2ª
Parte
Conceituando a segunda parte
1 –
Cosmovisão[1]
Samaritana
A – Uma Abordagem Fenomenológica – A
Ideia de Templo
“Não por força nem por poder, mas pelo meu
Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4.6b).
O
profeta Zacarias (520 a.C.), contemporâneo mais jovem do profeta Ageu (520
a.C.), assim como este último, foi incumbido pelo Senhor de induzir o povo à
“reconstruir o Templo”. Segundo Shedd, “A mensagem escrita de Zacarias, forma
um significativo elo entre os profetas anteriores, a cujo ministério ele se
refere e as fases posteriores da obra redentora de Deus, sobre a qual o seu
livro presta tão eloquente testemunho”. Segundo se depreende, o elo a que se
faz referência diz respeito à posição que o Templo ocupava na adoração do povo,
fato que norteava a premissa de sua reconstrução e todo o empenho por parte
daqueles responsáveis por esta tarefa.
Segundo
Mircea Eliade, um dos mais influentes estudiosos da religião do século XX, não
apenas em culturas específicas (como a israelita), mas em todas as demais
(mesmo que com centros e/ou objetos de adoração diversos), o templo, ou melhor,
as hierofanias (algo de sagrado que se nos revela), representam para os povos
(que podem ou não variar em termos de desenvolvimento cultural), uma ruptura no
espaço cósmico (mundo), fato que provoca uma separação (limiar), entre o espaço
sagrado e o profano. Daí a importante posição que os centros de adoração ocupam
na identidade cultural de todos os povos, pois, o homem religioso (em todos os
tempos) é sedento do ser (sagrado). Eliade, vai ainda mais longe em seu
pensamento a respeito da posição do sagrado na vida dos povos ao dizer que “é
graças ao templo (a manifestação do sagrado) que o mundo é ressantificado em
sua totalidade”.
“Uma
vez perdido contato com o transcendente, a existência no mundo já não é
possível”, por causa disso, o templo é tão importante, pois, denota
singularidade num mundo onde “o sagrado e o profano constituem duas modalidades
de ser” (Eliade).
B – O Fenômeno Religioso Aplicado ao
Texto
Vislumbrado
a importância do local de adoração para implementação da identidade cultural
dos povos, passemos outra vez a analisar o texto extraído do Livro do Profeta
Zacarias. Ele diz, “não por poder, mas pelo Espírito”. Com esta sentença, conforme
mencionei acima, percebemos a semelhança entre o pensamento de Zacarias e o
tratar de Jesus em relação à mulher samaritana.
No
diálogo que estamos analisando (Jo 4.1-42), ficou óbvio que o Mestre sempre
procurou esclarecer a mulher através da atuação maravilhosa do Espírito Santo,
e nunca, através do poder de sua possível “ascendência cultural”, ou de
qualquer outro meio que não fosse pelo Espírito; fato que não somente válida,
mas também especifica o teor da comunicação em contexto intercultural, o qual
seria, “Pregai o Evangelho”. Além disso, tanto um (Isaías) como outro (Jesus)
procuravam a “Reconstrução do Templo”, todavia, este que agora era pregado pelo
Senhor Jesus, não seria reconstruído por mãos humanas (At 17.24), mas, a
semelhança do primeiro, seria o local de habitação do Espírito de Deus (I Co
3.16; 6.19).
Jesus
estava nos revelando que cada ser humano (desde que presente em seu Corpo (Rm
8.9), seria Templo e morada do Espírito Santo, fato que expandiria o “local de
culto” e ressantificaria (reorganizaria) um mundo que jaz no maligno (I Jo
5.19). Jesus implementava a “otimização” da luta contra o caos através de
embaixadas (Templos Humanos) espalhadas por todo o mundo, as quais,
representariam a presença d’Ele em todo lugar e funcionariam como uma tocha
acesa em meio à escuridão, como o sal que não permitiria que o mundo de resto
apodrecesse.
Jesus
comissionava à humanidade para que, com a mensagem supracultural do evangelho,
funcionassem como “A Solução para o
Caos!”.
OBS.: Uma vez compreendida a relação entre o
texto de Zacarias e a nova proposta de Jesus em relação ao “Templo”, voltemos
ao texto do Evangelho de João.
A
Verdadeira Adoração
Ora,
percebemos a relevância da “abordagem contextualizada” de Jesus através do
progresso conseguido em tão pouco tempo de conversa. Lembre que no princípio do
diálogo, conforme mencionamos, a mulher começa por tratar ao Senhor Jesus tão
somente como um simples judeu. A seguir, após mais um momento de conversa ela
já o trata como Senhor, e por fim, ponto que da início a análise do diálogo
neste segundo momento, ela o chama de “Profeta”.
