma rapidez com que vim, de volta para minha casa. Tomei o livro nas mãos, trancado no meu quarto e rasguei demoradamente o plástico que o revolvia, - não ousei assiná-lo, hábito que sigo até os dias atuais. Lembro-me que o li demoradamente, afinal, não sabia quando encontraria, e, teria condições, de comprar outro.
Foi com Spurgeon que aprendi que um verdadeiro homem de Deus deve amar o conhecimento, se dedicar a leitura, a piedade, a comunhão, a comunicação axiomática das doutrinas inalienáveis da reforma. Entretanto, o que mais me chamou atenção, foi o fato do velho pregador considerar a comunicação do evangelho genuíno a maior honra que um homem pode receber, isso, e nada mais. Creio que vocês devem imaginar o que aconteceu depois. Lá estava eu, nas palavras de Martin Lloyd-Jones, "sonhando com a plataforma superior". Tornei-me, decididamente, irremediavelmente apaixonado pelo conhecimento e deleite deste Deus Todo Poderoso.
Dois anos depois, mesmo fazendo parte de uma igreja de orientação pentecostal (tipo a "letra mata"), decidi matricular-me num seminário, e o fiz. Descobri o mundo maravilhoso da Plenitude dos Tempos; encantei-me com os ensinamentos de Cristo, empolguei-me com a realidade austera da igreja apostólica, surpriendi-me com a velocidade com que os pais apostólicos atearam fogo no mundo de então, decepcionei-me com a estatização da fé, com o negrume das cruzadas; com o relaxamento do credo e com a venda das indulgências. Entretanto, ganhei ânimo novo com a reforma protestante, expandi meus horizontes com o estudo das línguas clássicas, empolguei-me com as missões modernas, vibrei com a teologia do século XVIII (até hoje recorro a este século mavioso), e acentei em continuar um legado que percebi pertinente, em finalmente, encontrar-me com o já conhecido senhor Spurgeon e a geração maravilhosa daqueles que continuaram o seu legado.
Em todo este tempo, o púlpito e a glória que dele emanava me encantavam. Deixei as salas como aluno, retornei como prefessor. Entretanto, sem nunca deixar de aprender, ou de concordar com o "título" hora recebido. Neste íterim, descobri o reverendo Hernandes, e, no mesmo período, o reverendo John Piper. Encontrei-me com a teologia da alegria, e identifiquei-me de pronto. Deste contato me sobreveio outros tão maravilhosos quanto. Não tenho palavras.
Com o amadurecimento teológico veio também o físico. Fui achado pelo amor e casei-me com a moça mais bela que já tinha visto em toda a minha vida, sendo esta, também, fruto dos meus dias como seminarista, foi lá, nos corredores do seminário qua a vi pelo primeira vez, como esquecer? - o Senhor preparou todas as coisas. Rayssa foi o melhor presente que Deus poderia me dar. Mas, como em Deus as coisas ainda podem melhorar, quatro meses após o nosso enlace matrimonial, o Senhor nos abençoou com a notícia de que Rayssa havia acabado de engravidar de nossa"pequena notável", Yasmim. Que nasceu nove meses depois para coroar nossa dileta relação. Sendo estas, as duas mulheres da minha vida - o meu legado.
Após o casamento e o término do seminário, o púlpito se tornou um lugar cada vez mais frequente, mas, jamais, acostumado - jamais! Sempre que tenho oportunidade de enfrentá-lo; o faço com temor e tremor. E jamais, em todos estes poucos anos, desci do mesmo com a certeza de um "dever cumprido", sempre me pego esquecendo do principal[...].
Desta forma, faltando pouco mais de dois meses para completar dez anos de busca incessante por mais da Glória de Deus, mais um convite. Desta vez, irresistível. O tempo havia finalmente chegado! No dia 20 de Agosto de 2011, para a Glória sempiterna de meu Deus, fui ordenado Ministro do Evangelho. Creio não ter assimilado ainda o que estou vivendo. Não sei se um dia conseguirei, mas, de uma coisa eu sei, esta promessa gloriosa enfim se cumpriu, e eu estou como os que sonham[...] não tenho palavras para descrever tamanha alegria, tamanha honra, meu Deus, que momento fantástico, que o Senhor seja louvado!
Jamais esquecerei este dia. Da palavra proferida pelo reverendo Pedro da Juvep, que foi poderosamente usado por Deus e me fez, ao longo de sua ministração, reviver intensamente e em detalhes, tudo o que acabo de compartilhar com vocês. Como esquecer todas as "confirmações" deste momento, de todos os familiares que compareceram, dos alunos que estavam presentes, da palavras de força e ânimo, do amigo que fora instrumentalizado pelo próprio Deus e que, quebrando o "protocolo", sentou-se ao meu lado, em meio aos demais oficiais da igreja, e declamou-me, enquanto esperava o momento de subir a plataforma, trechos dos livros do Pr. Spurgeon que se tornaram tão caros ao meu sofrível coração, que me fez em poucos segundos lembrar-me do princípio de minha caminhada, e reviver todas as promessas (frutos daquele primeiro livro, lembram?). Nos meus sonhos mais altaneiros eu jamais houvera pensado que o tão esperado grande dia seria assim[...], obrigado meu Deus!
Finalmente, queridos. Se eu detalhasse melhor cada pequeno momento (tão grande), creio que iria escrever por um bom tempo. O fato, é que amo poderosamente este Deus maravilhoso que enviou o seu Único Filho para morrer expiatóriamente por mim, amo cada palavra, cada vírgula, cada sentença de sua Palavra maravilhosa, a qual me causa um prazer e um deleite que são tão profundos e tão especiais que jamais ousarei defini-los. Amo fazer parte do seleto grupo de pessoas separadas por ele para repartir o pão e celebrar o vinho, creio não ter nascido para outra coisa.
Por tudo,
Obrigado, meu Deus!
P.S. O caráter precede a habilidade e uma alma vale mais que o mundo inteiro.
A relevância dos aspectos contextuais e fenomenológicos para comunicação do Evangelho.
domingo, 21 de agosto de 2011
quinta-feira, 28 de julho de 2011
MORRE O PASTOR JOHN STOTT, UM SERVO DE DEUS
Um dos maiores expositores bíblicos do século XX. Assim definiria John Robert Walmsley Stott (27 de Abril de 1921 - 27 de Julho de 2011), este corifeu da fé morreu aos 90 anos, vítima de complicações de saúde se agravaram nas últimas semanas de sua vida.
Com uma mente hábil e uma pena que poucas vezes ao ano não espalhava letras poderosas sobre nossas mentes, John Stott, ao longo de sua vida profícua, escreveu nada menos que cerca de 50 livros, dos quais, Cristianismo Básico foi o mais conhecido; vindo a ser traduzido para mais de 60 países, chegando a vender pelo menos 2 milhões de cópias.
Stott era o pastor emérito da All Souls Church, desde 1945, mesmo ano de sua ordenação, vindo a aposentar-se com todo o vigor intelectual em meados de 2007 - pastoreando a mesma igreja por toda a sua vida.
Símbolo de dileta erudição e estimada humildade, Stott era um daqueles "Homens de Deus" que encantava com sua singeleza e ousadia. Não é a toa que homens como Mauro Meister, ao discorrer sobre o mesmo, asseverou "Lembro-me de ter vertido lágrimas diante da clareza, simplicidade e autoridade com que (Stott) expôs a Escritura". Sobre seu grande amigo, Billy Graham, dicorreu "Eu perdi um de meus amigos pessoais e assessores. Estou ansioso para vê-lo novamente quando eu for para o céu" Da mesma forma, o reverendo Renato Vargens, ao pronunciar-se sobre a morte de Stott, nos descreveu nitidamente o que sentia pelo emérito escritor, "Particularmente eu devo muito a este grande homem de Deus. Seus livros contribuiram significativamente para a minha formação teológica". Um dos seus maiores amigos no Brasil, o Bispo Anglicando Dom Robinson Cavalcante (ose), ao referir-se a Stott no sítio da Igreja Anglicana do Brasil disse: "Como expositor bíblico ele era fantástico".
