sexta-feira, 17 de junho de 2011

O MITO DO ETERNO RETORNO

De autoria do conspícuo historiador das religiões, Mircea Eliade (1907-1986), o livro O Mito do Eterno Retorno - Ed. Mercuryo; que, também, poderia se chamar Introdução a uma Filosofia da História; trata da complexidade que orbita o tempo cíclico (mitológico, sagrado) e o linear (atemporal, cristão). Toda a problemática do livro é de valor inestimável para a história e consequentemente para fenomenologia da religião.

A princípio, o autor se preocupa em dirimir de maneira sucinta qual o objeto de sua pesquisa, quiçá, o significado e função daquilo que chamamos de "arquétipos e repetições". Mircea procura demonstrar que a "história" é fomentada por meio de mitos que explicam a evolução do homem; ele diz "os mitos preservam e transmitem os paradigmas, os modelos exemplares, para todas as atividades responsáveis a que o homem se dedica. Em razão desses modelos paradigmáticos, revelados aos homens em tempos míticos, o cosmo e a sociedade são regenerados de maneira periódica", grosso modo, os mitos fazem com que o homem "pertença" a história - a qual, no pensamento de Eliade é em sua maioria cíclica.

Definido o entendimento de arquétipos (exemplos de início), temos o simbolismo do centro, que na perspectiva do autor denota ao homem a capacidade de fundar o mundo a partir da repetição do Ato Cosmogônico. Esta recriação remonta o homem ao ilud tempus, o tempo forte - mítico. Segundo Eliade, o tempo do começo, da criação, é o tempo que os rituais cosmogônicos procuram restaurar, por se tratar do tempo vivido pelos heróis ancetrais que fundaram o mundo, e, consequentemente as tribos e povos que o remontam. Ainda segundo Eliade, os mitos cosmogônicos iniciam ou aparelham os povos para a realidade temporal que os espera, amalgamando-os aos seus heróis. Para este corifeu da história da religião a história do homem é contada por sua forma de conceber o sagrado, o qual esta sempre se repetindo no "rememorar" do mito.

Destarte, esta regeneração do tempo, fruto da rememoração do ilud tempus, é concebida por meio do entendimento do ano, do ano novo e finalmente pela periodicidade da criação. Segundo Eliade, o tempo esta sempre se regenerando; sempre que qualquer ritual é celebrado, para que o mesmo venha ter relevância sagrada, ele precisa remontar ao princípio, ao tempo em que foi pensado pelo herói ou ancestral mitológico. São inúmeros os mitos que regeneram a criação, os quais, não serão objetos deste artigo por conta do formato (tamanho) pensado para o mesmo. Entretanto, por seu "infinito retorno" o entendimento de história, conforme pensado por nós (ocidentais principalmente), é prejudicado pela eterna recriação do tempo passado. Fato que fez com que Claude Levy-Strauss (1908-2009) asseverasse que não existia história (num outro contexto, lógico) e sim o reviver de um mesmo ocorrido.

Ato contínuo, toda esta problemática é degringolada no terceiro capítulo do livro; o qual desenvolve toda a poderosa relação que o irrupmento do sagrado (hierofania) amealha a vida dos indivíduos impingidos. A contagem do tempo inter-povos descreve a maneira como os mesmos concebem sua existência, a mesma varia desde uma simples referência lunar, até o mitológico ciclo cósmico que traduz a sede do imanente que caracteriza os povos de per si. Todo o argumento de Eliade ambiciona preparar os leitores para a caracterização cíclica que denotam o interesse dos povos de não deixaram a "fonte" que os tornam o que são - suas raízes mitológicas (axis mundi). A única exceção ao pensamento do autor no que tange ao mito hora exposto é o cristianismo. A religião cristã, em seu forte teor escatológico, "rompe" com a perspectiva cíclica dos povos pesquisados e cria uma dobra no pensamento de Eliade. Esta execeção à regra tem gérmen no próprio entendimento de Reino de Deus pensado por Jesus. O Reino pregado por Cristo estaria incontinente dentro de seus seguidores e se concretizaria no futuro próximo. Tal teologia perde toda a conotação cíclica que, até então, caracterizava o pensamento sagrado; e passa a se basear numa concepção "linear". O cristianismo, portanto, não se coaduna com o eterno retorno pensado por Mircea Eliade, e, grosso modo, torna-se o ponto alto de seu pensamento no livro em tela.

No quarto e último capítulo, Eliade reitera a concepção ahistórica do homem arcaico e assevera a postura que havia aventado no capítulo anterior sobre a reconstrução da história pelo homem moderno (cristão). Segundo ele, a singularidade do historicismo se arrima na capacidade que o homem moderno possui de agrilhoar um pensamento linear relevante a posteridade. Toda a liberalidade do pensamento moderno lhe valoriza o apego a verdades diuturnamente relativizadas por seus pares, fato que foi indistintamente trabalhado por Eliade no tomo "dificuldades do historicismo". Não obstante, tal apego ao cristianismo "liberta" o homem do eterno ciclo que lhe manieta, fato que nas palavras de Eliade "liberta o homem da história", o mesmo assevera, "a fé, neste contexto, assim como em muitos outros, significa a emancipação absoluta de qualquer tipo de "lei" natural, e, portanto, a mais elevada liberdade que o homem pode imaginar: a liberdade de poder intervir até mesmo na reconstrução ontológica do universo. Em consequência, trata-se de uma liberdade preeminentimente criativa. Em outras palavras, constitui uma nova fórmula para a colaboração do homem com a criação - a primeira, mas também a única fórmula a ele concedida desde que o tradicional horizonte dos arquétipos e repetição foi ultrapassado. Apenas uma tal liberdade é capaz de defender o homem moderno do terror da história - uma liberdade, em outras palavras, que tem sua fonte e encontra sua garantia e apoio em Deus". Nestes termos, Mircea Eliade valoriza a fé cristã, pois, sua peculiaridade em conceber uma nova realidade, liberta o homem do "eterno retorno" (história) que o aprisiona.

Finalmente, percebo neste ditoso livro a mais profunda definição do pensamento deste que, na opinião de boa parte da academia, é uma das maiores autorides em mitologia de todos os tempos. Integrante do Círculo de Eranos e um dos mais renomados professores de história da religião, Eliade é indispensável para leitura hodierna do fenômeno religioso. No meu entender, o Mito do Eterno Retorno é a principal obra deste homem brilhante. Indico a leitura deste manual de história da religião a todos quanto almejem entender os bastidores do pensamento religioso arcaico e moderno. Trata-se de um clássico!

ELIADE, Mircea O Mito do Eterno Retorno, Ed. Mercuryo - São Paulo, 1992.

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