quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ORIGEM E SIGNIFICADO DO TERMO CONTEXTUALIZAÇÃO.

No âmbito transcultural, para que haja uma comunicação eficaz, precisa-se de conhecimento cultural prévio. Assim, na proporção que o comunicador da mensagem (missionário), estiver familiarizado com a cultura receptora, melhor ele comunicará a mensagem; tendo em vista que cada povo possui sua própria identidade cultural e que esta, se não levada em consideração, quando da comunicação da mensagem, poderá fazer com que a mesma não tenha a relevância que se deseja.

Pensando nisso, deparamo-nos com duas perguntas, que por muito tempo, têm sido um dos grandes problemas enfrentado por antropólogos e missiólogos, as quais são: Como podemos ter uma idéia do que é relevante ou não numa determinada cultura? De que forma podemos tornar o evangelho o mais familiarizado possível com a cultura receptora?

Tais questionamentos são estritamente pertinentes e altamente necessários se o que pretendemos é uma comunicação intercultural eficaz. Todavia, como chegar a este nível de compreensão? Acerca desta jornada de conhecimento e adaptação cultural, que visa definir o processo de tornar uma mensagem pertinente e significativa em determinada cultura, os estudiosos da área espalhados por todo o mundo conferiram vários nomes, num processo que exigiu muita pesquisa e dedicação, mas, nenhum deles teve tanto êxito em âmbito internacional quanto o termo CONTEXTUALIZAÇÃO. Acerca disso, vejamos o que nos diz Hesselgrave (1994):

Têm sido empregados vários termos para denotar o processo pelo qual a mensagem cristã torna-se pertinente e significativa em determinada cultura – acomodação, adaptação, autoctonização, inculturação e (recentemente) contextualização (...)
Parece que se pode argumentar razoavelmente bem tanto a favor quanto contra quase toda palavra que possamos escolher. Mas talvez não tenhamos de efetuar uma escolha. Parece que já escolheram por nós. A palavra “contextualização”, já se tornou tão amplamente divulgada nas publicações missiológicas e teológicas que nós também “podemos chegar a um acordo” com ela! (1994, p. 111-112)

Mas, por que as palavras que antecederam o termo contextualização não obtiveram o mesmo sucesso? Buscando encontrar uma resposta para esta pergunta, vamos analisar, mesmo que superficialmente, cada uma delas. Começamos com acomodação e adaptação, tendo em vista suas similaridades. Acerca das duas, Bavink (1969), não investe muita autoridade, por que, segundo ele, elas conotam algo de “negação ou de mutilação da cultura”, sendo assim pouco abrangentes. Continuando, vejamos o termo autoctonização. Segundo Hesselgrave (1994), “o que quer que seja autóctone para uma cultura é algo que está ”enraizado” nessa cultura, ou é “natural” dela. Por isso, a palavra autoctonização talvez seja errônea, por ter uma conotação ampla demais”. Fato que é óbvio, uma vez que o evangelho não pertence a nenhuma cultura, mas é supracultural. Ainda definindo a gama de palavras que antecederam o termo contextualização, chegamos a inculturação, que segundo Bavink (1969), seria “o processo de desvencilhar de uma cultura os elementos supraculturais do evangelho e contextualizá-los dentro de forma cultural e das instituições sociais de outra cultura, com pelo menos certo grau de transformações dessas formas e instituições”. Seria um termo bastante útil, mas pressupõe uma universalização do que seria contextualizar e por causa disso, não recebeu grande aceitação dos meios acadêmicos. Assim, uma vez conhecidas às palavras que antecederam ao termo contextualização, e os motivos pelos quais elas não permaneceram nos meios acadêmicos internacionais, vejamos agora o termo em questão.