Particularmente, fui providencialmente influenciado por John Stott, lembro-me de quão importante foi para minha vida a leitura de Ouça o Espírito, ouça o mundo e a Cruz de Cristo. Dias bons, em que me sentava preguiçosamente e "gastava tempo" com estes escritos, virando sua páginas sem muita pressa - isto foi no ano que antecedeu minha ida ao seminário.
O Pr. John, desde então, tornou-se, naturalmente, um referencial para mim! Dessarte, foi com alegria que tomei conhecimento que este homem de Deus morreu em tenra idade, cercado por seus melhores amigos, lendo as Sagradas Escrituras e ouvindo O Messias, de Handel.
Portanto, pela doce contribuição de Stott para manifestação do conhecimento de Cristo sobre a face da terra, e pelo legado alvissareiro com que este servo de Deus será lembrado[...] faço minhas as palavras de Davi, "não sabeis que, hoje, caiu em Israel um príncipe e um grande homem?" II Sm 3.38b.
Para glória de Deus, sinto-me honrado, por ter pertencido a geração de homens como o Pr. John Stott.
Que possamos nos encontrar no céu, amém!
terça-feira, 19 de julho de 2011
A MEDIAÇÃO CULTURAL COMO LOCUS METODOLÓGICO
Há algum tempo (eu) não era, de fato, persuadido por um livro que trata-se de teologia (pura). Não que os escritos não fossem excelentes, eles eram. No entanto, sempre me via entrementes a uma leitura, no mínimo, redundante. Todos sabemos que diuturnamente livros de "teologia sistemática" fluem aos borbotões nos prelos das editoras. Não obstante, os mesmos brotarem maiêuticos, regados a idéias originais e temas "relevantes", a tônica, sinceramente, é repetitiva.
Dias atrás, revirando alguns escritos que constavam na minha "insistente" lista de leitura, deparei-me, não euforicamente, com mais uma sistemática. Como o alfarrábio tinha surgido como presente de um amigo por demais estimado, resolvi, folheá-lo. Tratava-se da "Teologia Sistemática no Horizonte Pós-Moderno", um novo lugar para a linguagem teológica. O autor, Alessandro Rocha, o meio Editora Vida.
Sendo assim, amiúde tantos "só menos", imaginem qual não foi minha surpresa ao me deparar, ainda na introdução, com um pensamento desta natureza, "... a teologia sistemática manualística vive um momento de esgotamento de sentido, em que a fé cristã se restringe a repetição dogmática de reflexões histórico-sociais do passado, vimos a necessidade de abordar criticamente a "gestação" dos métodos e situá-los como construtos sociais". Resultado, enfim uma leitura sitemático/teológica sobejamente original - que benção, havia ganhado um livro genial!
Desta forma, em se considerando a proposta deste espaço, compartilho um trecho do livro, em que o Reverendo Alessandro discorre sobre "A mediação cultural como locus metodológico". Mas, o que vem a ser isto?
Alessandro pressupõe que em se tratando de cognoscibilidade a fórmula que sobresta experimentalmente nossa apreensão mística seria: Experiência de Fé --> Mediação Cultural --> Discurso Sistemático. Destarte, uma vez dirimida a fórmula, a "Mediação Cultural" - que é a parte que nos interessa - seria o meio inteligível em que aquilo que está no campo das idéias (metafísico/lógico) a "Experiência de Fé" seria posto de maneira cognoscível, através de símbolos conhecidos (sistema linguístico), fazendo com que tal experiência - sendo depreendida pelo receptor e posteriormente repassada - se tornasse um "Discurso Sistemático" (oragnizado culturalmente).
Ademais, sem a mediação cultural seria inevitável uma "polarização entre experiência de fé e discurso sistemático, uma incomunicabilidade que inviabilizaria qualquer discurso minimamente relevante. Sem mediação cultural, a experiência da fé não transmitiria nenhum sentido existencial, e o discurso sistemático não passaria de peça literária cristalizada". Sendo esta, portanto, a relevância contextual da mediação cultural.
Indubitável a importância da elaboração de um método de acesso a experiência da fé, para apropriação do discurso sitemático/teológico. Seria este o zênite do pensamento de Alessandro Rocha. Em sua palavras, "a mediação cultural é a parteira que arranca das entranhas da experiência da fé aquilo que virá a ser discurso sistemático". Percebam, que tal mediação não pode ser outra, se não, nossa própria língua local. Em nosso caso, a "última flor do lácio". Ademais, a língua, com toda sua relevância cultural, fulcrada na imarcessível característica supracultural do evangelho; funciona como uma espécie de chave hermenêutica para compreensão da experiência da fé, ou seja, para comunicação do evangelho de maneira contextualizada.
O autor, chama atenção para o fato de que a comunicação não pode ser relegada a segundo plano, uma vez que a mesma resume o que seria compreendido inteligivelmente por pessoa - homem/mulher - apontando para sua concretude, enquanto ser (figura epistemológica). Segundo Alessandro, "o grande desafio que se propoẽ à teologia e ao discurso que a quer comunicar é o de anunciar a homens e mulheres concretos, não à humanidade como categoria universal e genérica, aquilo que se mostra de forma hierofânica e indizível". Ainda segundo Rocha, no que tange ao discurso teológico, "o desafio não consiste apenas em comunicar esse fato (incogniscível), o que já seria complexo, mas comunicá-lo na dimensão do horizonte existencial daquele e daquela que constituem sujeitos históricos desse processo, dos que habitam um mundo particular".
Por tudo isso, a contextualização é de fundamental importância, uma vez que ela coloca em termos perceptíveis e concretos - culturalmente falando - uma verdade até então completamente desconhecida. Nas palavras de Libânio, "a comunidade na pessoa do teólogo (comunicador) cria a teologia, e a teologia, por sua vez, cria a comunidade com sua linguagem".
Portanto, conforme o autor, "pode-se afirmar que é no espaço da mediação cultural que os métodos são criados - andaimes ou pontes que possibilitam falar o indizível da experiência da fé para atender ao imperativo da necessidade/desafio que dela se deriva". Assim, é pacífico o entendimento que estabelece a contextualização bíblica como fundamental para perfeita comunicação do evangelho. No caso em questão, a sentença utilizada para rememorar a conotação da mesma foi "Meio Cultural", contudo, nada que desabone as caracteríticas fundamentais do ditame - absolutamente.
Finalmente, como mencionei à princípio, me encontrei felizmente surpreendido com a relevância da pena do Reverendo Alessandro Rocha. Se bem que o âmago do texto é uma crítica a maneira cristalizada com que pensamos/fazemos teologia com arrimo na cultura helênica clássica - fato que nos impede aprioristicamente de pensarmos nossa própria teologia pelos motivos exposados no texto - recomendo a leitura do mesmo como farol que nos ilumina a uma crítica sóbria no que tange a necessidade premente de "um novo lugar para a linguagem teológica".
Em se tratando da relevância dos aspectos contextuais e fenomenológicos para comunicação do evangelho, diria:
Enfim um "grande livro", fundado numa bela tese, relevante. Recomendo!
Rocha, Alessandro Rodrigues
Teologia Sistemática no horizonte pós-moderno: um novo lugar para a linguagem teológica - São Paulo: Editora Vida, 2007.
Dias atrás, revirando alguns escritos que constavam na minha "insistente" lista de leitura, deparei-me, não euforicamente, com mais uma sistemática. Como o alfarrábio tinha surgido como presente de um amigo por demais estimado, resolvi, folheá-lo. Tratava-se da "Teologia Sistemática no Horizonte Pós-Moderno", um novo lugar para a linguagem teológica. O autor, Alessandro Rocha, o meio Editora Vida.
Sendo assim, amiúde tantos "só menos", imaginem qual não foi minha surpresa ao me deparar, ainda na introdução, com um pensamento desta natureza, "... a teologia sistemática manualística vive um momento de esgotamento de sentido, em que a fé cristã se restringe a repetição dogmática de reflexões histórico-sociais do passado, vimos a necessidade de abordar criticamente a "gestação" dos métodos e situá-los como construtos sociais". Resultado, enfim uma leitura sitemático/teológica sobejamente original - que benção, havia ganhado um livro genial!
