terça-feira, 6 de julho de 2010

CARGO CULTS.


O Cargo Cults ou Culto de Carga é um tipo de prática religiosa que pode aparecer em sociedades tribais tradicionais. Os cultos estão centrados na ostentação da riqueza material da “cultura avançada”, através de pensamentos mágicos, rituais religiosos e práticas místicas. Os nativos que cultuam desta maneira acreditam que as riquezas pertencentes aos “brancos” eram destinadas a eles por seus “deuses e ancestrais” [1].

Na região do Congo, pode-se observar um exemplo clássico desta prática. Por estas cercanias, existe um mito que diz que por ocasião da independência do país (em suas lutas étnicas), em algumas aldeias os indígenas retirarão os tetos das casas, a fim de dar passagem as moedas de ouro que seus ancestrais farão chover (...) Em meio ao abandono geral (por parte das autoridades e dos próprios nativos que deixam suas habitações sem qualquer manutenção), apenas os caminhos que levam aos cemitérios são conservados, a fim de permitir que os ancestrais cheguem a aldeia. Percebemos neste mito ainda outra prática comum, pois, os recorrentes excessos orgiáticos significam, segundo o mito, que ao despontar desta nova era fundada com o Cargo Cults, todas as mulheres pertencerão a todos os homens [2].

Em meados do século XX, uma idéia melhor burilada deste mito passou a figurar em meio aos círculos acadêmicos. Os eruditos procuravam uma explicação mais plausível a manifestação cultural em tela. A partir desta premissa, novas teorias a respeito do surgimento deste rito foram surgindo, dentre elas destacamos a que diz que com a aproximação do homem branco (usamos esta nomenclatura apenas como uma forma de diferenciar o nativo do visitante) em território nativo, este último percebeu que os visitantes recebiam suas “encomendas” (cargas) através de navios ou aviões. Assim, os nativos, por não compreenderem a origem destas cargas, mais reconhecendo seu valor pecuniário, acabavam por atribuir estas remessas a entidades espirituais, o que inevitavelmente fomentou o tipo de culto que ora analisamos.

A maneira que os eruditos encontraram para substanciar suas conjecturas lhes foram advindas dos próprios nativos que em seu zelo pela acolhida da “carga sagrada” abriam clareiras nas selvas numa espécie de imitação dos aeroportos onde as “canoas voadoras” poderiam pousar com suas cargas sagradas; além destes pseudoaeroportos encontraram ainda a elaboração fictícia de rádios, equipamentos de comunicação, roupas características dos pilotos e marinheiros, e até réplicas de aviões talhadas em madeira. Tudo isso, servindo para provar que este mito não tinha origem “in ilo tempore”, mas, na chegada do visitante que deveras avançado exercia forte influência em meio à cultura nativa invariavelmente menos desenvolvida. Todas estas manifestações culturais serviram como prova do gérmem do Cargo Cults.

O fato que nos chama atenção e que nos impulsiona à escrita deste artigo é a premissa de que este mito pode servir como uma ponte para comunicação do Evangelho. Esta exótica manifestação cultural, mesmo em meio a este aparato “fantástico” pode ser revertida em Glória a Deus. Se não vejamos, diz o mito que no tempo da libertação, quando o deus tribal local enfim triunfar sobre todos os seus adversários, então, a “Carga Sagrada” será o coroamento da vitória e apontará para o triunfo final de todos os que esperaram esta dádiva advinda do céu. Esta crença corrobora o que foi idealizado a muito por Mircea Eliade, que mesmo não pensando numa perspectiva cristã, muito tem contribuído para o estudo das culturas religiosas. Segundo ele, em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado no mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que ele é. É em razão das intervenções dos seres sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural [3].

Diante desta profícua explanação, o que nós compreendemos é que existe uma forma de se comunicar o evangelho a estas culturas sem, no entanto, destruí-las. Ora, é o sentimento de pertencer a algo que faz com que o homem consiga viver em sociedade [4]. Muitas empreitadas missionárias tem falhado ao longo dos anos porque não levam em conta a identidade cultural dos povos e ao invés de enlevar o que de bom existe e reparar as arestas que não louvam a Deus, mutilam completamente toda uma cultura, que por sua vez era acreditada como verdade absoluta, às vezes por milênios, criando não um convívio propício a comunicação do evangelho, mas, uma barreira quase que intransponível. A forma como nós podemos preservar a identidade cultural dos povos e faze-los adoradores do único Deus Verdadeiro é pregando o evangelho de maneira contextualizada.

Segundo Don Richardson, em cada cultura, seja ela qual for, existem parâmetros (os quais ele chama de pontes) que se bem trabalhados serviram para esclarecer as pessoas para a singularidade do Evangelho. Estas pontes estão inseridas na própria cultura evangelizada e funcionaram como um “abridor de olhos” que fará com que a verdade parcial que eles conhecem se transforme na verdade absoluta do evangelho de Jesus Cristo. No caso em questão, a ponte seria o próprio mito do Cargo Cults, que diz que na vitória do deus tribal a recompensa virá do céu. Este pensamento aponta de uma maneira maravilhosa para promessa que nos feita em Apocalipse 21.2Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo”. Ora, observem que ponte maravilhosa, se bem utilizada a promessa de Apocalipse pode eclipsar o falso pensamento das culturas do Cargo Cults. Eles, enfim, poderão compreender a perspectiva verdadeira daquilo que eles acreditam ser a verdade. Tudo através de um parâmetro cultural encontrado na própria sociedade e que aponta para uma verdade que fará com que estes povos deixem a penumbra nefasta das trevas e passem a viver sobre uma fulgurante luz, a qual emana unicamente do Evangelho.

Por isso o Senhor Deus nos abençoou com um Evangelho Supracultural, pois, uma vez que ele se encontra a cima das culturas, elas precisam conforme a comunicação dos santos, se amoldar ao evangelho, e nunca o contrário. Todavia, a pesar da total depravação tanto da humanidade quanto da criação, apenas os aspectos da própria cultura que não se encontram moldados à semelhança do Evangelho é que precisaram sofrer alterações, não apenas para o bem da cultura, mas, sobretudo, para Glória de Deus. Por isso, quando se fala em comunicação do Evangelho, o que se está em jogo não é à vontade daquele que comunica a mensagem, tão pouco a supremacia de sua cultura em detrimento da que está sendo evangelizada, e sim a manifestação da Glória de Deus. Nós não comunicamos o aniquilar da cultura receptora para manifestação a Glória de Deus, absolutamente! Nós comunicamos a supremacia de Cristo sobre todas as coisas, para Glória de Deus, e para alegria de todos os povos [5].

[1][2][3] ELIADE, Mircea 1907-1986
Mito e Realidade/Mircea Eliade; [Tradução Pola Civelli]. -- São Paulo:Perspectiva, 2007. -- (Coleção Debates; 52/dirigida por J. Guinsburg)

[4] Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial. O Evangelho e a Cultura. Série Lausanne 3.

[5] PIPER, John
God is the Gospel Deus é o Evangelho/ John Piper; [Tradução Marilene Paschoal, Ana Paulo Eusébio Pereira] -- São José dos Campos: Fiel, Missão Evangélica Literária.

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