Segundo Hesselgrave (1994), a palavra contextualização apareceu pela primeira vez ao público nos círculos do Conselho mundial de Igrejas (CMI). Ele afirma que, em meados da década de cinqüenta, o Conselho Missionário Internacional lançou o Fundo de Educação Teológica (FET) e lhe emitiu a primeira ordem (de avanço), que consistia em dar todo apoio logístico a certas escolas teológicas ao redor do mundo. O Conselho Missionário Internacional tornou-se a Divisão de Evangelização e Missões Mundiais (DEMM) do CMI em 1961, e dois anos mais tarde deu ao FET sua segunda ordem (de reavaliação), que consistia em aperfeiçoar a instrução teológica no Terceiro Mundo, estimulando o reexame de uma “teologização e comunicação sensíveis à cultura”. Através dessas medidas, o que o DEMM realmente buscava era uma união entre o aluno e o evangelho, no que diz respeito as suas próprias formas de pensar e sua cultura, fomentando um diálogo vivo entre a igreja e o seu meio. A idéia de contextualizar já surgia, todavia, de forma incipiente. Cerca de seis anos depois, em 1969, surgiram as recomendações para iniciar e levar adiante uma terceira ordem (de reforma), que só teve início na década de setenta. A ordem agora era fazer com que as escolas reformassem seus cursos. O que se requeria das escolas foi afirmado nos documentos oficiais do FET (1972), seria o seguinte:

O alvo determinante de seu trabalho é que o evangelho seja expresso e o ministério assumido em resposta:
a) à crise generalizada de fé;
b) às questões de justiça social e de desenvolvimento humano,
c) à dialética entre a cultura local e as situações religiosas e uma civilização tecnológica universal. ( 1972, p. 17-18)

O DEMM começava a perceber o grande abismo que existia entre o dia a dia dos indivíduos e a teologia que era empregada no evangelismo e conseqüentemente no discipulado das igrejas, teologia esta que era até então oriunda unicamente dos países responsáveis pela evangelização destas novas culturas. O DEMM descobria que estas novas igrejas precisavam de uma teologia que atendesse as suas necessidades locais, para que o evangelho realmente conseguisse atingir o seu objetivo que é não só transformar a vida do individuo (conforme todos os atributos comunicados por Deus), mas também o meio em que ele vive (mordomia cristã). Para isso, era necessário que este evangelho chegasse até este indivíduo em parâmetros culturais que se identificassem com ele, que fosse eficazes e pertinentes. Reforçava-se cada vez mais o incipiente conceito de contextualização.

Durante toda a década de setenta, os líderes do FET pressionaram para que este grande abismo entre novas culturas e a comunicação do evangelho fosse minimizado. Enquanto isso, segundo Hesselgrave (1994), muita atenção se dispensou, no sentido mais abrangente do CMI, ao sentido da expressão “de acordo com as escrituras” que fora acrescentada à sucinta confissão doutrinária do CMI ao reunir-se em Nova Déli, em 1961. Questões como unidade, autoridade e aplicabilidade das Escrituras passaram de simples coadjuvantes para protagonistas das discussões. Após esta reunião houve ainda outras duas, uma na Suíça em 1971, onde o pensamento contextualizado mais uma vez ganhou força e outra em Louvain, na Bélgica, ainda em 1971, com ênfase no mesmo pensamento, só que de forma mais enfática, ficando entendido que a posição de Louvain, sobre a autoridade da Bíblia diz “que isso (contextualização) torna a Palavra de Deus audível e é, portanto, capaz de levar o homem à fé”. (1972, p. 434).

Mesmo que sucinto este panorama histórico é imprescindível para descrever todo o caminho que os criadores do termo “Contextualização” percorreram para finalmente forjarem o mesmo, nos documentos oficiais do FET (1972). Neste documento, se fez a seguinte declaração:

O forte destaque da primeira ordem sobre a renovação e a reforma na educação teológica parece convergir para um conceito fundamental, a contextualidade, a capacidade de reagir significativamente ao evangelho dentro da estrutura de sua própria situação. A contextualização não é simplesmente uma moda passageira ou uma palavra chamariz, mas uma necessidade teológica exigida pela natureza encarnacional da palavra. Que sugere o termo? Significa tudo o que está implicado no conhecido termo “autoctonização” e, no entanto, procura ir além. A contextualização esta ligada a como avaliamos a singularidade dos contextos do Terceiro Mundo. A autoctonização tende a ser usada no sentido da reação ao evangelho em se tratando da cultura tradicional. A contextualização, embora não considere isso, leva em conta o processo de secularidade, tecnologia e a luta pela justiça humana, que caracteriza o momento histórico das nações do Terceiro Mundo”. (1972, p. 20)

Entendido a origem do termo contextualização em todo o seu processo histórico, como também seu desenvolvimento acadêmico até sua primeira publicação nos documentos do FET (1972), resta-nos agora definir o que esta importante palavra significa. Devemos ter em mente que quando de seu surgimento, o termo contextualização transmitia uma nova forma de se idealizar a comunicação do evangelho, indicava um novo ponto de partida para teologização. Segundo Hesselgrave “ implicava não tanto a luta com o texto da Escritura para apurar o seu sentido, quanto a entrada nas lutas da humanidade em qualquer momento histórico com o objetivo de descobrir o que Deus está fazendo e dizendo nesse contexto”. Era mais do que comunicar o evangelho a fim de conseguir a salvação, era fazer com que o salvo conseguisse não só compreender a mensagem, mas também conseguisse viver todas as implicações do evangelho sem que perdesse sua identidade cultural, era comunicar “O Evangelho” e não a cultura do Missionário (comunicador).

Uma vez que os eruditos conceberam esta premissa em suas mentes, começaram a tentar definir o que seria a Contextualização. Vejamos, Byang H. Kato (1975), escreve: “entendemos que o termo signifique tornar os conceitos ou idéias pertinentes em dada situação”. Bruce J. Nicholls (1975), diz que “ é a transferência do teor imutável do evangelho do reino para forma verbal significativa para os povos em sua respectiva cultura e dentro de suas situações existenciais particulares”. Outra definição seria de George W. Peters (1977) “a contextualização devidamente aplicada significa descobrir as implicações legítimas do evangelho em dada situação. Vai mais além que a aplicação. A aplicação eu posso fazer ou não preciso fazer sem fazer injustiça ao texto. A implicação é exigida por uma exegese bem feita do texto”. Estas, portanto, foram as primeiras definições de contextualização que surgiram logo após a publicação da idéia pelo FET. Todavia, existem outras hodiernamente aceitas e que têm ajudado a compreensão do termo. Desta forma, nas palavras de Ronaldo Lidório (2007), “A contextualização é um dos assuntos vitais para a proclamação do evangelho em contexto intercultural. Sua compreensão bíblica traça a linha divisória entre uma verdadeira comunicação do evangelho e um simples compartilhar de idéias”. Para Bertil Ekström (2007), “O grande desafio é comunicar as Boas Novas de salvação de forma que as pessoas entendam a mensagem e captem a relevância da salvação para suas vidas”. Na visão de Durvalina Bezerra (2007), “Contextualizar é um grande desafio para todo comunicador do evangelho e, mais ainda para aqueles que se propõem a atravessar as fronteiras culturais”. Em linhas gerais, contextualizar seria tornar a mensagem pertinente e significativa a um meio, comunicando todos os atributos inerentes à mesma, mas levando em consideração as circunstâncias culturais que a envolvem, no sentido de prover uma melhor compreensão da mesma e nunca uma modificação.

Uma vez definido o termo Contextualização, fica evidente que o mesmo, tendo em vista todas as suas atribuições, é de suma importância para uma perfeita comunicação intercultural, principalmente em se tratando de uma mensagem tão importante e urgente, quanto à do Evangelho de Jesus Cristo. Portanto, por causa desta grande necessidade de uma comunicação contextualizada e tendo em vista toda a responsabilidade que envolve este processo, foi que surgiu a necessidade de uma “Contextualização Bíblica”, que é a comunicação da mensagem fundamentada e extraída única e exclusivamente da Bíblia, mas, através de parâmetros culturais inerentes ao indivíduo, os quais funcionam como uma ponte para uma perfeita compreensão da mensagem, desde que os mesmos não se encontrem em discordância com teor supracultural e sagrado da mesma.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

CONTEÚDO CULTURAL E COMUNICAÇÃO DO EVANGELHO.

