O QUE É ETNOCENTRISMO - páginas 5-10
PENSANDO EM PARTIR
Etnocentrismo
é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e
todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos
modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode
ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como
sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Perguntar sobre o que é
etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto
elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No
etnocentrismo, estes dois planos do espírito humano – sentimento e pensamento –
vão juntos compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das
sociedades como também facilmente encontrável no dia-a-dia das nossas vidas.
Assim,
a colocação central sobre o etnocentrismo pode ser expressa como a procura de
sabermos os mecanismos, as formas, os caminhos e razões, enfim, pelos quais
tantas e tão profundas distorções se perpetuam nas emoções, pensamentos, imagens
e representações que fazemos da vida daqueles que são diferentes de nós. Este problema
não é exclusivo de uma determinada época nem de uma única sociedade. Talvez o
etnocentrismo seja, dentre os fatos humanos, um daqueles de mais unanimidade.
Como
uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica temos a experiência de um
choque cultural. De um lado, conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que
come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo,
acredita nos mesmos deuses, casa igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder
da mesma forma, empresta à vida significados em comum e procede, por muitas
maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos deparamos com um “outro”,
o grupo do “diferente” que, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou
quando as faz é de forma tal que não reconhecemos como possíveis. E, mais grave
ainda, este “outro” também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no
mundo e, ainda que diferente, também existe.
Este
choque gerador do etnocentrismo nasce, talvez, na constatação das diferenças.
Grosso modo, um mal-entendido sociológico. A diferença é ameaçadora porque fere
nossa própria identidade cultural. O monólogo etnocêntrico pode, pois, seguir
um caminho lógico mais ou menos assim: Como aquele mundo de doidos pode funcionar?
Espanto! Como é que eles fazem? Curiosidade perplexa? Eles só podem estar
errados ou tudo o que eu sei está errado! Dúvida ameaçadora?! Não, a vida deles
não presta, é selvagem, bárbara, primitiva! Decisão hostil!
O
grupo do “eu” faz, então, da sua visão a única possível ou, mais discretamente se
for o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do “outro” fica,
nessa lógica, como sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. Este
processo resulta num considerável reforço da identidade do “nosso” grupo. No
limite, algumas sociedades chamam-se por nomes que querem dizer “perfeitos”,
“excelentes” ou, muito simplesmente, “ser humano” e ao “outro”, ao estrangeiro,
chamam, por vezes, de “macacos da terra” ou “ovos de piolho”. De qualquer
forma, a sociedade do “eu” é a melhor, a superior. representada como o espaço
da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o saber, o trabalho,
o progresso. A sociedade do “outro” é atrasada. E o espaço da natureza. São os
selvagens, os bárbaros. São qualquer coisa menos humanos, pois, estes somos
nós. O barbarismo evoca a confusão, a desarticulação, a desordem.
O
selvagem é o que vem da floresta, da selva que lembra, de alguma maneira, a vida
animal. O “outro” é o “aquém” ou o “além”, nunca o “igual” ao “eu”.
O
que importa realmente, neste conjunto de idéias, é o fato de que, no etnocentrismo,
uma mesma atitude informa os diferentes grupos. O etnocentrismo não é propriedade,
como já disse, de uma única sociedade, apesar de que, na nossa, revestiu-se de
um caráter ativista e colonizador com os mais diferentes empreendimentos de conquista
e destruição de outros povos.
A
atitude etnocêntrica tem, por outro lado, um correlato bastante importante e
que talvez seja elucidativo para a compreensão destas maneiras exacerbadas e
até cruéis de encarar o “outro”. Existe realmente, paralelo à violência que a
atitude etnocêntrica encerra, o pressuposto de que o “outro” deva ser alguma
coisa que não desfrute da palavra para dizer algo de si mesmo.
Creio
que é necessário examinar isto melhor e vou fazê-lo através de uma pequena estória
que me parece exemplar.
