Na cidade do Cairo, capital do Egito, cerca de um milhão de pessoas se aglomeram num complexo habitacional pouco ortodoxo. Este conjunto de residências em muito difere do que estamos acostumados a ver, ou mesmo, a habitar. Trata-se do conglomerando de vários cemitérios que ocupam uma boa parte da cidade (cerca de 7 Km) e que por suas características tem recebido o exótico nome de “A Cidade dos Mortos”.
Esta fantástica “necrópole” abriga, além de pessoas e sepulturas, mesquitas, escolas, butiques, vendedores ambulantes, polícia, água, eletricidade e alguns outros utensílios que transformaram esta necrópole num bairro vivo. Segundo a repórter Ángeles Espinosa, que visitou o local, os desabrigados vivem em meio às tumbas (que nada lembram as nossas por causa da tradicional pompa egipcía oriunda dos tempos dos faraós), único alojamento disponível dessa capital superpovoada.
Apesar de não ser nada pragmático, o conviver com os mortos não é algo novo, remonta a muitos anos em nossa “jornada” e passou por vários estágios. A princípio as pessoas que eram acometidos pelo “Único Mal Irremediável” (para citar um dos nossos), eram depositadas em Catacumbas, as quais posteriormente também serviram para cultos cristãos em meio as perseguições. Estas perseguições, por sua vez, geravam várias mortes de cristãos que se negavam a renunciar sua fé e transformavam-se em mártires. As pessoas que iam morrendo posteriormente, tendo em mente a “promessa do ressurgimento” quando da parousia, eram enterrados próximas a estes mártires, pois, no pensamento dos que empreendiam o velório, esta proximidade lhes garantiria uma “maior proteção” (e dava origem aos primeiros cemitérios).
Com o passar dos anos, este conglomerado de sepulturas recebeu também um local de culto, as posteriormente conhecidas Basílicas, que além de sua função religiosa também serviam para sepultar os mortos. Dentre estas, a mais conhecida de todas é sem dúvida alguma a Basílica de São Pedro, situada no Vaticano e que também possui sua conhecidíssima Necrópole.
Esta prática de se enterrar cadáveres em “solo sagrado” expandiu-se a ponto de as pessoas não mais enterrar os mortos em espaços comuns, mas, em cemitérios (agora firmados) que estivessem próximos a locais de culto. Todavia, só quem possuia acesso a esse tipo de “serviço” eram os ad sanctum (na tradução do meu pobre latim frustrado) os mais ricos. Esta prática tomou proporções inimagináveis na alta idade média, a ponto das igrejas abrigarem mais e mais cadáveres confundindo-se adoração e sepultamento. Por causa da demanda, os túmulos individuais foram se tornando cada vez mais escassos, pois, nas igrejas, tendo em vista o espaço, as pessoas eram esterradas num mesmo local sem especificação alguma. Esta coletividade se acentuou ainda mais Com o advento da peste negra, pois, os cemitérios (igrejas) ficaram sobremaneira abarrotados (não de adoradores em busca de salvação, mais de defuntos em busca de um pedaço de chão), fato que forçou a criação de sepulturas também nos espaços anexos aos templos (os chamados passos). A solução para este abarrotamento apenas surgiu com o passar dos anos, pois, com a proliferação dos fiéis os atos funebres se tornaram cada vez mais religiosos, o que necessariamente diminuia a obrigatoriedade de um túmulo in loco. Assim, os cemitérios passaram a existir também em locais onde antes não haviam igrejas, embora, elas fossem construídas depois (fato que ocorre até hoje só que em proporções menores, capelas).
Também contribuiu para pluralização dos locais de sepultamento a secularização cada vez mais presente no cotidiano das pessoas (rastro do iluminismo), bem como as profícuas preocupações médicas por causa do alto contato com os mortos (principalmente em meados do século XVIII na Alemanha e na França), as quais modificaram drasticamente a forma como os velórios ocorriam (agora restritos aos familiares), transformando também os locais de sepultamento, os quais passaram a ser mais isolados e higiênicos (eu sei, também não concordo, mas é a história, fazer o quê?) moldando a forma dos cemitérios e aproximando-os dos modelos que possuimos atualmente.