Desta forma, em se considerando a proposta deste espaço, compartilho um trecho do livro, em que o Reverendo Alessandro discorre sobre "A mediação cultural como locus metodológico". Mas, o que vem a ser isto?
Alessandro pressupõe que em se tratando de cognoscibilidade a fórmula que sobresta experimentalmente nossa apreensão mística seria: Experiência de Fé --> Mediação Cultural --> Discurso Sistemático. Destarte, uma vez dirimida a fórmula, a "Mediação Cultural" - que é a parte que nos interessa - seria o meio inteligível em que aquilo que está no campo das idéias (metafísico/lógico) a "Experiência de Fé" seria posto de maneira cognoscível, através de símbolos conhecidos (sistema linguístico), fazendo com que tal experiência - sendo depreendida pelo receptor e posteriormente repassada - se tornasse um "Discurso Sistemático" (oragnizado culturalmente).
Ademais, sem a mediação cultural seria inevitável uma "polarização entre experiência de fé e discurso sistemático, uma incomunicabilidade que inviabilizaria qualquer discurso minimamente relevante. Sem mediação cultural, a experiência da fé não transmitiria nenhum sentido existencial, e o discurso sistemático não passaria de peça literária cristalizada". Sendo esta, portanto, a relevância contextual da mediação cultural.
Indubitável a importância da elaboração de um método de acesso a experiência da fé, para apropriação do discurso sitemático/teológico. Seria este o zênite do pensamento de Alessandro Rocha. Em sua palavras, "a mediação cultural é a parteira que arranca das entranhas da experiência da fé aquilo que virá a ser discurso sistemático". Percebam, que tal mediação não pode ser outra, se não, nossa própria língua local. Em nosso caso, a "última flor do lácio". Ademais, a língua, com toda sua relevância cultural, fulcrada na imarcessível característica supracultural do evangelho; funciona como uma espécie de chave hermenêutica para compreensão da experiência da fé, ou seja, para comunicação do evangelho de maneira contextualizada.
O autor, chama atenção para o fato de que a comunicação não pode ser relegada a segundo plano, uma vez que a mesma resume o que seria compreendido inteligivelmente por pessoa - homem/mulher - apontando para sua concretude, enquanto ser (figura epistemológica). Segundo Alessandro, "o grande desafio que se propoẽ à teologia e ao discurso que a quer comunicar é o de anunciar a homens e mulheres concretos, não à humanidade como categoria universal e genérica, aquilo que se mostra de forma hierofânica e indizível". Ainda segundo Rocha, no que tange ao discurso teológico, "o desafio não consiste apenas em comunicar esse fato (incogniscível), o que já seria complexo, mas comunicá-lo na dimensão do horizonte existencial daquele e daquela que constituem sujeitos históricos desse processo, dos que habitam um mundo particular".
Por tudo isso, a contextualização é de fundamental importância, uma vez que ela coloca em termos perceptíveis e concretos - culturalmente falando - uma verdade até então completamente desconhecida. Nas palavras de Libânio, "a comunidade na pessoa do teólogo (comunicador) cria a teologia, e a teologia, por sua vez, cria a comunidade com sua linguagem".
Portanto, conforme o autor, "pode-se afirmar que é no espaço da mediação cultural que os métodos são criados - andaimes ou pontes que possibilitam falar o indizível da experiência da fé para atender ao imperativo da necessidade/desafio que dela se deriva". Assim, é pacífico o entendimento que estabelece a contextualização bíblica como fundamental para perfeita comunicação do evangelho. No caso em questão, a sentença utilizada para rememorar a conotação da mesma foi "Meio Cultural", contudo, nada que desabone as caracteríticas fundamentais do ditame - absolutamente.
Finalmente, como mencionei à princípio, me encontrei felizmente surpreendido com a relevância da pena do Reverendo Alessandro Rocha. Se bem que o âmago do texto é uma crítica a maneira cristalizada com que pensamos/fazemos teologia com arrimo na cultura helênica clássica - fato que nos impede aprioristicamente de pensarmos nossa própria teologia pelos motivos exposados no texto - recomendo a leitura do mesmo como farol que nos ilumina a uma crítica sóbria no que tange a necessidade premente de "um novo lugar para a linguagem teológica".
Em se tratando da relevância dos aspectos contextuais e fenomenológicos para comunicação do evangelho, diria:
Enfim um "grande livro", fundado numa bela tese, relevante. Recomendo!
Rocha, Alessandro Rodrigues
Teologia Sistemática no horizonte pós-moderno: um novo lugar para a linguagem teológica - São Paulo: Editora Vida, 2007.
Marcadores:
Contextualização,
Cultura,
Livros
domingo, 10 de julho de 2011
MINHAS IMPRESSÕES SOBRE JAMES O. FRASER
Acabei de ler o livro "Chuva na Montanha, uma nova biografia de James O. Fraser", cujo estilo desenvolto se atribui a pena de Eileen Crossman - filha de James -, o texto foi impresso no Brasil sob a égide da Missões Horizontes, 1999.
James O. Fraser é sem sombra de dúvida um marco indelével na história de missões. De compleição física forte e gentil presença, o jovem James aparentava ser apenas mais um jovem inglês que o mundo haveria de ver numa geração conhecida por somenos apatia espiritual. Ademais, em sua abastada infância de gérmen pós-aristocrática, James jamais cogitara a possibilidade de fazer de sua vida um farol que fulguraria a glória de Deus de maneira tão premente. Entretanto, após um profundo processo de entrega total a Deus, James, com apenas vinte e dois anos, deixou os regalados concertos de piano que tanto admiravam seus compatriotas ingleses e partiu numa missão além mar para o sudoeste da China.
Profundamente influenciado pelo brilhante missionário Hudson Taylor (Uma Vida pela China), James assentou em seu coração o desejo de desbravar a China até então intocada - mais precisamente a parte oeste. Quando chegou a China, o país que tanto queria ganhar para Cristo, o jovem missionário logo percebeu um povo que se destacava dentre os demais - os lisus do oeste, habitantes da luxuriosa província do Yunnan. Ato contínuo, com o coração hávido por subir as inóspitas e exóticas montanhas habitadas pelos lisus, James se comunicou com o então diretor da CIM (Missão para o Interior da China), o austero Sr. Hoste; pedindo ao mesmo permissão para iniciar sua intentona, pelo que recebeu tão gloriosa permissão.
Logo em uma de suas primeiras viagens, Fraser teve uma das mais traumáticas experiências de sua vida. Um Kachi, nativo que vive nas imediações do território dos lisus, de posse de um facão, tentou furtivamente matar o inexperiente desbravador inglês, vindo a persegui-lo por quase uma hora por entre as trilhas emperdenidas das montanhas sombrias do Yunnan. Se o Kachin tivesse logrado êxito em seu intento funesto, uma das empreitadas missionárias mais bem sucedidas de todos os tempos teria se frustrado ainda em gérmen. Contudo, por uma intervenção miraculosa de Deus este "contra-tempo" não veio a consumar-se; de modo que se iniciou um trabalho árduo que perduraria pelo restante da vida de James Fraser.
No que se refere a evangelização propriamente dita, o povo lisu era de difícil contextualização. Situações normais de pano de fundo ocidental eram inconsebíveis em território lisu, diga-se o "simples" uso de medicamentos de primeira necessidade, saneamento básico, noções de higiene pessoal etc. Tais medidas simples, na ótica de James, não se tratava de uma ocidentalização dos Lisus, mas, de um conjunto de melhorias que, grosso modo, acabaria com um índice terrível de mortalidade que grassava principalmente as crianças. Destarte, mesmo estas necessidades sendo prementes, não foram de pronto aventadas por James - era a vida eterna dos lisus que o preocupava.
