Cada povo possui uma identidade cultural própria, e esta deve ser levada em consideração quando da comunicação do evangelho. Esta identidade é perceptível ao indivíduo que a partir dela cria uma espécie de escala de valores para cada situação cultural que o envolve, fato que ocorre inconscientemente devido à natureza intrínseca do processo. Observemos o que nos diz Hiebert:
Tendo em vista que nossa cultura nos fornece os ingredientes fundamentais de nosso pensamento, achamos quase impossível nos livrar de suas garras. Mesmo a nossa língua reflete e reforça nossa maneira cultural de pensar. Além disso, muito dessa influência é implícita, não temos nem mesmo consciência dela. Como óculos coloridos, a cultura afeta nossa percepção do mundo, sem estarmos conscientes dessa influência. Só quando as lentes ficam sujas, ou colocamos outros óculos, ficamos cientes de seu poder de moldar nossa maneira de ver o mundo (1999, p. 31).
A identidade cultural funciona como uns óculos, e através dela o indivíduo enxerga e compreende a realidade que o cerca. A esta forma de ver o mundo os antropólogos e missiólogos denominam como “Cosmovisão”. Michael Kearney, escreve:
A cosmovisão de um povo é o modo pelo qual ele enxerga a realidade. Consiste em pressupostos e imagens básicos que proporcionam uma forma mais ou menos coesa de pensar sobre o mundo, embora não obrigatoriamente exata (1984, p. 41).
Visando definir a forma como concebemos o termo cosmovisão, seria difícil acrescentar algo à constatação feita por Robert Redfield, ele nos diz:
A cosmovisão de um povo é a maneira peculiar pela qual as pessoas vêem o universo ao redor. Ao passo que cultura dá a entender aquilo que o povo aparenta para um antropólogo, cosmovisão deixa prever como as coisas se mostram para um povo, a designação daquilo que existe como um todo (...)
Todavia, se há um sentido que se destaca na palavra cosmovisão, penso estar na insinuação que ela faz da estrutura das coisas pela perspectiva da consciência do homem. Está na forma pela qual nos vemos em relação a tudo o mais (1957, p. 85-86).
Uma vez que entendemos a forma como o indivíduo percebe o mundo à sua volta, deparamo-nos com a necessidade de compreender quais as características da cultura que mais importam, ou influenciam o indivíduo enquanto parte de uma sociedade. Esta escala de importância e ou de valores Barney, define da seguinte forma:
Há mais de 3 500 grupos étnicos no mundo e, ainda assim, nenhum apresenta configuração cultural idêntica à do outro. Cada uma dessas sociedades tem uma cultura sistêmica e padronizada. Podendo ser moldada como uma série de camadas. A camada inferior consiste em ideologia, cosmologia e cosmovisão. A segunda camada, intimamente relacionada, mas provavelmente oriunda da primeira, é a de valores. A originar-se dessas duas camadas há a terceira camada das instituições (casamento, lei, instrução, etc.). Esse nível das instituições é uma ponte para a camada superficial (quarta camada) de artefatos materiais e comportamento observável (1973, p. 48).
Quando pensamos em camadas culturais, nos referimos às características sociais que compõem o todo de uma sociedade, seja ela qual for, propondo quais categorias da cultura são mais relevantes ao indivíduo enquanto participante de um meio comum.
Ainda sobre esta escala de valores culturais, a Comissão de Lausanne para Evangelização Mundial (1978), nos da uma definição semelhante à de Barney (1973), vejamos:
A cultura é um sistema integrado de crenças (sobre Deus, a realidade e o significado da vida), de valores (sobre o que é verdadeiro, bom, bonito e normativo), de instituições que expressam estas crenças, valores e costumes (governo, tribunais, templos ou igrejas, família, escolas, hospitais, fabricas, lojas, sindicatos, clubes, etc.), e de costumes (como nos comportar, como nos relacionar com os outros, falar, orar, vestir, trabalhar, fazer comércio, comer, trabalhar na lavoura etc.) que unem a sociedade e lhe proporciona um sentido de identidade, de dignidade, de segurança e de continuidade (1973, p. 10-11).