Com isso em mente, perceba que não só culturalmente como acabamos de ver ao longo da história e atualmente com “A Cidade dos Mortos” situada Egito, mas, em todo o tempo (agora falo espiritualmente), conforme relato bíblico, vivos e mortos (crentes e descrentes) dividem o mesmo espaço, com a única premissa de que estes últimos (descrentes) ainda podem mudar sua situação.
Observe!
Quando da escolha dos seus seguidores, Jesus empreendeu o seguinte diálogo visando por à prova aqueles que realmente tinham o interesse de segui-lo:
A outro disse Jesus: Segue-me! Ele, porém, respondeu: Permite-me ir primeiro sepultar o meu pai. Mas Jesus insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos (Lc 9.59-60a).
A Bíblia sempre foi clara ao associar o pecado com a morte (Rm 6.23). Mas, com o diálogo acima, Jesus tornou ainda mais óbvio que todo aquele que ainda não o recebeu como Salvador (dom gratuito da vida eterna), está morto em seus delitos, uma vez que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3.23) e a recompença para isso (pecado) é a morte. Perceba que o discípulo pedia para apenas começar a servir a Jesus quando o seu pai falecesse, mas Jesus, o aconselhara a deixar para os mortos o sepultar os seus próprios. O que se percebe é que todo o homem que ainda não recebeu a Jesus é um cadáver ambulante, que tem aspecto de quem vive, mas está morto (porque vivo, vive uma ilusão, e morto, habitará num caldeirão).
Depreende-se, portanto, que todos nós habitamos numa imensa necrópole.
Porque, assim como os egipcíos do Cairo (não literalmente, mas espiritualmente) convivemos com mortos no ônibus a caminho da escola, no cinema quando assistimos a algum filme, no restaurante quando tomamos as refeições, no trabalho, nas ruas, nas casas, enfim... Covivemos com os mortos!
Esta terrível premissa fenomenológica provoca uma insegurança inquietante e facilmente apreciada na seguinte indagação: Eu estou vivo, ou estou morto?
Ora, a resposta é fácil.
Se você, que acabou de ler este artigo, concordou comigo, parabéns! Você está vivo. Mas não apenas vivo, também com a sublime missão de trazer outros a vida (Jo 10.10).
Todavia, se você não concordou (porque ainda não têm Jesus), tenha bastante cuidado, pois, a Palavra é clara:
Os vivos, somente os vivos, esses te louvam como hoje eu faço(Is 38.19a).
Assim...
Meu querido defunto, se você quer viver (?), Aceite a Jesus e tenha vida em abundância nessa imensa necrópole, só que, fora da tumba!
Nas célebres palavras de Horácio...
Carpe diem!
Um comentário:
Meu irmão é interessante falar de morte espiritual, fazendo este paralelo com a cidade dos mortos no Cairo, Egito. Para nós cristãos convivemos (como você bem colocou) com mortos vivos, mas temos que ter cuidado para não matarmos a muitos que estão ao nosso lado com preconceitos e falta de amor, pois infelizmente vivemos hoje nas igrejas com muita religiosidade humana, e pouco amor divino. Observe é só o outro não seguir nossa cartilha que apontamos, maltratamos, amaldiçoamos e desprezamos, se o cristianismo fosse dessa forma (não respeitar o outro mesmo sendo um "macumbeiro"), Cristo jamais teria morrido por nós, "pois nos amou quando éramos ainda pecadores", sendo assim, porque não amar aquele que é estranho ou que está morto nos seus pecados, pois foi assim que Jesus nos encontrou e chamou, estávamos mortos e hoje vivos graças a misericórdia de Deus, então temos a obrigação de agregar e amar aqueles que estão fora do rebanho e mesmo que eles não comunguem de nossa fé temos que sempre amá-los. Mas pedir a Deus discernimento para não comungar com aqueles que se dizem irmãos e cometem pecados que a Bíblia intitula de frutos da carne, porém “não comermos com eles na mesma mesa” não significa não amá-los e tratá-los bem, pois o amor é algo inerente ao Cristão independente de qualquer coisa, e transmitir vida para os mortos que nos rodeiam.
Um abraço, fraternal
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