Desta forma, de posse de um coração hávido por almas, se iniciou o trabalho próprio de desbravamento evangelístico da província de Yunnam. Todavia, não demorou muito para que as primeiras dificuldades viessem a acontecer. O povo lisu, absorto por séculos de engodo satânico - para usar as palavras de Fraser - pouco se importou com as novas do evangelho, vindo até a desdenhá-lo. Só com uma insistência quase que sobrenatural por parte do jovem missionário é que alguns nativos lisus vieram a dar ouvidos a mensagem da cruz. Entretanto, tão logo James viajava a outra vila, os jovens convertidos se viam, mais uma vez, envoltos nas trevas do engano. A inconsistência, a princípio, era a maior adversária de James.
Destarte, uma fato que chama atenção nesta profícua história de missões, foi a capacidade de contextualizar-se que james herdou de Hudson. O jovem se vestia, comia e vivia como um típico nativo lisu - em nada deixando a desejar. Outro ponto de suma importância, era o fato de que James jamais pagava por qualquer ajuda que recebia, visando, desde cedo, fomentar no neófito coração dos lisus uma perfeita motivação em relação a obra. Desta forma, regado a alguns legumes amargos, arroz cozido e uma vista exuberante, James percorria centenas de quilômetros por montanhas e vales inóspitos munido apenas de uma mochila e literatura para distribuir entre os lisus. Por pelos menos 9 anos, James se encontrou (quase) sozinho num dos locais mais ostis ao evangelho de então, sendo ajudado esporadicamente por missionários que cruzavam (providencialmente) seu caminho e por um grupo de oração que o mesmo incitou sua mãe a levantar na Inglaterra, justo por conta da tamanha solidão que o assaltava no campo.
Desta forma, após muitos anos de trabalho árduo e quase que sem frutos (aparentemente), quando já contava com 42 anos de idade, James conheceu aquela que dividiria com ele as benesses e as agrúrias do campo missionário - sua esposa Roxie. Foi ao seu lado que finalmente Fraser sentiu - que havia chovido na montanha - e que as moções advindas do céu, enfim, estavam chegando. Foi só após 20 anos que o Senhor permitiu que as redes fossem alçadas e o povo lisu fosse finalmente alcançado pela mensagem de Cristo. Nos conta a filha de Fraser que famílias inteiras se converteram naquilo que ficou marcado como um grande acontecimento na hitória de missões.
Não obstante, foram marcas indeléveis do ministério de James O. Fraser que até hoje influenciam poderosamente o trabalho de missões transculturais: trabalho auto-sustentado, aperfeiçoamento de liderança local, forte ensino teológico de base, pregação onde Cristo ainda não fora conhecido, e, acima de tudo, completa dependência da atuação do Espírito Santo. Como costumavam dizer seus amigos: James era 50 anos a frente de seu tempo.
James, que havia se tornado superintendente da CIM pouco antes de se casar com Roxie, veio a falecer de malária cerebral maligna a contar com cerca de 54 anos de idade; deixando mulher, duas filhas e um legado poderoso para todos quantos amam o Reino de Deus e sua justiça.
Recomendo a leitura de Chuva na Montanha.
James O. Fraser é sem sombra de dúvida um marco indelével na história de missões. De compleição física forte e gentil presença, o jovem James aparentava ser apenas mais um jovem inglês que o mundo haveria de ver numa geração conhecida por somenos apatia espiritual. Ademais, em sua abastada infância de gérmen pós-aristocrática, James jamais cogitara a possibilidade de fazer de sua vida um farol que fulguraria a glória de Deus de maneira tão premente. Entretanto, após um profundo processo de entrega total a Deus, James, com apenas vinte e dois anos, deixou os regalados concertos de piano que tanto admiravam seus compatriotas ingleses e partiu numa missão além mar para o sudoeste da China.
Profundamente influenciado pelo brilhante missionário Hudson Taylor (Uma Vida pela China), James assentou em seu coração o desejo de desbravar a China até então intocada - mais precisamente a parte oeste. Quando chegou a China, o país que tanto queria ganhar para Cristo, o jovem missionário logo percebeu um povo que se destacava dentre os demais - os lisus do oeste, habitantes da luxuriosa província do Yunnan. Ato contínuo, com o coração hávido por subir as inóspitas e exóticas montanhas habitadas pelos lisus, James se comunicou com o então diretor da CIM (Missão para o Interior da China), o austero Sr. Hoste; pedindo ao mesmo permissão para iniciar sua intentona, pelo que recebeu tão gloriosa permissão.
Logo em uma de suas primeiras viagens, Fraser teve uma das mais traumáticas experiências de sua vida. Um Kachi, nativo que vive nas imediações do território dos lisus, de posse de um facão, tentou furtivamente matar o inexperiente desbravador inglês, vindo a persegui-lo por quase uma hora por entre as trilhas emperdenidas das montanhas sombrias do Yunnan. Se o Kachin tivesse logrado êxito em seu intento funesto, uma das empreitadas missionárias mais bem sucedidas de todos os tempos teria se frustrado ainda em gérmen. Contudo, por uma intervenção miraculosa de Deus este "contra-tempo" não veio a consumar-se; de modo que se iniciou um trabalho árduo que perduraria pelo restante da vida de James Fraser.
No que se refere a evangelização propriamente dita, o povo lisu era de difícil contextualização. Situações normais de pano de fundo ocidental eram inconsebíveis em território lisu, diga-se o "simples" uso de medicamentos de primeira necessidade, saneamento básico, noções de higiene pessoal etc. Tais medidas simples, na ótica de James, não se tratava de uma ocidentalização dos Lisus, mas, de um conjunto de melhorias que, grosso modo, acabaria com um índice terrível de mortalidade que grassava principalmente as crianças. Destarte, mesmo estas necessidades sendo prementes, não foram de pronto aventadas por James - era a vida eterna dos lisus que o preocupava.
Desta forma, de posse de um coração hávido por almas, se iniciou o trabalho próprio de desbravamento evangelístico da província de Yunnam. Todavia, não demorou muito para que as primeiras dificuldades viessem a acontecer. O povo lisu, absorto por séculos de engodo satânico - para usar as palavras de Fraser - pouco se importou com as novas do evangelho, vindo até a desdenhá-lo. Só com uma insistência quase que sobrenatural por parte do jovem missionário é que alguns nativos lisus vieram a dar ouvidos a mensagem da cruz. Entretanto, tão logo James viajava a outra vila, os jovens convertidos se viam, mais uma vez, envoltos nas trevas do engano. A inconsistência, a princípio, era a maior adversária de James.
Destarte, uma fato que chama atenção nesta profícua história de missões, foi a capacidade de contextualizar-se que james herdou de Hudson. O jovem se vestia, comia e vivia como um típico nativo lisu - em nada deixando a desejar. Outro ponto de suma importância, era o fato de que James jamais pagava por qualquer ajuda que recebia, visando, desde cedo, fomentar no neófito coração dos lisus uma perfeita motivação em relação a obra. Desta forma, regado a alguns legumes amargos, arroz cozido e uma vista exuberante, James percorria centenas de quilômetros por montanhas e vales inóspitos munido apenas de uma mochila e literatura para distribuir entre os lisus. Por pelos menos 9 anos, James se encontrou (quase) sozinho num dos locais mais ostis ao evangelho de então, sendo ajudado esporadicamente por missionários que cruzavam (providencialmente) seu caminho e por um grupo de oração que o mesmo incitou sua mãe a levantar na Inglaterra, justo por conta da tamanha solidão que o assaltava no campo.
Desta forma, após muitos anos de trabalho árduo e quase que sem frutos (aparentemente), quando já contava com 42 anos de idade, James conheceu aquela que dividiria com ele as benesses e as agrúrias do campo missionário - sua esposa Roxie. Foi ao seu lado que finalmente Fraser sentiu - que havia chovido na montanha - e que as moções advindas do céu, enfim, estavam chegando. Foi só após 20 anos que o Senhor permitiu que as redes fossem alçadas e o povo lisu fosse finalmente alcançado pela mensagem de Cristo. Nos conta a filha de Fraser que famílias inteiras se converteram naquilo que ficou marcado como um grande acontecimento na hitória de missões.