Ao
receber a missão de ir pregar junto aos selvagens um pastor se preparou durante
dias para vir ao Brasil e iniciar no Xingu seu trabalho de evangelização e catequese.
Muito generoso, comprou para os selvagens contas, espelhos, pentes, etc.; modesto,
comprou para si próprio apenas um moderníssimo relógio digital capaz de acender
luzes, alarmes, fazer contas, marcar segundos, cronometrar e até dizer a hora
sempre absolutamente
certa, infalível. Ao chegar, venceu as burocracias inevitáveis e, após alguns
meses, encontrava-se em meio às sociedades tribais do Xingu distribuindo seus
presentes e sua doutrinação. Tempos depois, fez-se amigo de um índio muito jovem
que o acompanhava a todos os lugares de sua pregação e mostrava-se admirado de
muitas coisas, especialmente, do barulhento, colorido e estranho objeto que o
pastor trazia no pulso e consultava freqüentemente. Um dia, por fim, vencido
por insistentes pedidos, o pastor perdeu seu relógio dando-o, meio sem jeito e
a contragosto, ao jovem índio.
A
surpresa maior estava, porém, por vir. Dias depois, o índio chamou-o apressadamente
para mostrar-lhe, muito feliz, seu trabalho. Apontando seguidamente o galho
superior de uma árvore altíssima nas cercanias da aldeia, o índio fez o pastor divisar,
não sem dificuldade, um belo ornamento de penas e contas multicolores tendo no
centro o relógio. O índio queria que o pastor compartilhasse a alegria da
beleza transmitida por aquele novo e interessante objeto. Quase indistinguível
em meio às penas e contas e, ainda por cima, pendurado a vários metros de
altura, o relógio, agora mínimo e sem nenhuma função, contemplava o sorriso
inevitavelmente amarelo no roso do pastor. Fora-se o relógio.
Passados mais alguns meses
o pastor também se foi de volta para casa. Sua tarefa seguinte era entregar aos
superiores seus relatórios e, naquela manhã, dar uma última revisada na
comunicação que iria fazer em seguida aos seus colegas em congresso sobre evangelização.
Seu tema: “A catequese e os selvagens”. Levantou-se, deu uma olhada no relógio
novo, quinze para as dez. Era hora de ir. Como que buscando uma inspiração de
última hora examinou detalhadamente as paredes do seu escritório. Nelas, arcos,
flechas, tacapes, bordunas, cocares, e até uma flauta formavam uma bela
decoração. Rústica e sóbria ao mesmo tempo, trazia-lhe estranhas lembranças.
Com o pé na porta ainda pensou e sorriu para si mesmo. Engraçado o que aquele
índio foi fazer com o meu relógio.
Esta
estória, não necessariamente verdadeira, porém, de toda evidência, bastante plausível,
demonstra alguns dos importantes sentidos da questão do etnocentrismo. Em
primeiro lugar, não é necessário ser nenhum detetive ou especialista em Antropologia
Social (ou ainda pastor) para perceber que, neste choque de culturas, os personagens
de cada uma delas fizeram, obviamente, a mesma coisa. Privilegiaram ambos as
funções estéticas, ornamentais, decorativas de objetos que, na cultura do “outro”,
desempenhavam funções que seriam principalmente técnicas. Para o pastor, o uso
inusitado do seu relógio causou tanto espanto quanto o que causaria ao jovem
índio conhecer o uso que o pastor deu a seu arco e flecha. Cada um “traduziu”
nos termos de sua própria cultura o significado dos objetos cujo sentido
original foi forjado na cultura do “outro”. O etnocentrismo passa exatamente
por um julgamento do valor da cultura do “outro” nos termos da cultura do grupo
do “eu”.
