A relevância dos aspectos contextuais e fenomenológicos para comunicação do Evangelho.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
TERESA... E UM MITO.
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Estamos falando do saudoso poeta que faz parte do seleto grupo dos 22 que compõem a geração da literatura modernista brasileira, Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, ou como ficou largamente conhecido nos círculos acadêmicos das terras de Santa Cruz, Manoel Bandeira. Este, de estilo simples e direto, que marca indelevelmente o quadro de poetas pernambucanos, juntamente com escritores tais como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Pena Filho e José Condé, é o autor do poema livre citado acima, que sabiamente recebeu a graça, Teresa.
Através da análise literária, percebemos que Teresa é um poema sem preocupação estética, o que fica óbvio pela falta de divisão em estrofes. É um poema curto, de nove versos livres. Quanto à temática, percebemos que o autor faz uma crítica à chamada “primeira impressão”. Nota-se que a primeira vista, o eu - lírico acha a personagem, Teresa, um ser estúpido e inadmirável. Em uma segunda visão, Teresa já não é um ser tão repulsivo, apenas destacam-se os olhos. Já na terceira visão de Teresa, os versos indicam que a mesma tornou-se tão surpreendente e encantadora que faz o eu - lírico perder a noção do espaço. O poema apresenta uma mensagem implícita de desapego às aparências – uma pessoa pode ser esteticamente feia e encantadoramente linda, num mesmo tempo físico, se a conhecermos.
Por falar em tempo físico, apesar da suspeita, gostaria de deixar um pouco a beleza poética de lado e analisar este píncaro da literatura brasileira por outro prisma, o da fenomenologia.
Assim como na poesia, a religião também não está restrita a tempora. Habita num plano onde o físico é um lapso imperfeito do metafísico pouco afeito as suas sublimes manifestações, mas que não se dilui para interpretação dos mortais, é sempre sublime, genuína, viva. A diferença entre as duas é que a primeira fomenta prazer, enquanto que a segunda, gera vida.
Chamou-me atenção o fato de Bandeira se utilizar do Ato Cosmogônico para expressar, ou melhor, eternizar, o Tempo Físico que estava vivendo. Apesar de exótico (poeticamente falando), esta prática não é nada inovadora. Praticamente em todas as culturas nós encontramos Mitos Cosmogônicos, semelhantes ao relato bíblico (que é concreto, real), os quais narram circunspecticamente uma história sagrada, um acontecimento ocorrido num tempo ímpar, fabuloso, mítico.
Tanto nas religiões primitivas, quanto no sentimento do poeta em tela, a idéia ao se relatar, invocar ou revivenciar um acontecimento ocorrido no princípio, Tempo Mítico, serve para fundamentar, fortificar, o tempo físico presente, torná-lo prodigioso a semelhança do primeiro (ato da criação), imortalizá-lo.
Em alguns ritos de iniciação tribal, como no da chegada da puberdade ou no do casamento, é sempre recitado como tudo foi criado (ato cosmogônico), e como este rito (de iniciação) teve origem “naquele tempo”, onde os ancestrais (entes espirituais ou heróis imortalizados) reinavam absolutos e idealizavam o ato (rito) que agora se perpetua, pois, é através destas rememorações, que os ritos de iniciação passam a ter sentido, a existir.
Depreende-se, através da observação destas culturas, que recitar (rememorar) o tempo mítico, faz com que o iniciado reintegre-se aquele tempo fabuloso e torne-se conseqüentemente, contemporâneo, de certo modo, dos eventos evocados, compartilhando da presença dos deuses ou de seus heróis, fato que tanto torna o evento sagrado, como a pessoa iniciada. Por causa de crenças como esta, o Mito, ao longo dos anos, tornou-se um ingrediente vital para a civilização humana; pois, longe de ser uma fabulação vã (idéia fortemente difundida durante o iluminismo por motivos apologéticos), ele é uma realidade viva, a qual se recorre incessantemente, não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística (principalmente após o século XX, tendo em vista a contextualização), mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática (idéia largamente utilizada pelos antropólogos como um veículo de contato), onde nesta última, a poesia tem parte.
