Por causa da premissa de que tudo que aponta "inovação" gera no indivíduo certa reserva, embora a contextualização não se coadune a esta acertiva(nem seja algo novo, se bem que o termo que a define seja recente), nada melhor que um comentário bíblico e histórico, para aplacar esta penumbra inditosa que, por vezes, tem arrefecido o engajamento de alguns e dificultado a comunicação da mensagem. Fato que não ocorreria se o conhecimento a muito difundido fosse realmente ensinado, observe:
O maior exemplo de Contextualização, sem dúvida alguma, nos foi deixado por Jesus Cristo. Filipenses 2.5-7 nos diz:
” Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana”.
Jesus era o próprio Deus, o Filho Unigênito do Pai, o Messias salvador do mundo. Todavia, para que as pessoas tivessem condições de melhor compreender a importância do evangelho, aprouve a ele comunicar a mensagem, trabalho, Palavra e desejo de Deus de forma fiel, significante e aplicável nos distintos contextos, sejam culturais ou existenciais . Através de sua “encarnação” Ele proporcionou a si mesmo plenas condições de comunicar sua mensagem de teor divino em parâmetros culturais humanamente inteligíveis e relevantes. Deixando-nos o maior desafio de estudo e compreensão quando tratamos da teologia da contextualização .
Acerca do modelo de contextualização deixado por Jesus, bem como o ensino que Ele nos proporcionou, vejamos o que Burns (2007), nos diz:
A vinda de Jesus Cristo em corpo humano é o maior exemplo na história de contextualização. Filipenses 2.1-11 descreve como Ele deixou Sua posição, Sua glória, Sua “pátria” e consentiu em ser humano, de carne e osso, sentindo sede, fome, cansaço e dor. Andou nas estradas poeirentas da Palestina, falando com os discípulos e com as multidões, operando milagres e livrando da opressão humana e demoníaca. Ele morreu como um criminoso comum, rejeitado e objeto de escárnio e maldição (2007, p. )
Através deste exemplo temos uma noção da profundidade que foi a Contextualização experimentada por Cristo. Ele verdadeiramente pensou, sentiu e agiu como um ser humano, para que tivesse plenas condições de amá-lo, entendê-lo e salvá-lo em seu próprio contexto, através de sua própria cultura. Burns (2007), diz que: “Deus veio em Cristo na encarnação, em uma identificação profundíssima com a humanidade e atravessou o abismo da separação entre os dois”. Através de toda sua iniciativa contextualizada, Jesus comunicou e foi plenamente compreendido, deixando que os seus discípulos, e conseqüentemente a igreja, transformados e capacitados, fossem agentes de Deus no mundo . Seguindo seu próprio exemplo.
Uma vez compreendido o exemplo deixado por Cristo e na iminência de continuar a obra por Ele deixada e ordenada, uma nova geração de comunicadores contextualizados precisou surgir para dar continuidade ao trabalho. Segundo Burns (2007), “uma parte importante no processo de contextualização é a formação de novos líderes e o desenvolvimento dos dons de cada pessoa nas igrejas”. Para que o missionário possua plenas condições de comunicar a mensagem, ele precisa, antes de tudo, transformar a sua própria realidade (cosmovisão), para só então criar comunidades missionárias perfeitamente influenciadas sobre a verdadeira realidade de um discípulo. Tendo isso em mente, observemos o exemplo de Cristo:
Para tal, Jesus conviveu com os primeiros apóstolos, incluindo-os no Seu encontro com os males deste mundo. Ensinou constantemente por meio de parábolas que os obrigassem a pensar, e ensinou por meio de perguntas e correções de atitudes egoístas e destrutivas da nova comunidade a ser construída. Tinham que aprender humildade, coragem, discernimento e toda uma compreensão e aplicação prática das Escrituras, tratadas por Jesus como a verdade absoluta de Deus. (Burns, 2007, p.36)
Este processo de tornar os discípulos verdadeiros comunicadores enfim tornou-se pleno com a chegada poderosa do “Espírito Santo” que verdadeiramente transformou suas vidas capacitando-os para obra de comunicação contextualizada do evangelho, conforme vemos no relato de Lucas em Atos 1.8 “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra”. A partir deste evento maravilhoso os discípulos estavam perfeitamente equipados para dar continuidade há obra maravilhosa de evangelização encabeçada por Jesus.
Mesmo com o Espírito Santo atuando poderosamente na vida dos discípulos, os mesmos não ficaram desobrigados de comunicar o evangelho de forma contextualizada, muito pelo contrário, o Espírito Santo os impulsionava a seguir pormenorizadamente os passos de Cristo, o maior exemplo de contextualização. Ou seja, os discípulos estavam plenos do Espírito, mas, ainda inseridos em sua cultura e momento histórico. Acerca desta verdade, vejamos o que diz Burns (2007):
Os missionários do Novo Testamento não eram perfeitos, como podemos constatar em vários textos, mas eles optaram, sim, por uma caminhada de fidelidade a Deus, que levou a maioria deles a uma morte dramática. Por causa da convicção de que Jesus é o único caminho e a única verdade, eles deram as suas vidas em amor e fidelidade e fim de cumprirem a “Grande Comissão”. (2007, p. 36).