Não obstante, foram marcas indeléveis do ministério de James O. Fraser que até hoje influenciam poderosamente o trabalho de missões transculturais: trabalho auto-sustentado, aperfeiçoamento de liderança local, forte ensino teológico de base, pregação onde Cristo ainda não fora conhecido, e, acima de tudo, completa dependência da atuação do Espírito Santo. Como costumavam dizer seus amigos: James era 50 anos a frente de seu tempo.
James, que havia se tornado superintendente da CIM pouco antes de se casar com Roxie, veio a falecer de malária cerebral maligna a contar com cerca de 54 anos de idade; deixando mulher, duas filhas e um legado poderoso para todos quantos amam o Reino de Deus e sua justiça.
Recomendo a leitura de Chuva na Montanha.
sábado, 2 de julho de 2011
AMY CARMICHAEL, UM EXEMPLO DE CONTEXTUALIZAÇÃO MISSIONÁRIA
Amy Carmichael (1868-1951), foi uma missionária de ascêndencia européia que marcou indelevelmente a história das missões cristãs em solo asiático. Nascida numa pequena vila na Irlanda no Norte, Amy era a filha mais velha do casal David e Catherine Carmichael, um casal de cristãos presbiterianos.
Em tenra infância a pequena Amy sonhava em ter "olhos azuis", assim como os demais membros de sua família. Ela não conseguia acreditar no fato de não possuir os tão desejados olhos azuis. Certo dia, em sua inocência de criança, Amy se recostou em sua cama e proferiu uma singela oração a Deus - "Senhor, quando eu acordar pela amanhã, faça com que tenha olhos azuis... amém!". Todavia, quando em fim o sol libertou os primeiros raios do dia que se avizinhava, a surpresa - Amy continuava com seus meigos olhinhos castanhos.
A menina, a princípio, não conseguiu conter a resignação que instava em sua mente juvenil. A pergunta que grassava seu coração era: Por que Deus não atendeu ao meu pedido, por que Ele não atendeu minha oração - eu pedi com tanta fé? A garotinha de olhos escuros compartilhou com sua mãe o sentimento que lhe combalia a alma e pesava a mente. Qual não foi sua supresa ao ouvir a resposta advinda de sua querida mãe: Minha filha, Deus também atua através de um não.
Alguns anos depois, Amy contraiu um sério problema de saúde. A enfermidade foi diagnosticada como neuralgia, segundo se sabe, tal enfermidade lhe impingia fortes dores pelo corpo a ponto de lhe fazer convalescer por semanas a fio. Destarte, por suas características físicas, Amy jamais seria aceita por qualquer agência missionária, as quais, no período em questão, possuíam um rígido programa de seleção de candidatos ao campo. Entretanto, mesmo que com uma compleição física tão frágil, Deus tinha grandes planos para vida de Amy.
Desta forma, o ano em que o Senhor começou a mudar as coisas foi o de 1887. O grande desbravador do "interior da China", Hudson Taylor, se recuperava fisicamente na europa para retornar ao seu amado campo missionário; quando fora convidado para falar sobre "Como é a vida missionária" no programa que ficou onhecido nos anais da história como a Convenção de Keswick (1887). A palestra deixou a jovem Amy sensilvelmente impactada, de modo que a partir dali, ela resolveu se entregar completamente nos braços de Cristo e servir como missionária.
O Senhor abençoou o desejo que fruía do coração de Amy e lhe deu forças para o programa missionário, de modo que ela veio a ser cosiderada apta. O primeiro campo em que Amy fora designada era asiático, embora não fosse especificamente a parte da Ásia em que Deus queria que ela estivesse - se tratava do Japão. Ela ficara cerca de quinze meses na terra do sol nascente, contudo, sentia que aquele ainda não era o "seu local", e, ao fim deste período, se transferiu para o que seria a terra em que lutaria e consumaria sua vida pela causa de Cristo - sua amada Índia.
Uma vez lá, ela se filiou a missão "Zenana da igreja da Inglaterra" e passou a trabalhar com crianças descendentes de pais pobres (miseráveis), os quais, tinham como costume, "vender" seus filhos (dálits) no local conhecido funestamente como "Mercado de Crianças". Em se chegando neste tosco mercado, as crianças tinham os mais variados destinos. As mesmas podiam ser vendidas como mercadoria para troca, para serviços forçados em lavouras ou comércios, para trabalhos domésticos, e, principalmente, em se tratando de meninas, para exploração sexual. Amy ficou profundamente tocada com esta terrível situação enfrentada pelas crianças, de modo que resolveu fundar a "Dohnavur Fellowship". O trabalho desta mulher virtuosa era notável; Amy "comprava" as crianças e as conduzia carinhosamente a seu orfanato (que também funcionava como hospital) transformando através da Palavra de Deus o triste destino dessas crianças, lhes propiciando uma chance de ter uma vida feliz.
Neste ponto, adentramos no assunto que deixou esta grande missionária tão conhecida. Para ter acesso as crianças e finalmente comprá-las, Amy tinha que contextualizar-se. A mesme era européia, tinha pele clara e o comportamento natural de seu país. Não obstante, para conseguir vencer as barreiras culturais que lhe separavam de suas amadas crianças, Amy se vestia como as demais mulheres indianas, se comportava como tal, e, pintava sua pele clara com "pó de café", o qual lhe garantia a cor que precisava para passar desapercebida como indiana no Mercado de Crianças. Segundo consta, Amy chegava a viajar centenas de quilômetros nas estradas inóspitas da Índia para comprar uma criança. O ponto é que se Deus tivesse lhe dado os olhos azuis que ela tanto desejava, Amy estaria completamente impedida de se passar por uma mulher local e finalmente salvar seus amados pequeninos. Ademais, como sua mãe bem lhe ensinou, Deus também trabalha através de um não.
Desta forma, gostaria de lhes chamar atenção para o comportamento de Amy. Como missionária, ela sabia que tinha de transmitir o evangelho de maneira pertinente e significativa, através de símbolos culturais que fossem próximos a realidade indiana, mas que não tivessem qualquer associação a parâmetros sincréticos, de modo que a mensagem do evangelho não viesse a ser comprometida nem diluída pelos mesmos. Talvez o contato que Amy teve com Hudson Taylor tenha contribuído muito para isso, uma vez que, ele ficou muito conhecido nos círculos da época por viver contextualizadamente como chinês (ficamos devendo algo mais específico sobre Hudson) revolucionando, por assim dizer, o comportamento evangelical de sua época.
Portanto, mesmo com seu caráter supracultural, o evangelho precisa ser apregoado através de ferramentas que lhe propiciem os meios necessários para sua compreensão. Boa parte das empreitadas missionárias que foram frustradas ao longo dos anos possuem forte tendência a má contextualização. A bem da verdade, sabemos que o maior incentivador e mantenedor de missões é o próprio Espírito de Deus, no entanto, o próprio Deus "não teve como usurpação o ser igual"; e a si mesmo se esvaziou para nos comunicar sua mensagem da maneira mais perceptível possível - contextualizada. Por esvaziar, entendemos a capacidade que Deus possui de se fazer compreendido e não diminuído. Sendo esta a bandeira que as missões modernas têm levantado.
Finalmente, louvo a Deus por exemplos como o de Amy Carmichael, uma mulher piedosa que fez de sua vida um farol que conduzia e protegia as crianças indefesas da Índia. Um legado poderoso e um exmplo formidável para nossa geração. Amy veio a falecer na Índia - o país que ela amava e pelo qual deu sua vida - com cerca de 83 anos de idade. Após complicações oriundas de uma queda sofrida. Ela chegou a escrever 35 livros cristãos, sendo uma escritora prolífica. Uma vez indagada por uma jovem sobre como era ser uma missionária, asseverou: "A vida missionária é simplesmente uma forma de morrer". Ainda em vida, Amy pediu a seus amigos para não colocarem nada em sua lápide, ao invés disso, suas crianças escreveram "Amma" que em dialeto Tamil significa mãe.
Por tudo isso, muito obrigado - olhos azuis.