Perceba, que culturalmente falando, é através da experiência do sagrado (no caso desta poesia a menção à criação), que fulguram as idéias de realidade, de pertinência, de existência, e de significação. O valor simbólico amalgamado ao rito cosmogônico (neste caso) demonstra a importância que o acontecimento está recebendo no tempo presente e porque ele é necessário (pertinente) desde épocas remotas. É a ligação com o sagrado que faz com que o homem viva uma realidade plena. Também nesse caso (para minha alegria), o Mito pode funcionar como um “abre olhos” que têm como ambição uma ponte para genuína comunicação de uma verdade superior (como a do evangelho por exemplo) através de uma crítica contextualização.
Portanto, tanto no pensamento do polêmico Manuel Bandeira, como na profícua manifestação cultural de boa parte dos povos ao redor do mundo, o fato de se relacionar um momento singular do tempo presente, com um ato metafísico de relevância plena in illo tempore, faz com que este último receba a importância necessária para continuar vivo nas mentes dos homens ao longo dos tempos, traz o fato a existência, da razão a sua criação, imortaliza-o.
Assim, conforme vejo na elucubração de Bandeira, rememorar Teresa significa sentir a importância do acontecimento na pessoa do próprio poeta, através da intensidade da vida que nele passou a existir, tornando o fato vívido no sentimento daquele que se dispõe a ler, revitalizando-o. Em escala infinitamente superior (pois trata-se de um fato real), a rememoração da criação divina imortaliza o estado outrora sentido, permite um sentimento de reflexão pela perda, e propicia a expectativa da volta através do poder daquele que faz novas todas as coisas (Jesus).
Em suma, relembrar uma época mítica (culturalmente falando) gera no indivíduo a sensação de uma vida outrora vivida, num tempo saudável, épico, tudo quanto o velho poeta precisava, mas, a simples sensação não é vida, a vida é (Jo 11.25).
Entretanto, (que pena) a sempre a possibilidade de ir embora para Parságada.
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Um comentário:
Irmão, ao ler o poema Tereza de Manuel Bandeira, me veio a mente a construção de o que é Literatura.
Como você bem colocou o homem se sente melhor quando se apega ou acredita em algo transcendental, isto desde antiguidade quando o mito era algo vivido como sendo a representação do divino, passado de geração em geração de forma oral. Voltando para o que é Literatura? A priori este termo Literatura, segundo Compagnon, fora criado no inicio do século XIX, os textos para se constituir literatura é necessário algumas especificações. A partir do século XIX, um texto literário era todo aquele que (segundo Durval Muniz) envolve ficção, histórias verídicas com mentiras para que se torne algo atrativo ao leitor, sendo assim vem a indagação, só existem textos literários a partir do século XIX ?, A resposta é simples não, pois as características da Literatura não fora criada no século XIX, mas apenas o termo.
A religião é algo que representa muito bem esta questão, pois dependendo da crença e da leitura subjetiva de cada um, uma ou outra religião pode ser vista como uma invenção do homem, uma ficção que tem o objetivo de elevar o homem ao "divino", fugindo da realidade fria que muitos historiadores e cientistas acreditam ou acreditavam como a representação de um fato verídico.
Tereza, de Bandeira representa exatamente isto, o ver além, não só aquilo que esta patente aos nossos olhos, mas o que esta por trás do aparente fato, a literatura existe hoje justamente para valorizar (ou tentar) as subjetividades como fatos pertencentes aos acontecimentos históricos.
Nossa fé (que é o firme fundamento), não precisa da literatura para constituir como fato, pois nossa crença esta muito além de quaisquer características ou termos criados por homens.
Valeu meu irmão, e Parabéns pela herdeira, que Deus continue de enchendo de bênçãos com sabedoria.
Um abraço, fraterno
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