Em
segundo lugar, esta estória representa o que se poderia chamar, se isso fosse possível,
de um etnocentrismo “cordial”, já que ambos – o índio e o pastor – tiveram atitudes
concretas sem maiores conseqüências. No mais das vezes, o etnocentrismo implica
uma apreensão do “outro” que se reveste de uma forma bastante violenta. Como já
vimos, pode colocá-lo como “primitivo”, como “algo a ser destruído”, como
“atraso ao desenvolvimento”, (fórmula, aliás, muito comum e de uso geral no
etnocídio, na matança dos índios).
Assim,
por exemplo, um famoso cientista do início do século, Hermann Von Ihering,
diretor do Museu Paulista, justificava o extermínio dos índios Caingangue por serem
um empecilho ao desenvolvimento e à colonização das regiões do sertão que eles habitavam.
Tanto no presente como no passado, tanto aqui como em vários outros lugares, a
lógica do extermínio regulou, infinitas vezes, as relações entre a chamada “civilização
ocidental” e as sociedades tribais. Isso lembra o comentário, tristemente exemplar,
de uma criança, de um grande centro urbano, que, de tanto ouvir absurdos sobre
o índio, seja em casa, seja nos livros didáticos, seja na indústria cultural,
acabou por defini-los dizendo: “o índio é o maior amigo do homem”.
Em
terceiro lugar, a estória ainda ensina que o “outro” e sua cultura, da qual falamos
na nossa sociedade, são apenas uma representação, uma imagem distorcida que é
manipulada como bem entendemos. Ao “outro” negamos aquele mínimo de autonomia
necessária para falar de si mesmo. Tudo se passa como se fôssemos autores de
filmes e livros de ficção científica onde podemos falar e pensar o quanto é
cruel, grotesca e monstruosa uma civilização de marcianos que capturou nosso
foguete. Também, porque somos os autores destes filmes e livros, nada nos
impede de criarmos um marciano simpático, inteligente e super-poderoso que com
incrível perícia salva a Terra de uma colisão fatal com um meteoro gigante.
Claro, como o marciano não diz nada, posso pensar dele o que quiser.
Assim,
de um ponto de vista do grupo do “eu”, os que estão de fora podem ser brabos e
traiçoeiros bem como mansos e bondosos. Aliás, “brabos e “mansos” são dois termos
que muitas vezes foram empregados no Brasil para designar o “humor” de determinados
animais e o “estado” de várias tribos de índios ou de escravos negros. A figura
do louco, por exemplo, na nossa sociedade, é manipulada por uma série de
representações que oscilam entre estes dois pólos, sendo denegrida ou exaltada
– como o marciano – ao sabor das intenções que se tenha. Isto não só ao longo
da história, mas também em diferentes contextos no presente. A expressão
“fulano é muito louco” pode ser elogiosa em certos casos e pejorativa em
outros. Em alguns momentos da história o louco foi acorrentado e torturado, em
outros, foi feito portador de uma palavra sagrada e respeitada.
Aqueles
que são diferentes do grupo do eu – os diversos “outros” deste mundo – por não
poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados pela ótica etnocêntrica e
segundo as dinâmicas ideológicas de determinados momentos. Na nossa chamada
“civilização ocidental”, nas sociedades complexas e industriais contemporâneas,
existem diversos mecanismos de reforço para o seu estilo de vida através de
representações negativas do “outro”. O caso dos índios brasileiros é bastante ilustrativo,
pois alguns antropólogos estudiosos do assunto já identificaram determinadas
visões básicas, determinados estereótipos, que são permanentemente aplicados a
estes índios.
Eu
mesmo realizei, há alguns anos, um estudo sobre as imagens do índio nos livros
didáticos de História do Brasil. Estes livros têm importância fundamental na formação
de uma imagem do índio, pois são lidos e, mais ainda, estudados por milhões de
alunos pré-universitários nos mais diversos recantos do país. Alguns destes
livros alcançam tiragens altíssimas e já tiveram mais de duzentas edições.