Em tenra infância a pequena Amy sonhava em ter "olhos azuis", assim como os demais membros de sua família. Ela não conseguia acreditar no fato de não possuir os tão desejados olhos azuis. Certo dia, em sua inocência de criança, Amy se recostou em sua cama e proferiu uma singela oração a Deus - "Senhor, quando eu acordar pela amanhã, faça com que tenha olhos azuis... amém!". Todavia, quando em fim o sol libertou os primeiros raios do dia que se avizinhava, a surpresa - Amy continuava com seus meigos olhinhos castanhos.
A menina, a princípio, não conseguiu conter a resignação que instava em sua mente juvenil. A pergunta que grassava seu coração era: Por que Deus não atendeu ao meu pedido, por que Ele não atendeu minha oração - eu pedi com tanta fé? A garotinha de olhos escuros compartilhou com sua mãe o sentimento que lhe combalia a alma e pesava a mente. Qual não foi sua supresa ao ouvir a resposta advinda de sua querida mãe: Minha filha, Deus também atua através de um não.
Alguns anos depois, Amy contraiu um sério problema de saúde. A enfermidade foi diagnosticada como neuralgia, segundo se sabe, tal enfermidade lhe impingia fortes dores pelo corpo a ponto de lhe fazer convalescer por semanas a fio. Destarte, por suas características físicas, Amy jamais seria aceita por qualquer agência missionária, as quais, no período em questão, possuíam um rígido programa de seleção de candidatos ao campo. Entretanto, mesmo que com uma compleição física tão frágil, Deus tinha grandes planos para vida de Amy.
Desta forma, o ano em que o Senhor começou a mudar as coisas foi o de 1887. O grande desbravador do "interior da China", Hudson Taylor, se recuperava fisicamente na europa para retornar ao seu amado campo missionário; quando fora convidado para falar sobre "Como é a vida missionária" no programa que ficou onhecido nos anais da história como a Convenção de Keswick (1887). A palestra deixou a jovem Amy sensilvelmente impactada, de modo que a partir dali, ela resolveu se entregar completamente nos braços de Cristo e servir como missionária.
O Senhor abençoou o desejo que fruía do coração de Amy e lhe deu forças para o programa missionário, de modo que ela veio a ser cosiderada apta. O primeiro campo em que Amy fora designada era asiático, embora não fosse especificamente a parte da Ásia em que Deus queria que ela estivesse - se tratava do Japão. Ela ficara cerca de quinze meses na terra do sol nascente, contudo, sentia que aquele ainda não era o "seu local", e, ao fim deste período, se transferiu para o que seria a terra em que lutaria e consumaria sua vida pela causa de Cristo - sua amada Índia.
Uma vez lá, ela se filiou a missão "Zenana da igreja da Inglaterra" e passou a trabalhar com crianças descendentes de pais pobres (miseráveis), os quais, tinham como costume, "vender" seus filhos (dálits) no local conhecido funestamente como "Mercado de Crianças". Em se chegando neste tosco mercado, as crianças tinham os mais variados destinos. As mesmas podiam ser vendidas como mercadoria para troca, para serviços forçados em lavouras ou comércios, para trabalhos domésticos, e, principalmente, em se tratando de meninas, para exploração sexual. Amy ficou profundamente tocada com esta terrível situação enfrentada pelas crianças, de modo que resolveu fundar a "Dohnavur Fellowship". O trabalho desta mulher virtuosa era notável; Amy "comprava" as crianças e as conduzia carinhosamente a seu orfanato (que também funcionava como hospital) transformando através da Palavra de Deus o triste destino dessas crianças, lhes propiciando uma chance de ter uma vida feliz.
Neste ponto, adentramos no assunto que deixou esta grande missionária tão conhecida. Para ter acesso as crianças e finalmente comprá-las, Amy tinha que contextualizar-se. A mesme era européia, tinha pele clara e o comportamento natural de seu país. Não obstante, para conseguir vencer as barreiras culturais que lhe separavam de suas amadas crianças, Amy se vestia como as demais mulheres indianas, se comportava como tal, e, pintava sua pele clara com "pó de café", o qual lhe garantia a cor que precisava para passar desapercebida como indiana no Mercado de Crianças. Segundo consta, Amy chegava a viajar centenas de quilômetros nas estradas inóspitas da Índia para comprar uma criança. O ponto é que se Deus tivesse lhe dado os olhos azuis que ela tanto desejava, Amy estaria completamente impedida de se passar por uma mulher local e finalmente salvar seus amados pequeninos. Ademais, como sua mãe bem lhe ensinou, Deus também trabalha através de um não.
Desta forma, gostaria de lhes chamar atenção para o comportamento de Amy. Como missionária, ela sabia que tinha de transmitir o evangelho de maneira pertinente e significativa, através de símbolos culturais que fossem próximos a realidade indiana, mas que não tivessem qualquer associação a parâmetros sincréticos, de modo que a mensagem do evangelho não viesse a ser comprometida nem diluída pelos mesmos. Talvez o contato que Amy teve com Hudson Taylor tenha contribuído muito para isso, uma vez que, ele ficou muito conhecido nos círculos da época por viver contextualizadamente como chinês (ficamos devendo algo mais específico sobre Hudson) revolucionando, por assim dizer, o comportamento evangelical de sua época.
Portanto, mesmo com seu caráter supracultural, o evangelho precisa ser apregoado através de ferramentas que lhe propiciem os meios necessários para sua compreensão. Boa parte das empreitadas missionárias que foram frustradas ao longo dos anos possuem forte tendência a má contextualização. A bem da verdade, sabemos que o maior incentivador e mantenedor de missões é o próprio Espírito de Deus, no entanto, o próprio Deus "não teve como usurpação o ser igual"; e a si mesmo se esvaziou para nos comunicar sua mensagem da maneira mais perceptível possível - contextualizada. Por esvaziar, entendemos a capacidade que Deus possui de se fazer compreendido e não diminuído. Sendo esta a bandeira que as missões modernas têm levantado.
Finalmente, louvo a Deus por exemplos como o de Amy Carmichael, uma mulher piedosa que fez de sua vida um farol que conduzia e protegia as crianças indefesas da Índia. Um legado poderoso e um exmplo formidável para nossa geração. Amy veio a falecer na Índia - o país que ela amava e pelo qual deu sua vida - com cerca de 83 anos de idade. Após complicações oriundas de uma queda sofrida. Ela chegou a escrever 35 livros cristãos, sendo uma escritora prolífica. Uma vez indagada por uma jovem sobre como era ser uma missionária, asseverou: "A vida missionária é simplesmente uma forma de morrer". Ainda em vida, Amy pediu a seus amigos para não colocarem nada em sua lápide, ao invés disso, suas crianças escreveram "Amma" que em dialeto Tamil significa mãe.
Por tudo isso, muito obrigado - olhos azuis.
Marcadores:
Biografias,
Contextualização,
História
quarta-feira, 22 de junho de 2011
MAIS UM FIM DE PERÍODO (2011.1)
Olá queridos teólogos, Graça e Paz!
Pois é amados, mais um período chegou ao fim; e com ele, uma série de expectativas. Fim de período é sem sombra de dúvida um período de "descobrimento". Alguns descobriram, para sua própria perplexidade, que não tinham o "chamado" que achavam ter recebido. Outros, descobriram surpresos, que fazer teologia não é tão fácil - como alguns asseveravam. E finalmente, mesmo que em menor número, alguns perceberam que fazer (estudar, produzir, pensar) teologia é a maior benesse intelecual/espiritual que um servo pode receber.
Para estes, que no pensar de Spurgeon são semelhantes a Sansões espirituais, teço algumas considerações. A princípio, gostaria de congratulá-los por mais esta conquista, de fato, nestes tempos pragmáticos, não é nada fácil abdicar de uma universidade ou seja lá de quê (desculpem os termos...), para ingressar num seminário teológico. Isto, por conta de alguns obstáculos que enumero como os percebo. Primeiro, tem-se que vencer os próprios familiares, os quais só querem o "nosso bem" e nos aconselham a primeiro se formar (em qualquer coisa, menos teologia), constituir família, estabilizar-se financeiramente, esperar os filhos se equilibrarem e só então assumir a cátedra. Segundo, tem-se que vencer a si mesmo, a falta de motivação, de concistência, os inúmeros "problemas pessoais" [...]. Terceiro, tem-se que vencer a terrível falta de recuros para quem se aventura nestas paragens - é impressionante como a igreja local sempre está com "outros projetos" em andamento. Em fim, aos que concluíram - parabéns!