Neste ponto, voltemos ao texto.
2 – O Poder Esclarecedor do Evangelho
“Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és
profeta” (V19). Essa foi à resposta da samaritana após a breve e
esclarecedora observação do Mestre a respeito de sua vida particular. Jesus, em
seu comentário, toca num ponto delicado da vida daquela mulher (sua situação
conjugal) e a faz perceber a singularidade de sua pessoa. Como a postura
assumida por Jesus denotava uma poderosa autoridade
espiritual (algo raro naquela região), a mulher não perdeu tempo, e numa
última tentativa de fazer surgir do coração de Jesus o possível “leão cultural”
até então “adormecido” (fato que justificaria o questionamento, e que no
“pensamento da mulher” revelaria de uma vez por todas o caráter de Jesus), fez
o seguinte comentário, na esperança de super aguçar até o mais comedido de
todos os judeus, “Nossos pais adoravam
neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve
adorar” (V20).
A – Nós Somos Convocados a Evangelizar,
Não a Discutir[2]
Obviamente
ela estava muito interessada em ouvir a opinião de Jesus a respeito desta
“disputa cultural” que ao longo dos anos já contava com a morte de inúmeras
pessoas que, em seu zelo desmedido, já haviam ultrapassado todos os limites
possíveis (Josefo). A grande questão em torno deste tema seria: Afinal, qual
dos dois montes realmente seria o mais santo, Gerisim ou Ebal? Com esta
indagação, a samaritana achava que estava preparada a arena para mais uma
batalha entre uma e outra cultura. Mas, inevitavelmente, ela mais uma vez ouviu
uma poderosa resposta de Jesus.
“Disse-lhe
Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em
Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós
adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas
vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em
espírito e em verdade; porque são esses que o pai procura para seus adoradores. Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o adorem em
espírito e em verdade” (V 21-24).
B
– Por que a Questão do Templo era tão Importante?
Desde muito
antes e, a época deste diálogo, à “supremacia cultural” de cada povo estava
intimamente relacionada à área de atuação que o seu deus controlava e ao poder
de que este deus dispunha para, em tempo oportuno, livrar o povo que o adorava
de possíveis inimigos (e ainda não é?).
Quem possuía
o deus mais poderoso inevitavelmente era o povo mais forte, e essa
particularidade norteava toda a vida social em praticamente todas as culturas.
A intenção dos samaritanos era se tornar melhor que os judeus por serem o povo
que detinham o verdadeiro local de “atuação e habitação” do Senhor (o templo de
Gerisim), enquanto que os judeus pensavam exatamente o contrário (com seu
templo no Ebal, Jerusalém). Percebe-se então, que com esta pergunta, o objetivo
da samaritana era reacender a chama desta disputa.
C
– A Poderosa Aplicação Cultural de Cristo
Todavia,
segundo Champlin, “a resposta dada por Jesus declarou a abolição da adoração
sectarista, a derrubada de bandeiras religiosas, a remoção de reivindicações rivais
do meio da adoração verdadeira, sem importar se essas reivindicações são
judaicas ou samaritanas. O verdadeiro centro da adoração não era nem um monte e
nem um templo, mais sim, uma pessoa – O Cristo”.
Cristo teria
a missão de remir “pessoas de todos os povos” (Ap 5.9-10), o que “seria
suficiente para destruir todas as barreiras que os homens teriam construído
para satisfazer o seu orgulho nacionalista” e sectarista.
A resposta de
Jesus apontava para uma adoração que não precisaria de bandeiras, que não
estaria restrita aos templos suntuosos construídos pelos homens, que viria como
a mais poderosa resposta às barreiras culturais que separavam os povos e
funcionaria como o mais poderoso símbolo da unidade, pois, os seus adoradores
estariam todos habitando num mesmo corpo, reunidos em um único propósito; o
qual seria: Adorar ao Deus todo poderoso de maneira que os pressupostos
culturais não mais os separariam, pois, adorariam em “Espírito e em verdade”.
Jesus transferia a autoridade (criada pelos
homens) dos templos construídos em todas as culturas e a depositava sobre a
vida das pessoas (esse é o sentido de reconstrução fomentada por Cristo a que
me referia acima), acabava com os entreveros culturais que visavam supremacia e
nivelava todos os homens à unidade (transformando-os em embaixadores do céu).
3 – O Evangelho é Supracultural
A
– O Evangelho está Acima dos Usos e Costumes Humanos!