Através deles circula um “saber” altamente etnocêntrico – honrosas exceções –
sobre os índios. Os livros didáticos, em função mesmo do seu destino e de sua
natureza, carregam um valor de autoridade, ocupam um lugar de supostos donos da
verdade. Sua informação obtém este valor de verdade pelo simples fato de que
quem sabe seu conteúdo passa nas provas. Nesse sentido, seu saber tende a ser
visto como algo “rigoroso”, “sério” e “científico”. Os estudantes são testados,
via de regra, em face do seu conteúdo, o que faz com que as informações neles
contidas acabem se fixando no fundo da memória de todos nós. Com ela se fixam
também imagens extremamente etnocêntricas.
Alguns
livros colocavam que os índios eram incapazes de trabalhar nos engenhos de
açúcar por serem indolentes e preguiçosos. Ora, como aplicar adjetivos tais
como “indolente” e “preguiçoso” alguém, um povo ou uma pessoa, que se recuse a
trabalhar como escravo, numa lavoura que não é a sua, para a riqueza de um
colonizador que nem sequer é seu amigo: antes, muito pelo contrário, esta
recusa é, no mínimo, sinal de saúde mental.
Outro
fato também interessante é que um número significativo de livros didáticos começa
com a seguinte informação: os índios andavam nus. Este “escândalo” esconde, na
verdade, a nossa noção absolutizada do que deva ser uma roupa e o que, num
corpo, ela deve mostrar e esconder. A estória do nosso amigo missionário serviu
para a constatação das dificuldades de definir o sentido de um objeto – o
relógio ou o arco – fora dos seus contextos culturais. Da mesma maneira, nada
garante que os índios andem nus a não ser a concepção que eles mesmos teriam de
nudez e vestimenta.
Assim,
como o “outro” é alguém calado, a quem não é permitido dizer de si mesmo, mera
imagem sem voz, manipulado de acordo com desejos ideológicos, o índio é, para o
livro didático, apenas uma forma vazia que empresta sentido ao mundo dos brancos.
Em outras palavras, o índio é “alugado” na História do Brasil para aparecer por
três vezes em três papéis diferentes.
O
primeiro papel que o índio representa é no capítulo do descobrimento. Ali, ele aparece
como “selvagem”, “primitivo”, “pré-histórico”, “antropófago”, etc. Isto era
para mostrar o quanto os portugueses colonizadores eram “superiores” e
“civilizados”. O segundo papel do índio é no capítulo da catequese. Nele o
papel do índio é o de “criança”, “inocente”, “infantil”, “almas-virgens”, etc.,
para fazer parecer que os índios é que precisavam da “proteção” que a religião
lhes queria impingir.
O
terceiro papel é muito engraçado. E no capítulo “Etnia brasileira”. Se o índio
já havia aparecido como “selvagem” ou “criança”, como iriam falar de um povo –
o nosso – formado por portugueses, negros e “crianças” ou um povo formado por
portugueses, negros e “selvagens”? Então aparece um novo papel e o índio, num
passe da mágica etnocêntrica, vira “corajoso”, “altivo”, cheio de “amor à
liberdade”.
Assim
são as sutilezas, violências, persistências do que chamamos etnocentrismo.
Os
exemplos se multiplicam nos nossos cotidianos. A “indústria cultural” – TV,
jornais, revistas, publicidade, certo tipo de cinema, rádio – está freqüentemente
fornecendo exemplos de etnocentrismo. No universo da indústria cultural é
criado sistematicamente um enorme conjunto de “outros” que servem para
reafirmar, por oposição, uma série de valores de um grupo dominante que se
auto-promove a modelo de humanidade.
Nossas
próprias atitudes frente a outros grupos sociais com os quais convivemos nas
grandes cidades são, muitas vezes, repletas de resquícios de atitudes
etnocêntricas. Rotulamos e aplicamos estereótipos através dos quais nos guiamos
para o confronto cotidiano com a diferença. As idéias etnocêntricas que temos
sobre as “mulheres”, os “negros”, os “empregados”, os “paraíbas de obra”, os
“colunáveis”, os “doidões”, os “surfistas”, as “dondocas”, os “velhos”, os
“caretas”, os “vagabundos”, os gays e todos os demais “outros” com os quais
temos familiaridade, são uma espécie de “conhecimento” um “saber”, baseado em
formulações ideológicas, que no fundo transforma a diferença pura e simples num
juízo de valor perigosamente etnocêntrico.