Espero, em nome de Jesus, vê-los no próximo período. Oro por isso.
Que nestas férias, nada pareça mais valioso que a cruz ensanguentada - que eles não vejam nada além da cruz. Que para eles, o evangelho nunca perca o fulgor, que em qualquer lugar, seja onde for, que ele sempre se mostre supracultural.
Que eles possam continuar buscando a supremacia de Cristo sobre todas as coisas, para alegria de todos os povos. E que estejam dispostos a dar suas vidas por isso.
E que, em meio, talvez, aos mesmos problemas, o Senhor me conceda forças para no próximo período abrir a porta daquelas salas - uma vez mais, e dizer - então, são vocês?
Fim de período... parabéns a todos nós. Glória apenas a Deus.
Pois é amados, mais um período chegou ao fim; e com ele, uma série de expectativas. Fim de período é sem sombra de dúvida um período de "descobrimento". Alguns descobriram, para sua própria perplexidade, que não tinham o "chamado" que achavam ter recebido. Outros, descobriram surpresos, que fazer teologia não é tão fácil - como alguns asseveravam. E finalmente, mesmo que em menor número, alguns perceberam que fazer (estudar, produzir, pensar) teologia é a maior benesse intelecual/espiritual que um servo pode receber.
Para estes, que no pensar de Spurgeon são semelhantes a Sansões espirituais, teço algumas considerações. A princípio, gostaria de congratulá-los por mais esta conquista, de fato, nestes tempos pragmáticos, não é nada fácil abdicar de uma universidade ou seja lá de quê (desculpem os termos...), para ingressar num seminário teológico. Isto, por conta de alguns obstáculos que enumero como os percebo. Primeiro, tem-se que vencer os próprios familiares, os quais só querem o "nosso bem" e nos aconselham a primeiro se formar (em qualquer coisa, menos teologia), constituir família, estabilizar-se financeiramente, esperar os filhos se equilibrarem e só então assumir a cátedra. Segundo, tem-se que vencer a si mesmo, a falta de motivação, de concistência, os inúmeros "problemas pessoais" [...]. Terceiro, tem-se que vencer a terrível falta de recuros para quem se aventura nestas paragens - é impressionante como a igreja local sempre está com "outros projetos" em andamento. Em fim, aos que concluíram - parabéns!
Espero, em nome de Jesus, vê-los no próximo período. Oro por isso.
Que nestas férias, nada pareça mais valioso que a cruz ensanguentada - que eles não vejam nada além da cruz. Que para eles, o evangelho nunca perca o fulgor, que em qualquer lugar, seja onde for, que ele sempre se mostre supracultural.
Que eles possam continuar buscando a supremacia de Cristo sobre todas as coisas, para alegria de todos os povos. E que estejam dispostos a dar suas vidas por isso.
E que, em meio, talvez, aos mesmos problemas, o Senhor me conceda forças para no próximo período abrir a porta daquelas salas - uma vez mais, e dizer - então, são vocês?
Fim de período... parabéns a todos nós. Glória apenas a Deus.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
O MITO DO ETERNO RETORNO
De autoria do conspícuo historiador das religiões, Mircea Eliade (1907-1986), o livro O Mito do Eterno Retorno - Ed. Mercuryo; que, também, poderia se chamar Introdução a uma Filosofia da História; trata da complexidade que orbita o tempo cíclico (mitológico, sagrado) e o linear (atemporal, cristão). Toda a problemática do livro é de valor inestimável para a história e consequentemente para fenomenologia da religião.
A princípio, o autor se preocupa em dirimir de maneira sucinta qual o objeto de sua pesquisa, quiçá, o significado e função daquilo que chamamos de "arquétipos e repetições". Mircea procura demonstrar que a "história" é fomentada por meio de mitos que explicam a evolução do homem; ele diz "os mitos preservam e transmitem os paradigmas, os modelos exemplares, para todas as atividades responsáveis a que o homem se dedica. Em razão desses modelos paradigmáticos, revelados aos homens em tempos míticos, o cosmo e a sociedade são regenerados de maneira periódica", grosso modo, os mitos fazem com que o homem "pertença" a história - a qual, no pensamento de Eliade é em sua maioria cíclica.
Definido o entendimento de arquétipos (exemplos de início), temos o simbolismo do centro, que na perspectiva do autor denota ao homem a capacidade de fundar o mundo a partir da repetição do Ato Cosmogônico. Esta recriação remonta o homem ao ilud tempus, o tempo forte - mítico. Segundo Eliade, o tempo do começo, da criação, é o tempo que os rituais cosmogônicos procuram restaurar, por se tratar do tempo vivido pelos heróis ancetrais que fundaram o mundo, e, consequentemente as tribos e povos que o remontam. Ainda segundo Eliade, os mitos cosmogônicos iniciam ou aparelham os povos para a realidade temporal que os espera, amalgamando-os aos seus heróis. Para este corifeu da história da religião a história do homem é contada por sua forma de conceber o sagrado, o qual esta sempre se repetindo no "rememorar" do mito.
Destarte, esta regeneração do tempo, fruto da rememoração do ilud tempus, é concebida por meio do entendimento do ano, do ano novo e finalmente pela periodicidade da criação. Segundo Eliade, o tempo esta sempre se regenerando; sempre que qualquer ritual é celebrado, para que o mesmo venha ter relevância sagrada, ele precisa remontar ao princípio, ao tempo em que foi pensado pelo herói ou ancestral mitológico. São inúmeros os mitos que regeneram a criação, os quais, não serão objetos deste artigo por conta do formato (tamanho) pensado para o mesmo. Entretanto, por seu "infinito retorno" o entendimento de história, conforme pensado por nós (ocidentais principalmente), é prejudicado pela eterna recriação do tempo passado. Fato que fez com que Claude Levy-Strauss (1908-2009) asseverasse que não existia história (num outro contexto, lógico) e sim o reviver de um mesmo ocorrido.
Ato contínuo, toda esta problemática é degringolada no terceiro capítulo do livro; o qual desenvolve toda a poderosa relação que o irrupmento do sagrado (hierofania) amealha a vida dos indivíduos impingidos. A contagem do tempo inter-povos descreve a maneira como os mesmos concebem sua existência, a mesma varia desde uma simples referência lunar, até o mitológico ciclo cósmico que traduz a sede do imanente que caracteriza os povos de per si. Todo o argumento de Eliade ambiciona preparar os leitores para a caracterização cíclica que denotam o interesse dos povos de não deixaram a "fonte" que os tornam o que são - suas raízes mitológicas (axis mundi). A única exceção ao pensamento do autor no que tange ao mito hora exposto é o cristianismo. A religião cristã, em seu forte teor escatológico, "rompe" com a perspectiva cíclica dos povos pesquisados e cria uma dobra no pensamento de Eliade. Esta execeção à regra tem gérmen no próprio entendimento de Reino de Deus pensado por Jesus. O Reino pregado por Cristo estaria incontinente dentro de seus seguidores e se concretizaria no futuro próximo. Tal teologia perde toda a conotação cíclica que, até então, caracterizava o pensamento sagrado; e passa a se basear numa concepção "linear". O cristianismo, portanto, não se coaduna com o eterno retorno pensado por Mircea Eliade, e, grosso modo, torna-se o ponto alto de seu pensamento no livro em tela.