Ele disse: “Deus é espírito”. Com esta sentença, Ele
afirmava que Deus não estava sujeito às estruturas, as formas, aos tipos, as
cores, aos ritos, aos costumes ou a qualquer outro tipo de capricho humano.
Segundo Champlin, o fato de Deus, conforme citação de seu Filho, “não possuir
corpo físico, subtende, sim, até mesmo requer, que ele seja adorado de maneira
não corpórea (não quero dizer com esta citação fora do corpo e sim sem a
necessidade de estruturas humanas)”. Jesus descortinava diante daquela mulher
uma verdade sempre presente nas Escrituras, mas até então mal compreendida
pelos homens, uma realidade espiritual que estava acima de todas as culturas,
um Evangelho supracultural.
Com esta belíssima declaração, Jesus
procurou retirar do homem toda reserva cultural que tanto o afligia,
direcionando de uma vez por todas o foco de nosso verdadeiro ataque, o qual não
poderia ser melhor definido se não nas palavras inspiradas do Apóstolo Paulo, “porque a nossa luta não é contra o sangue e
a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste
mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes”
(Ef 6.12). E trazia, segundo Bosch, os outrora não-humanos samaritanos a romper
com o fundamentalismo judaico tradicional. Saciava dentro do homem, a sede do
ser.
B
– O Evangelho como Destruidor das Barreiras Culturais
A última
resposta dada pela mulher samaritana em nada tem haver com as primeiras. Ela
não foi evasiva ou procurou desviar o foco da conversa através de seu sarcasmo.
Mas, conforme Jesus pretendia desde o princípio, ela desvendara algo de melhor
que havia em seu ser, e, numa resposta que denota uma profunda reflexão mística
e religiosa em tudo quanto vinha sendo exposto por Jesus, ela replica: “Eu sei, que há de vir o Messias, chamado
Cristo, quando ele vier, nos anunciará todas as coisas” (V 25). Este “nos anunciará”, plural, que englobava
nas palavras da própria samaritana até os inditosos judeus (pelo menos até
agora), já nos descortina algo que fluía desde o mais profundo do seu ser, algo
que denotava uma transformação não antes possível à mente mais otimista, um
homem, enviado pelo Deus Todo Poderoso, que, até aos olhos da sectária
samaritana, poderia por termo a esta nefasta barreira que os separava.
C
– A Importância da Aplicação do Conhecimento Cultural na Comunicação do
evangelho
É fato
conhecido que a adoração samaritana baseava-se tão somente na Torá, o conjunto
de cinco Livros da Lei judaica escritos por Moisés. Jesus sabia que a mulher
que conversava com Ele, e que ansiava pela revelação do Messias, conhecia muito
bem cada sentença contida em cada um daqueles livros, principalmente as que
faziam menção ao tão conhecido diálogo entre Jeová e Moisés, quando este era
comissionado a libertar o povo das mãos de Faraó.
Assim, numa
sentença que serviu como um divisor de águas na vida daquela humilde mulher,
Jesus, em alusão à resposta dada por Deus em referência a sua identidade
indagada por Moisés, asseverou nas mesmas palavras tão caras ao coração daquela
mulher: “Eu Sou, eu que falo
contigo” (V 26). Segundo Timóteo
Carriker, a utilização por parte de Jesus do nome “Eu Sou”, sugere uma presença
salvífica que, no próprio nome, Jesus pode ousar e aceitar em usar como dele
próprio”.
D
– A Perfeita Adaptação da Mensagem, O Ouvinte como Comunicador
Diante disso,
a reação da samaritana esboçada num misto de espanto e alegria estampados em
seu rosto pálido era algo tão patente, que os discípulos que acabavam de voltar
de sua épica viagem a Sicar, não ousaram perguntar o que estava acontecendo,
embora estivessem espantados de Jesus estar conversando com uma mulher, “e
pior” samaritana.
A mulher,
maravilhada com o que se realizara em sua vida (graças ao Evangelho
contextualizado pregado por Jesus), abandonou o seu cântaro junto à fonte, e a
plenos pulmões voltou a Sicar, gritando a quem encontrava pelo caminho, “Vinde comigo e vede um homem que me disse
tudo quanto tinha feito. Será este, por ventura, o Cristo? Saíram, pois, da
cidade e vieram ter com ele” (v 29-30).
[1] Cosmovisão é um conjunto de suposições e crenças que alguém usa para
interpretar e formar opiniões acerca da sua humanidade, propósito de vida,
deveres no mundo, responsabilidades para com a família, interpretação da
verdade, questões sociais, etc
[2] No
sentido de perder o foco do Evangelho com discussões que em nada somam a vida
das pessoas e ao Reino de Deus. Mas que apenas insuflam o ego.
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