Mas,
existem idéias que se contrapõem ao etnocentrismo. Uma das mais importantes é a
de relativização. Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de
essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando.
Quando
o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta mas no contexto em
que acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios
valores e não nos nossos: estamos relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas
do mundo como uma relação capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim
ou uma transformação. Ver as coisas do mundo como a relação entre elas. Ver que
a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar é não
transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e
mal, mas vê-la na sua
dimensão de riqueza por
ser diferença.
A
nossa sociedade já vem, há alguns séculos, construindo um conhecimento ou, se quisermos,
uma ciência sobre a diferença entre os seres humanos. Esta ciência chama-se Antropologia
Social. Ela, como de resto quase todas as atitudes que temos frente ao “outro”,
nasceu marcada pelo etnocentrismo. Ela também possui o compromisso da procura
de superá-lo. Diferentemente do saber de “senso comum”, o movimento da Antropologia
é no sentido de ver a diferença como forma pela qual os seres humanos deram
soluções diversas a limites existenciais comuns. Assim, a diferença não se
equaciona com a ameaça, mas com a alternativa. Ela não é uma hostilidade do
“outro”, mas uma possibilidade que o “outro” pode abrir para o “eu”.
Assim,
gostaria, agora, de acompanhar alguns movimentos pelos quais passou a Antropologia
neste jogo de refletir sobre a diferença. Entender alguns movimentos deste jogo
é acompanhar a superação do etnocentrismo na arena do intelecto e da razão e na
arena da emoção e do sentimento. Acredito até que, num certo nível, esta
superação que ocorre na ciência que é a ponta de lança do conhecimento do
“outro” possa, no plano da sociedade mais geral, ser traduzida num humanismo de
olhar mais conseqüente.
A diferença
das escolhas humanas se fixa, no conhecimento antropológico, no mínimo, como
alternativa e testemunho de muitos “outros”, aqui e pelo mundo afora, cujas formas
de existência serão sempre a presença do humano em sua singularidade.
O
percurso que, na Antropologia, busca a superação do etnocentrismo implicou diferentes
movimentos e pode, com maior ou menor grau de dificuldade, ser observado a
partir de vários ângulos. Optei por traçar o caminho em torno de algumas visões
do conceito de “cultura” dentro da Antropologia. Alguém já disse que o
antropólogo é aquele que pensa sobre as questões da cultura humana. De fato,
seguindo a pista dada pelos diferentes conceitos de cultura de que a
Antropologia dispõe perceberemos como esta foi vista de maneiras mais
etnocêntricas que cederam espaço a outras visões mais relativizadoras. Antes, porém, de ver isto tudo – os conceitos
de cultura nas teorias formais da Antropologia
–, convém fazer rápida passagem pelo panorama de uma época que acho ter
sido fundamental para a constituição de um “sentimento” da Antropologia.
Trata-se dos séculos XV, XVI e XVII com suas
navegações, expedições, espantos, colonizações, alucinações,
sacações e aberturas. E um momento básico de encontro com o “outro”. O “velho”
mundo buscando coisas cujas dimensões talvez nem soubesse. O “novo” mundo um
tanto indefeso frente ao furacão que começava a envolvê-lo. Povos assustados
com o olhar o “outro” frente a frente. Momento marcante
a exigir que se começasse a pensar a diferença,
porque esta já se impunha na força de sua radicalidade.
ROCHA, Everardo P.
Guimarães. O Que é Etnocentrismo –
Ed. Brasiliense, 1988. PP 5-10.
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