Cada povo possui uma identidade cultural própria, e esta deve ser levada em consideração quando da comunicação do evangelho. Esta identidade é perceptível ao indivíduo que a partir dela cria uma espécie de escala de valores para cada situação cultural que o envolve, fato que ocorre inconscientemente devido à natureza intrínseca do processo. Observemos o que nos diz Hiebert:

Tendo em vista que nossa cultura nos fornece os ingredientes fundamentais de nosso pensamento, achamos quase impossível nos livrar de suas garras. Mesmo a nossa língua reflete e reforça nossa maneira cultural de pensar. Além disso, muito dessa influência é implícita, não temos nem mesmo consciência dela. Como óculos coloridos, a cultura afeta nossa percepção do mundo, sem estarmos conscientes dessa influência. Só quando as lentes ficam sujas, ou colocamos outros óculos, ficamos cientes de seu poder de moldar nossa maneira de ver o mundo (1999, p. 31).

A identidade cultural funciona como uns óculos, e através dela o indivíduo enxerga e compreende a realidade que o cerca. A esta forma de ver o mundo os antropólogos e missiólogos denominam como “Cosmovisão”. Michael Kearney, escreve:

A cosmovisão de um povo é o modo pelo qual ele enxerga a realidade. Consiste em pressupostos e imagens básicos que proporcionam uma forma mais ou menos coesa de pensar sobre o mundo, embora não obrigatoriamente exata (1984, p. 41).

Visando definir a forma como concebemos o termo cosmovisão, seria difícil acrescentar algo à constatação feita por Robert Redfield, ele nos diz:

A cosmovisão de um povo é a maneira peculiar pela qual as pessoas vêem o universo ao redor. Ao passo que cultura dá a entender aquilo que o povo aparenta para um antropólogo, cosmovisão deixa prever como as coisas se mostram para um povo, a designação daquilo que existe como um todo (...)
Todavia, se há um sentido que se destaca na palavra cosmovisão, penso estar na insinuação que ela faz da estrutura das coisas pela perspectiva da consciência do homem. Está na forma pela qual nos vemos em relação a tudo o mais (1957, p. 85-86).

Uma vez que entendemos a forma como o indivíduo percebe o mundo à sua volta, deparamo-nos com a necessidade de compreender quais as características da cultura que mais importam, ou influenciam o indivíduo enquanto parte de uma sociedade. Esta escala de importância e ou de valores Barney, define da seguinte forma:

Há mais de 3 500 grupos étnicos no mundo e, ainda assim, nenhum apresenta configuração cultural idêntica à do outro. Cada uma dessas sociedades tem uma cultura sistêmica e padronizada. Podendo ser moldada como uma série de camadas. A camada inferior consiste em ideologia, cosmologia e cosmovisão. A segunda camada, intimamente relacionada, mas provavelmente oriunda da primeira, é a de valores. A originar-se dessas duas camadas há a terceira camada das instituições (casamento, lei, instrução, etc.). Esse nível das instituições é uma ponte para a camada superficial (quarta camada) de artefatos materiais e comportamento observável (1973, p. 48).

Quando pensamos em camadas culturais, nos referimos às características sociais que compõem o todo de uma sociedade, seja ela qual for, propondo quais categorias da cultura são mais relevantes ao indivíduo enquanto participante de um meio comum.