Continuando com o proposto, voltemos ao exemplo de Barney (1973). Ele diz que as camadas culturais se revestem e interagem entre si. Isto pode ser muito bem fundamentado se nós tomarmos como exemplo uma cebola, legume muito comum na culinária mundial. À semelhança da cebola, a cultura também é composta por camadas que se revestem e interagem entre si.
Com este exemplo em mente, vejamos basicamente como estas camadas se dispõem. Partindo do centro para superfície a camada interna, profunda ou primeira camada, seria a camada da ideologia, cosmologia e cosmovisão. Esta é a camada mais importante em termos culturais é a mais difícil e exigente de se decodificar. A segunda camada seria a dos valores, ela nos diz quais práticas seriam mais valorizadas ou não pelo indivíduo numa escala que varia entre recompensa e punição. A terceira camada, que deriva das duas primeiras, é a das instituições. Nela, estão contidas características culturais tais como casamento, lei, instrução etc. Este nível de instituições aponta para a quarta e última camada, superficial, é a de artefatos materiais e comportamento observável.
Percebe-se que a camada superficial de uma cultura, a de artefatos materiais e comportamento observável é facilmente descrita e até assimilada. Cada camada mais profunda é mais complexa, mais abstrata. Compreendemos que é simples descrever e assimilar o que enxergamos. Outra coisa é compreender a relação que este comportamento tem com as camadas mais profundas, e mais interessante é perceber o valor cultural que este comportamento possui. Não vamos descrever metodicamente cada uma destas camadas, porque, este não é o nosso objetivo, e sim, propor que existem níveis de valores que compõem a identidade cultural dos povos.
Tendo em vista o que foi exposto, percebemos que para que uma mensagem seja recebida em parâmetros interculturais relevantes, o comunicador precisa compreender como os receptores entenderam o que ele está dizendo, pois, o que é relevante e pertinente na cultura do comunicador pode não ser tão importante na cultura do receptor, tendo em vista que os valores culturais entre ambos podem ser diferentes, fato que fará com que a mensagem perca praticamente toda sua eficácia e relevância, não sendo compreendida de forma que venha somar à cultura receptora, não atingindo, desta forma, o seu objetivo.
Portanto, por causa do conteúdo cultural de cada povo, a forma como comunicamos o Evangelho deve se adequar à realidade cultural de cada um deles. Não modificando verdades bíblicas para compreensão dos povos. Muito pelo contrário, comunicando a mensagem de forma genuína e coesa. Mas, levando em consideração que cada povo possui sua própria cosmovisão e que para que o evangelho não seja diluído ou não venha apenas a se tornar mais uma mensagem que chega para somar a todas as que são comunicadas diariamente, precisamos fazer com que o mesmo chegue ao indivíduo o mais familiarizado possível, de forma que ele tenha condições de pessoalmente, distingui-lo como algo singular e sagrado, reconhecendo que o mesmo é a Palavra de Deus, o próprio Deus falando com ele. O indivíduo precisa descobrir no evangelho todos os atributos comunicados por Deus, transformando assim sua realidade, sem, no entanto, se desfazer de sua cultura, mas, adaptando-a a Palavra de Deus. Acerca disso vejamos o que nos diz Charles Kraft (1979).
Quando o povo de Deus, em parceria com Ele, toma parte no processo de transformação cultural, há um alvo, um rumo para a transformação distinto daquele de uma mudança transformacional motivada por outro conjunto de fatores. Esse alvo é aumentar a adaptabilidade da cultura para servir de veículo para a interação divino-humana. (1979, p. 145)
Nisto, consiste a importância de conhecermos o conteúdo cultural de cada povo, para só então, comunicarmos o evangelho. Portanto, se os missionários (comunicadores), querem realmente atuar de forma pertinente e significativa, na comunicação do evangelho de Jesus Cristo, visando atingir os objetivos a que se propõem (compreensão dos receptores) é de suma importância que conheçam as culturas as quais se destinam alcançar.
2 comentários:
CAra, legal o seu blog, mas vc tem que colocar o nome do autor e a fonte... eu penso que já li isso nos estudos de Ronaldo Lidório.
Olá Manoel, as fontes do texto que produzi estão devidamente citadas, contudo, assim como você, costumoler o que o Dr Ronaldo escreve. Se for o caso haver alguma citação "ipsis literis" de algo que ele escreveu e você puder me indicar, citarei imediatamente.
Abs.
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