No quarto e último capítulo, Eliade reitera a concepção ahistórica do homem arcaico e assevera a postura que havia aventado no capítulo anterior sobre a reconstrução da história pelo homem moderno (cristão). Segundo ele, a singularidade do historicismo se arrima na capacidade que o homem moderno possui de agrilhoar um pensamento linear relevante a posteridade. Toda a liberalidade do pensamento moderno lhe valoriza o apego a verdades diuturnamente relativizadas por seus pares, fato que foi indistintamente trabalhado por Eliade no tomo "dificuldades do historicismo". Não obstante, tal apego ao cristianismo "liberta" o homem do eterno ciclo que lhe manieta, fato que nas palavras de Eliade "liberta o homem da história", o mesmo assevera, "a fé, neste contexto, assim como em muitos outros, significa a emancipação absoluta de qualquer tipo de "lei" natural, e, portanto, a mais elevada liberdade que o homem pode imaginar: a liberdade de poder intervir até mesmo na reconstrução ontológica do universo. Em consequência, trata-se de uma liberdade preeminentimente criativa. Em outras palavras, constitui uma nova fórmula para a colaboração do homem com a criação - a primeira, mas também a única fórmula a ele concedida desde que o tradicional horizonte dos arquétipos e repetição foi ultrapassado. Apenas uma tal liberdade é capaz de defender o homem moderno do terror da história - uma liberdade, em outras palavras, que tem sua fonte e encontra sua garantia e apoio em Deus". Nestes termos, Mircea Eliade valoriza a fé cristã, pois, sua peculiaridade em conceber uma nova realidade, liberta o homem do "eterno retorno" (história) que o aprisiona.
Finalmente, percebo neste ditoso livro a mais profunda definição do pensamento deste que, na opinião de boa parte da academia, é uma das maiores autorides em mitologia de todos os tempos. Integrante do Círculo de Eranos e um dos mais renomados professores de história da religião, Eliade é indispensável para leitura hodierna do fenômeno religioso. No meu entender, o Mito do Eterno Retorno é a principal obra deste homem brilhante. Indico a leitura deste manual de história da religião a todos quanto almejem entender os bastidores do pensamento religioso arcaico e moderno. Trata-se de um clássico!
ELIADE, Mircea O Mito do Eterno Retorno, Ed. Mercuryo - São Paulo, 1992.
A princípio, o autor se preocupa em dirimir de maneira sucinta qual o objeto de sua pesquisa, quiçá, o significado e função daquilo que chamamos de "arquétipos e repetições". Mircea procura demonstrar que a "história" é fomentada por meio de mitos que explicam a evolução do homem; ele diz "os mitos preservam e transmitem os paradigmas, os modelos exemplares, para todas as atividades responsáveis a que o homem se dedica. Em razão desses modelos paradigmáticos, revelados aos homens em tempos míticos, o cosmo e a sociedade são regenerados de maneira periódica", grosso modo, os mitos fazem com que o homem "pertença" a história - a qual, no pensamento de Eliade é em sua maioria cíclica.
Definido o entendimento de arquétipos (exemplos de início), temos o simbolismo do centro, que na perspectiva do autor denota ao homem a capacidade de fundar o mundo a partir da repetição do Ato Cosmogônico. Esta recriação remonta o homem ao ilud tempus, o tempo forte - mítico. Segundo Eliade, o tempo do começo, da criação, é o tempo que os rituais cosmogônicos procuram restaurar, por se tratar do tempo vivido pelos heróis ancetrais que fundaram o mundo, e, consequentemente as tribos e povos que o remontam. Ainda segundo Eliade, os mitos cosmogônicos iniciam ou aparelham os povos para a realidade temporal que os espera, amalgamando-os aos seus heróis. Para este corifeu da história da religião a história do homem é contada por sua forma de conceber o sagrado, o qual esta sempre se repetindo no "rememorar" do mito.
Destarte, esta regeneração do tempo, fruto da rememoração do ilud tempus, é concebida por meio do entendimento do ano, do ano novo e finalmente pela periodicidade da criação. Segundo Eliade, o tempo esta sempre se regenerando; sempre que qualquer ritual é celebrado, para que o mesmo venha ter relevância sagrada, ele precisa remontar ao princípio, ao tempo em que foi pensado pelo herói ou ancestral mitológico. São inúmeros os mitos que regeneram a criação, os quais, não serão objetos deste artigo por conta do formato (tamanho) pensado para o mesmo. Entretanto, por seu "infinito retorno" o entendimento de história, conforme pensado por nós (ocidentais principalmente), é prejudicado pela eterna recriação do tempo passado. Fato que fez com que Claude Levy-Strauss (1908-2009) asseverasse que não existia história (num outro contexto, lógico) e sim o reviver de um mesmo ocorrido.
Ato contínuo, toda esta problemática é degringolada no terceiro capítulo do livro; o qual desenvolve toda a poderosa relação que o irrupmento do sagrado (hierofania) amealha a vida dos indivíduos impingidos. A contagem do tempo inter-povos descreve a maneira como os mesmos concebem sua existência, a mesma varia desde uma simples referência lunar, até o mitológico ciclo cósmico que traduz a sede do imanente que caracteriza os povos de per si. Todo o argumento de Eliade ambiciona preparar os leitores para a caracterização cíclica que denotam o interesse dos povos de não deixaram a "fonte" que os tornam o que são - suas raízes mitológicas (axis mundi). A única exceção ao pensamento do autor no que tange ao mito hora exposto é o cristianismo. A religião cristã, em seu forte teor escatológico, "rompe" com a perspectiva cíclica dos povos pesquisados e cria uma dobra no pensamento de Eliade. Esta execeção à regra tem gérmen no próprio entendimento de Reino de Deus pensado por Jesus. O Reino pregado por Cristo estaria incontinente dentro de seus seguidores e se concretizaria no futuro próximo. Tal teologia perde toda a conotação cíclica que, até então, caracterizava o pensamento sagrado; e passa a se basear numa concepção "linear". O cristianismo, portanto, não se coaduna com o eterno retorno pensado por Mircea Eliade, e, grosso modo, torna-se o ponto alto de seu pensamento no livro em tela.
No quarto e último capítulo, Eliade reitera a concepção ahistórica do homem arcaico e assevera a postura que havia aventado no capítulo anterior sobre a reconstrução da história pelo homem moderno (cristão). Segundo ele, a singularidade do historicismo se arrima na capacidade que o homem moderno possui de agrilhoar um pensamento linear relevante a posteridade. Toda a liberalidade do pensamento moderno lhe valoriza o apego a verdades diuturnamente relativizadas por seus pares, fato que foi indistintamente trabalhado por Eliade no tomo "dificuldades do historicismo". Não obstante, tal apego ao cristianismo "liberta" o homem do eterno ciclo que lhe manieta, fato que nas palavras de Eliade "liberta o homem da história", o mesmo assevera, "a fé, neste contexto, assim como em muitos outros, significa a emancipação absoluta de qualquer tipo de "lei" natural, e, portanto, a mais elevada liberdade que o homem pode imaginar: a liberdade de poder intervir até mesmo na reconstrução ontológica do universo. Em consequência, trata-se de uma liberdade preeminentimente criativa. Em outras palavras, constitui uma nova fórmula para a colaboração do homem com a criação - a primeira, mas também a única fórmula a ele concedida desde que o tradicional horizonte dos arquétipos e repetição foi ultrapassado. Apenas uma tal liberdade é capaz de defender o homem moderno do terror da história - uma liberdade, em outras palavras, que tem sua fonte e encontra sua garantia e apoio em Deus". Nestes termos, Mircea Eliade valoriza a fé cristã, pois, sua peculiaridade em conceber uma nova realidade, liberta o homem do "eterno retorno" (história) que o aprisiona.
Finalmente, percebo neste ditoso livro a mais profunda definição do pensamento deste que, na opinião de boa parte da academia, é uma das maiores autorides em mitologia de todos os tempos. Integrante do Círculo de Eranos e um dos mais renomados professores de história da religião, Eliade é indispensável para leitura hodierna do fenômeno religioso. No meu entender, o Mito do Eterno Retorno é a principal obra deste homem brilhante. Indico a leitura deste manual de história da religião a todos quanto almejem entender os bastidores do pensamento religioso arcaico e moderno. Trata-se de um clássico!
ELIADE, Mircea O Mito do Eterno Retorno, Ed. Mercuryo - São Paulo, 1992.
Marcadores:
Fenomenologia,
História,
Livros,
Mitologia
Assinar:
Postagens (Atom)