Uma vez percebida a presença marcante da Contextualização, tanto no ministério de Cristo quanto no de seus discípulos, vejamos alguns exemplos, através da história do cristianismo, de homens que à semelhança dos mesmos, compreenderam a dimensão dessa Identificação com a humanidade, fato que entendemos como uma perfeita “Contextualização” .
Começamos com o exemplo deixado pelo Apóstolo Paulo. Apesar de sua formação farisaica, ele compreendia muito bem todas as reminiscências do mundo gentio, uma vez que foi criado fora dos círculos de Jerusalém. Esta combinação entre conhecimento das Escrituras e crescimento num contexto transcultural foi o que contribuiu em muito para sua carreira missionária. Nas palavras de Burns (2007), “ele podia escrever aos Coríntios que estava pronto para se tornar “fraco para com os fracos” e escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível” (I Co 9.19 e 22). Seu maior objetivo era comunicar o evangelho de forma contextualizada a todos quantos fosse possível, mesmo que para isso ele tivesse que abrir mão de sua própria vida “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo, na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2.20), fato que se torna ainda mais claro numa declaração como esta. Um exemplo poderoso de identificação com Cristo e por conseguinte com sua mensagem.
Paulo queria que as pessoas conhecessem o único e verdadeiro Deus através de Seu Filho, que veio para se oferecer em sacrifício para a humanidade separada de Deus pelo pecado e desobediência (Burns 2007). Ele procurava através do amor comunicado por Deus expor a toda a humanidade a salvação que há em Cristo, de forma que a mensagem transformasse não só o indivíduo, mas toda a sociedade e o mundo. Ele pregava não só uma nova realidade espiritual em Cristo, mas, uma nova sociedade de pessoas regeneradas e aptas para dar prosseguimento à ordem de Jesus:
“É-me dado todo o poder, no céu e na terra. Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; Ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28.18-20).
Para que as pessoas compreendessem a dimensão dessa obra maravilhosa elas precisavam de um ensino claro, objetivo e teologicamente fundamentado. Precisavam compreender exatamente o que Cristo tinha comunicado, mas em sua própria cultura, para transformar sua própria realidade. Precisavam de um ensino contextualizado, sendo este proporcionado em toda sua extensão pelo Grande Apóstolo dos Gentios “Desde agora, ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus” (Gl 6.17).
Mesmo sendo grandemente estendida, a expansão do Reino de Deus não parou com a ação de Paulo e dos demais discípulos no relato do Novo Testamento, absolutamente, continuou, e produziu frutos poderosos através da história cristã. Continuemos, portanto, a contemplar alguns desses exemplos.
Guilherme Carey, “Pai das Missões Modernas”, deixou-nos outro bom exemplo de contextualização. Carey foi um homem à frente de seu tempo. Mesmo enfrentando problemas desde sua chegada à Índia, país que se propôs evangelizar, jamais recuou nem ao menos um centímetro de seu objetivo, que era ganhar aquela nação para Cristo. O temperamento, bem como a visão evangelística super aguçada de Carey, podem ser facilmente detectados nesta declaração de George (2007):
Carey preocupava-se com justiça social, igualdade e amor(...)
Esta atitude naturalmente se repetiu em sua oposição ao sistema de castas na Índia. Assim, quando um indiano era batizado e admitido à primeira participação da ceia do Senhor, a casta tinha que ser quebrada, algo que em Sarampore não impediu o sucesso do trabalho de Carey e o crescimento da igreja (600 batismos antes de 1818). Carey foi o responsável pelo abandono do Sati (no qual as viúvas eram sempre cremadas vivas com os corpos dos seus maridos) e do infanticídio de crianças defeituosas, bem como pelo abandono da prática de deixar velhos à margem do rio Ganges para morrer (1991, p.203)
Carey utilizava-se de várias pontes para comunicar o evangelho, como a hortelagem e a astronomia, para mostrar que, ao contrário do que os hindus pensavam baseados no conceito de maya (ilusão) e da astrologia, a natureza era boa, criação do Deus soberano que ele pregava. Ele ajudou na criação de bibliotecas para que as pessoas pudessem ter acesso ao conhecimento e combateu ferrenhamente até a sua abolição o Sati . Para Carey o evangelho tinha que permear a totalidade da vida – na praça, no mercado, no laboratório e na vizinhança. Ele usava a pregação e agia de forma concreta para confrontar o domínio do hinduísmo sobre a mente e vida do povo . Numa linguagem profundamente bíblica e ao mesmo tempo culturalmente acessível, num compartilhar tão inteligível que até o indivíduo menos apercebido nas letras compreenderia.