Ainda sobre esta escala de valores culturais, a Comissão de Lausanne para Evangelização Mundial (1978), nos da uma definição semelhante à de Barney (1973), vejamos:

A cultura é um sistema integrado de crenças (sobre Deus, a realidade e o significado da vida), de valores (sobre o que é verdadeiro, bom, bonito e normativo), de instituições que expressam estas crenças, valores e costumes (governo, tribunais, templos ou igrejas, família, escolas, hospitais, fabricas, lojas, sindicatos, clubes, etc.), e de costumes (como nos comportar, como nos relacionar com os outros, falar, orar, vestir, trabalhar, fazer comércio, comer, trabalhar na lavoura etc.) que unem a sociedade e lhe proporciona um sentido de identidade, de dignidade, de segurança e de continuidade (1973, p. 10-11).

Continuando com o proposto, voltemos ao exemplo de Barney (1973). Ele diz que as camadas culturais se revestem e interagem entre si. Isto pode ser muito bem fundamentado se nós tomarmos como exemplo uma cebola, legume muito comum na culinária mundial. À semelhança da cebola, a cultura também é composta por camadas que se revestem e interagem entre si.

Com este exemplo em mente, vejamos basicamente como estas camadas se dispõem. Partindo do centro para superfície a camada interna, profunda ou primeira camada, seria a camada da ideologia, cosmologia e cosmovisão. Esta é a camada mais importante em termos culturais é a mais difícil e exigente de se decodificar. A segunda camada seria a dos valores, ela nos diz quais práticas seriam mais valorizadas ou não pelo indivíduo numa escala que varia entre recompensa e punição. A terceira camada, que deriva das duas primeiras, é a das instituições. Nela, estão contidas características culturais tais como casamento, lei, instrução etc. Este nível de instituições aponta para a quarta e última camada, superficial, é a de artefatos materiais e comportamento observável.

Percebe-se que a camada superficial de uma cultura, a de artefatos materiais e comportamento observável é facilmente descrita e até assimilada. Cada camada mais profunda é mais complexa, mais abstrata. Compreendemos que é simples descrever e assimilar o que enxergamos. Outra coisa é compreender a relação que este comportamento tem com as camadas mais profundas, e mais interessante é perceber o valor cultural que este comportamento possui. Não vamos descrever metodicamente cada uma destas camadas, porque, este não é o nosso objetivo, e sim, propor que existem níveis de valores que compõem a identidade cultural dos povos.

Tendo em vista o que foi exposto, percebemos que para que uma mensagem seja recebida em parâmetros interculturais relevantes, o comunicador precisa compreender como os receptores entenderam o que ele está dizendo, pois, o que é relevante e pertinente na cultura do comunicador pode não ser tão importante na cultura do receptor, tendo em vista que os valores culturais entre ambos podem ser diferentes, fato que fará com que a mensagem perca praticamente toda sua eficácia e relevância, não sendo compreendida de forma que venha somar à cultura receptora, não atingindo, desta forma, o seu objetivo.

Portanto, por causa do conteúdo cultural de cada povo, a forma como comunicamos o Evangelho deve se adequar à realidade cultural de cada um deles. Não modificando verdades bíblicas para compreensão dos povos. Muito pelo contrário, comunicando a mensagem de forma genuína e coesa. Mas, levando em consideração que cada povo possui sua própria cosmovisão e que para que o evangelho não seja diluído ou não venha apenas a se tornar mais uma mensagem que chega para somar a todas as que são comunicadas diariamente, precisamos fazer com que o mesmo chegue ao indivíduo o mais familiarizado possível, de forma que ele tenha condições de pessoalmente, distingui-lo como algo singular e sagrado, reconhecendo que o mesmo é a Palavra de Deus, o próprio Deus falando com ele. O indivíduo precisa descobrir no evangelho todos os atributos comunicados por Deus, transformando assim sua realidade, sem, no entanto, se desfazer de sua cultura, mas, adaptando-a a Palavra de Deus. Acerca disso vejamos o que nos diz Charles Kraft (1979).