Carey sabia que para ter uma igreja forte, ele tinha que ter líderes indianos. Por isso dedicou a maior parte da sua vida traduzindo a Bíblia e formando escolas de preparo ministerial (Burns 2007). Acerca de sua abordagem e conseqüente apologia à contextualização para comunicação da mensagem. Vejamos o trecho de uma carta que ele escreveu para seu filho, missionário na antiga Birmânia, atual Mianmar:
Pregue a infalível palavra da cruz. Não se incomode de sentar para ensinar a um nativo sozinho(...)
Cultive a melhor amizade e cordialidade possível [com os nativos], como seus iguais, e jamais deixe que os nativos percebam orgulho e superioridade de europeu na casa da missão em Rangum (Extraído de George, 1991, p. 160. Citado em Burns 2007, p. 42).
Segundo Bárbara Burns (2007):
A habilidade de Carey de contextualizar o evangelho sem comprometer as doutrinas cristãs essenciais fornece um modelo equilibrado de uma missiologia evangélica genuína, que busca ser fiel numa época de agitação social e decadência cultural” (Timothy George 1991, p. 28).
Posteriormente o Grupo Serampore, equipe missionária de Carey, escreve-nos algo que resume sua filosofia de missões em relação à contextualização. (Dizem) Que tinham que despojar tudo que aprofunda o conceito indiano contra o evangelho, cultivar os dons espirituais dos indianos, sabendo que só os indianos podem ganhar a Índia para Cristo e trabalhar sem cessar na tradução da Bíblia (Burns, 2007:42).
Por todo este trabalho primoroso, de alguém que até então, conforme a visão da época, não passava de um “simples sapateiro”. Guilherme Carey, deixou-nos um legado maravilhoso sobre o compartilhar contextualizado da mensagem o qual reúne todas as características de uma “Carreira de Sucesso”.
Hudson Taylor, à semelhança de Guilherme Carey, também queria romper com todas as barreiras que impediam o evangelho de ser comunicado em parâmetros culturais que fossem compreensíveis ao povo. Quando chegou à China, país em que desenvolveu seu profícuo ministério, percebeu que os missionários viviam nas confortáveis cidades portuárias e passavam a maior parte do seu tempo nas comunidades estrangeiras fechadas (Burns, 2007). De imediato, Taylor percebeu que todo o território que compreendia o interior da China estava quase que desprovido de missionários e que toda a sua indumentária, desde suas roupas inglesas até o seu estilo britânico, não só ofendiam, mas também afastavam os chineses. Estas informações levaram Hudson Taylor a tomar uma decisão de imensa profundidade contextual, levando seu colegas de missão a um desabono quase que completo, mas abrindo o coração dos chineses para o evangelho. A partir daquele momento ele decidiu usar roupas de estilo chinês e até permitiu que seu cabelo crescesse para que pudesse usá-lo com tranças, à fiel semelhança dos chineses. Vejamos melhor está nova abordagem de Taylor, nas palavras de Burns:
Foi viver no meio do povo, em casa simples, comendo a mesma comida que os chineses. Usava o transporte de barcos e riquinchás e diariamente enfrentava doença, perigo e ameaça, assim como os próprios chineses. Taylor e os missionários que o seguiram, mais tarde, espalharam o evangelho no interior da China e de outros países, sempre valorizando a formação de líderes nacionais e evitando a criação da dependência (2007, p. 43)
Além de todas estas atitudes estritamente contextualizadas, Hudson Taylor e sua Missão para o Interior da China (CIM), ainda desenvolveram a prática de não pagar salários ou fazer construções, pois, segundo eles, queriam fazer com que os próprios convertidos assumissem a responsabilidade de dirigir e sustentar suas próprias igrejas . Por todas estas características profundamente extraídas das escrituras e do ministério de Cristo, Taylor conseguiu fazer com que todo o interior da China compreendesse que apenas o Senhor Jesus é Deus. Comunicando o evangelho de forma que o povo chinês, de uma cultura completamente diferente da sua, bem como da que foi escrita a Bíblia, compreendesse claramente todas as verdades contidas no evangelho, tendo suas vidas e suas realidades transformadas pelo poder da Palavra, através da intervenção do Espírito Santo e da perfeita Contextualização da mensagem.
Portanto, tendo em vista a pertinente observação histórica que conseguimos com estes exemplos, bem como a perfeita fundamentação bíblica e teológica, percebemos, a perfeita comprovação da “Contextualização”, como ponte para uma perfeita compreensão das Escrituras em parâmetros culturais locais. Além disso, é fato histórico que todas as culturas que melhor compreenderam o evangelho em toda sua extensão, foram alcançadas através de abordagens contextualizadas e que as culturas que foram evangelizadas de maneira diversa não responderam positivamente ou desvencilharam-se do Caminho de Cristo nas primeiras investidas espirituais ou temporais, não atingido o objetivo a que foram desafiadas.
Por isso, a contextualização, enquanto ferramenta para compreensão do evangelho é indispensável, se o que se deseja são frutos que permaneçam para a “Vida Eterna”.
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