Quando o povo de Deus, em parceria com Ele, toma parte no processo de transformação cultural, há um alvo, um rumo para a transformação distinto daquele de uma mudança transformacional motivada por outro conjunto de fatores. Esse alvo é aumentar a adaptabilidade da cultura para servir de veículo para a interação divino-humana. (1979, p. 145)

Nisto, consiste a importância de conhecermos o conteúdo cultural de cada povo, para só então, comunicarmos o evangelho. Portanto, se os missionários (comunicadores), querem realmente atuar de forma pertinente e significativa, na comunicação do evangelho de Jesus Cristo, visando atingir os objetivos a que se propõem (compreensão dos receptores) é de suma importância que conheçam as culturas as quais se destinam alcançar.

DEFINIÇÃO DE CULTURA.

Segundo Käser (2004), a definição de cultura é tão difícil de formular que nem mesmo especialistas conseguem fazê-lo sem rodeios. Isto fica evidente quando se considera que até 1950 havia um total de 164 definições referentes ao termo “cultura” formuladas e publicadas (Kroeber/Kluckhohn 1952).

O entendimento intercultural é tão rico e complexo quanto a soma das diferenças humanas. Segundo Hesselgrave (1994), o termo cultura leva em conta diferenças lingüísticas, políticas, econômicas, sociais, psicológicas, religiosas, nacionais e outras (1994, p. 85).

A cultura tem como característica não ser inata. Todo indivíduo nasce como uma folha em branco e ao longo de sua vida vai adquirindo características culturais através de um sistema integrado e compartilhado, de forma que cada indivíduo influencie o próximo. Vejamos o que nos diz Luzbetak:

Cultura é um modelo para vida. É um plano segundo o qual a sociedade adapta-se a seu meio ambiente físico, social e ideativo. Um plano para lidar com o meio ambiente físico inclui questões como produção de alimentos e de todo conhecimento e habilidade tecnológicos. Sistemas políticos, vínculos por parentesco, organização familiar e leis são exemplos de adaptação social, um plano segundo o qual o indivíduo deve interagir com seu semelhante. O homem lida com seu meio ambiente ideativo mediante conhecimento, arte, magia, ciência, filosofia e religião. As culturas não passam de respostas diferentes para problemas humanos essencialmente iguais. (1963, p. 60)

A cultura é o elo que une várias gerações durante uma época. Ela é recebida do passado, mas não por um processo pragmático, e sim por um processo de herança cultural, algo que é inerente à personalidade humana e que é transmitido naturalmente de geração a geração podendo sofrer modificações em suas diferentes facetas devido ao fato de que o comportamento cultural é volátil de acordo com o meio em questão. Acerca disso, A Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial (1978), diz:

As culturas jamais são estáticas, mas estão em contínuo processo de mudança. Mas, esta mudança tem que ser um processo gradual que acontece dentro das normas da sociedade; se não, ocorre uma ruptura na cultura. A maior sanção que se pode impor a um rebelde é a exclusão da comunidade na sua definição cultural e social (1978, p. 10).

Conforme observamos, esta mudança precisa ser natural, para que não haja uma ruptura na cultura, devido à implantação de algo que lhe é alheio, algo que pode gerar no indivíduo a sensação de não mais pertencer àquele contexto social, trazendo conseqüências desagradáveis, pois, o indivíduo precisa de uma existência unificada. A mesma Comissão nos diz que:

A participação em uma cultura é um dos fatores que proporciona o sentido de pertencer a algo. A cultura dá um sentido de segurança, de identidade, de dignidade, de ser parte de um todo maior e de partilhar a vida de gerações anteriores e também das expectativas da sociedade com respeito a seu próprio futuro (Lausanne 1978, p. 10).

Uma vez fundamentado este sentimento de pertinência, para que possa haver uma comunicação intercultural eficaz, o comunicador da mensagem precisa compartilhar algum tipo de vida em comum e um certo grau de ação coletiva, para que de forma coesa, esta comunicação seja compreendida em parâmetros culturais relevantes. Desta forma, podemos afirmar que para que haja comunicação intercultural eficaz é imprescindível que haja conhecimento cultural prévio!